terça-feira, 16 de maio de 2023

Prefácio Livro Azul

Dúvida que os jogos de linguagem sejam explicação suficiente para refutar o conceito de sentido proposicional no uso da linguagem[i]

O prefácio do Livro Azul aparenta indicar que, quando Wittgenstein refuta o significado de uma proposição, sua teoria de jogos de linguagem é insuficiente para dar conta do uso da linguagem. Na verdade, o autor do prefácio questiona se os jogos de linguagem podem ser considerados uma linguagem primitiva, isto é, uma simplificação da linguagem, ou seria considerado uma outra linguagem, ainda que haja um conceito aproximado ao de jogo de linguagem que é o de notação. Entretanto, tudo isso se mistura, na argumentação de R.R., do que seria uma concepção do Livro Azul, do Livro Castanho[ii] ou das Investigações.

Mas, o ponto central é se, e como, se poderia abrir mão do significado, ainda que fosse possível se comunicar e se entender, independentemente de que se possa explicar o significado daquilo do que se fala, conforme citação: “podemos falar e compreender o que é dito – sabendo o que significa – sem que isso queira dizer que podemos dizer o que significa” (p. xi). Essa ideia é de uma aprendizagem da linguagem como treino e iria de encontro a proposta de Santo Agostinho de que já haveria uma estrutura de linguagem pronta e que o ensino da língua se daria pela explicação do significado de expressões.

Entretanto, ressalta o autor, também há em Wittgenstein uma busca pela natureza da linguagem que se opõe a sua logicização, como quando, de novo em referência a Agostinho, ele mostra haver a consideração dos demonstrativos isto e aquilo como nomes autênticos, ao passo que os nomes próprios seriam inexatos. Porém, ele não teria explicitado de onde vem essa tendência de análise lógica, se de um modelo de linguagem que usa regras exatas similares as da ciência ou de uma origem de uso metafisico, embora sempre ressaltando que o sentido que as palavras têm é o sentido que lhes damos.

Por fim, é um pouco disso que se trata, se a natureza da linguagem está baseada no uso, seria possível utilizar a linguagem e seus signos nos jogos independentemente da noção de sentido? Se esse é o caso, conforme R.R., “...o método tem de ser aí um tanto diferente. Não se pode esperar tanto dos jogos de linguagem” (p. xx).



[i] WITTGENSTEIN, L. O Livro Azul. Lisboa: Edições 70, 2018.

[ii] Esses dois foram ditados aos seus alunos.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Anotações Livro Azul

Visa trazer anotações iniciais sobre uma primeira leitura d’O Livro Azul[i]

Substantivação: Wittgenstein nos chama a atenção, na primeira página (p 21), para uma prática que leva a erros filosóficos, qual seja, ao tratar de um substantivo procurar por um objeto associado. Aqui parece uma espécie de crítica à ostensão[ii], quando uma palavra é significada apontando para uma coisa e também visa marcar um objeto, defini-lo de forma fixa e não pelo dinamismo da linguagem. Um antídoto a essa prática seria reformular perguntas que se referem ou buscam por coisas por perguntas que buscariam por uma explicação de palavras ou conceitos para fugir do objeto. Na verdade, mesmo a ostensão não garante o significado, já que a interpretação pode variar. (Por exemplo, eu aponto para algo no céu que chamo avião, mas você pode chamar disco voador.) Por outro lado, há um uso mistificador da linguagem (p 29) que nos confunde quando tratamos de certos substantivos, como o tempo e queremos verificar a sua natureza[iii] tendendo-se a diviniza-lo.

Frege: entendemos que há uma crítica ao conceito de sentido posto por Frege, que seria algo que daria vida à linguagem, ao invés de meros signos inertes, porém que pareceriam direcionar a algo imaterial, quando Wittgenstein entende que o sentido vem da utilização da linguagem. Aí teria uma referência implícita a Occam, ao se questionar por que a adição de um sentido animaria aquele signo. Evita-se o sentido pela utilização e a frase ganha vida pela linguagem. Na verdade, os mais variados sentidos são descobertos pelo uso em cada caso particular, em cada contexto e é pela gramática que o sentido pode ser explicado.

Depois de falar sobre dificuldades na compreensão gramatical, jogos de linguagem aparecem como simplificações de linguagem (p 44), próximos de uma linguagem primitiva ou daquela usada pela criança e que não envolveriam pensamentos complexos, permitindo desnudar o uso da linguagem habitual e que se mostrarão, a bem da verdade, similares ao de uma linguagem mais complicada.

Ele trará um método de análise linguística (p 61) que não se aterá a qualquer tipo de significado verdadeiro para uma palavra, mas que mostra que seu sentido é sempre dado por alguém e que são expressos pela linguagem comum, mas perfeita que uma linguagem ideal. E também um método que rejeita que há um processo mental de pensamento como uma instância além do seu mero caráter de expressar o pensamento, isto é, o ato mental não passa de manipulação dos símbolos pela linguagem. Ele remete a velha distinção entre um mundo mental e um mundo físico, sem que nos esqueçamos de que nossas certezas pessoais ou mesmo estados psíquicos podem nos levar a um excesso de subjetivismo, ao passo que proposições sobre objetos físicos pode sem comprovadas pela experiência.

Temos certeza de quão rasas são essas primeiras notas da obra e o quão incerto meu entendimento, o que nos instiga a futura leitura detida, mas falemos dos tão polêmicos dados dos sentidos que nosso autor traz ressaltando a atitude metafisica e que parece desmistificar o idealismo / solipsismo. Para ele, o metafísico aproxima os dados dos sentidos e que seriam privados, aos corpos físicos, tratando ambos como verdades científicas, como que expressando aquela indubitável certeza. Mas, não seriam eles, os dados dos sentidos e o objeto físico uma e a mesma coisa? Isso ele parece dizer (p 114), quando compara os dados visuais de uma árvore com a árvore física. Ora, sem os dados visuais dela, a árvore deixaria de existir? Finalizemos com a citação: “Ora, o perigo que corremos quando adotamos a notação dados dos sentidos é o de esquecermos a diferença entre a gramática e uma declaração sobre dados dos sentidos e a gramática de uma declaração, exteriormente semelhante, sobre objetos físicos.” (p 123). 



[i] WITTGENSTEIN, L. O Livro Azul. Lisboa: Edições 70, 2018. Anotações expressas..

[ii] Como sendo o sentido.

[iii] Santo Agostinho recebe uma crítica mais a frente por querer “medir o tempo” (p 58) – tempo que é sempre fugidio.... 

terça-feira, 28 de março de 2023

Teoria Causal da Referência

Mostra uma nova versão de teoria da referência em resposta ao descritivismo[i]

Em seu bojo, a teoria causal da referência visa explicar o sucesso referencial de falantes ignorantes e foi exposta em forma de esboço por Kripke[ii] formulando que, segundo Sagid, um nome próprio é em algum momento introduzido no discurso e depois difundido de falante para falante. Em seus pontos principais, postula que falantes formam uma cadeia de usuários e o elo que conecta a cadeia é de natureza causal, embora nem todo elo nessa cadeia seja relevante. A existência do elo causal é condição suficiente para que o falante se refira ao objeto através do nome, mesmo sem conhecimento de fatos individuadores.

De acordo com Sagid, esse esquema permite acomodar o fato de que falantes ignorantes podem ser bem sucedidos referencialmente, sem conhecer qualquer propriedade do objeto. Entretanto, Sagid argumenta que Kripke não desenvolveu a ideia suficientemente para que se tornasse uma teoria, por exemplo, não definiu o que seria um elo causal apropriado, de tal sorte que a não delimitação torna a alegação irrefutável[iii].

Contudo, a teoria prosperou nas mãos de Michael Devitt[iv] que quebra o fenômeno da referência em duas partes: em um primeiro passo trata do fenômeno da fixação do referente, a partir da introdução do nome. É o elo causal do tipo C1 que verifica como a introdução é feita, delimitando o elo causal entre os falantes que introduzem o nome e o objeto nomeado. Já o segundo fenômeno é o da difusão social dos nomes próprios, no qual o sucesso dos usuários posteriores depende do sucesso dos usuários anteriores. É o elo causal do tipo C2 entre os membros da cadeia de uso que tomam a referência por empréstimo.

Considerando C1, a explicação de como um nome próprio pode ser introduzido para um objeto tem a forma mais comum do batismo por ostensão, isto é, um contato perceptivo, por exemplo, “Ele se chamará Aristóteles”. Esse elo causal oriundo do contato visual é condição suficiente para se atribuir um nome, a partir dele se ganha a habilidade de se usar um nome para atribuir. Embora suficiente, não é necessário, já que há outras formas como as descrições definidas que podem ocorrer no caso de se introduzir uma descrição definida antes do nome em casos simulares ao de uma investigação policial que busca o “autor dos crimes”, antes que se saiba a identidade.

Uma teoria causal mais recente (2015) foi pleiteada por Andrea Bianchi e é chamada de teoria da cópia / repetição procedendo pela relação de referência entre ocorrências de nomes e objetos. Uma ocorrência é considerada um “particular linguístico”, cada uso do NP, seja ele escrito no papel, proferido por alguém ou lido na capa de um livro. Ora, o que leva a ocorrência de um nome próprio se referir ao objeto que se refere?

Para a teoria da cópia, uma ocorrência de “Aristóteles” se refere a Aristóteles em virtude de (I) ter sido introduzida para Aristóteles ou (II) ser uma repetição / cópia de uma ocorrência que foi introduzida para Aristóteles. Nossas referências, produzidas por nós, se referem a Aristóteles em virtude de elas serem cópias de outras ocorrências, estas sim, introduzidas para Aristóteles. E o que garante que as nossas cópias se referem a Aristóteles é que o conceito de cópia é transitivo, isto é, se C é cópia de B e B é cópia de A, então C é cópia de A[v].

Esse conceito de cópia de Bianchi é, segundo Sagid, muito intuitivo e simples, já que cópia das ocorrências é tomada em sentido literal e que explica como alguém pode tomar de empréstimo a referência de outra pessoa. Literalmente cópia ou repetição: ouvimos um nome e repetimos. É um processo mecânico, mas que levanta a objeção de que se daria quiçá por uma foto copiadora ou um papagaio[vi], que é capaz de proferir a ocorrência que de fato se refere a Aristóteles. Mas o papagaio é de fato um usuário de NPA (Nome Próprio Aristóteles)? A depender de Bianchi, parece que sim, porém Sagid traz a diferenciação entre dois eventos: fazer uma referência e produzir uma ocorrência referencialmente [e meramente] bem sucedida.

Sagid então traz objeções de Jessica Pepp[vii], como o caso de um historiador que, ao escrever um livro sobre o filósofo Sócrates, copia a referência de uma notícia sobre o jogador Sócrates. Aí teríamos as ocorrências do livro se referindo ao jogador, se se toma o enfoque de Bianchi. Mas, para Pepp, o livro é sobre o filósofo e isso inviabilizaria a teoria da cópia, pois não explica esse tipo de cópia e se reforça a distinção entre fazer referência ou meramente se referir, já que, na visão de Bianchi, as afirmações do livro seriam falsas pois asseriam ao jogador coisas do filósofo, não explicando a referência por empréstimo.

Há também os usos cotidianos de NP que não parecem serem cópias, visto que não são somente produção de cópias, mas realmente fazem referência. Podemos “repetir um nome” esquisito[viii], mas isso não quer dizer “usar o nome”. Posto isso, Sagid retorna à teoria de Devitt que parece ser mais plausível na explicação de C2 e também abordará uma “formulação mista” de uma teoria histórica da referência proposta por Donnellan, como que um descritivismo causal.

Retomando brevemente, o descritivismo é uma teoria tanto do significado quanto da referência de NP, essa última tratando de fatos individuadores capazes de determinar propriedades de objetos, mas sendo contestada pelo argumento semântico de Kripke, através do qual um falante ignorante é capaz de se referir com sucesso. Essa objeção abre caminho para uma teoria da referência, antes circunscrita ao significado, cuja tentativa de Andrea Bianchi trouxe problemas suscitados por Jessica Pepp. É aí que Sagid retoma a teoria de Devitt para fixação e difusão do referente, no esquema objeto => C1 => sujeitos => C2 => falantes. C1: batismo por ostensão como condição suficiente para explicar como falantes podem introduzir nomes sem conhecimento de fato individuador. C2: fenômeno da difusão social que depende dos usuários anteriores.

Embora a explicação de C1 levante problemas, ainda pode ser considerada satisfatória, já para C2 é necessário explicar qual o tipo de elo causal entre o falante e quem introduziu o nome, isto é, qual o fundamento da cópia. Devitt simplifica e citemos, por meio de Sagid:

“Em uma situação de batismo (C1): um sujeito S percebe um objeto X e, devido a uma relação causal que lhe permite perceber X, ele pode atribuir um nome N a X. Ao fazer isto, S ganha a habilidade de usar N para se referir a X. Em uma situação de empréstimo (C2): ao ouvir (ler, etc.) S1 proferir N para se referir a X, um sujeito S2 pode, devido a uma relação com S1 (de ouvir, ler, etc. o proferimento de S1), adquirir a habilidade de usar N para se referir a X.”.

Nesse sentido, é suficiente a relação de habilidade de S2 com a habilidade de S1 em que o elo causal pode, por exemplo, ser ouvir.[ix] Como se trata de habilidades, evita-se o problema da cópia de ocorrências de Bianchi. Lembremos que, pela teoria de Bianchi, o uso de nomes como repetições suscitava a questão da referência por um papagaio, mas na linguagem temos “ações referenciais”, não repetição. Já para Devitt é uma habilidade.

Então, já que o elo não é necessário o nome pode ser introduzido por meio de uma descrição definida, como no caso de “o inventor do zíper” – e algo que unifica e permite a referência sem uma conexão causal. No caso de C2, a referência não depende dele e ele também não é necessário como um todo, mas para seu por empréstimo deve haver uma cadeia causal de difusão do nome[x].

Em vista disso, as teorias causais são históricas porque dependem do histórico de usos bem feitos. Porem, Donnellan apresenta uma teoria histórica, mas que não é causal pois, mostra Sagid, “o uso do NPA é aquele que entra na explicação histórica correta do NPA.” Sagid esclarece postulando um [fictício] observador universal da história que permite traçar uma linha de referencia dos usos que chegam no batismo e encontram A, isto e, a explicação histórica remete ao indivíduo particular encontrado pelo ouh, apesar de que essa teoria não deixa claro quais são os elos.

Crítico do descritivismo, Donnellan pleiteia uma tese positiva que traz o referente na origem e uma tese negativa sobre a referência, ao descartar qualquer fato individuador como elo da cadeia.  Apesar disso, há uma corrente descritivista que se apropria de Donnellan para inseri-lo em um descritivismo causal através do qual é o fato individuador que valida a tomada de empréstimo do nome, quando na cadeia de usos do nome próprio, como se fosse um descritivismo causal auto consciente.

Por fim, conclui Sagid, a teoria causal traz inovações como a separação entre a introdução e difusão dos nomes próprios, além de enfatizar que a referência é um fenômeno social, já que seu sucesso não depende somente de um falante, como pleiteou Donnellan com a noção de que a cadeia deve "correr bem" na comunidade linguística. Por outro lado, o aspecto social não é relegado pelo descritivismo, chegando mesmo a apontar para a cadeia de usos e invalida uma suposta critica de Kripke de que o descritivismo seria um fenômeno privado ao satisfazer determinada descrição.



[i] Recortes feitos das aulas 17 e 18 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.

[ii] Naming and Necessity (1972).

[iii] Lembrar toda a discussão de irrefutabilidade.  Ver discussão: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/11/quine-e-os-problemas-do-positivismo.html. Sagid traz o exemplo do dragão invisível caracterizado por Sagan, que postulava um dragão invisível que sempre possibilitava uma resposta a qualquer objeção.

[iv] Designation (1981).

[v] Sagid exemplifica que, mesmo se alguém fizer uma cópia de uma xérox que tirei da capa de um livro onde estava escrito Aristóteles, aí temos que todos nos referimos ao livro, e assim etc.

[vii] As referências de Sagid nas aulas remetem a seu livro Como os nomes nomeiam: um passeio filosófico sobre a referência. Sagid Salles – Pelotas: NEPFIL Online, 2020.

[viii] Gavagai? Sobre gavagai, falaremos: https://criticanarede.com/lin_quine.html.

[ix] Esse elo causal parece que justifica bem o uso de fontes em trabalhos acadêmicos, como que uma “transferência de responsabilidade” ou garantia.

[x] Ou, conforme cita Sagid, em uma difusão de informações associadas ao nome.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Argumentos contrários ao descritivismo

Argumentação de Kripke contra o descritivismo: um caminho para a volta do referencialismo em nova roupagem[i]

Se as teorias descritivistas de nomes (clássica, agregados), pelas quais o significado de um nome é o significado da descrição (particular, complexa) associada ao nome, são mais completas que o referencialismo, já que explicam também a referência (objeto que a descrição aponta), elas também trazem objeções de Kripke que são abordadas por Sagid, conforme sinapses abaixo. As duas primeiras colocam em dúvida a teoria descritivista do significado (a mais importante sendo a segunda, segundo Sagid) e, a última, a teoria descritivista da referência.

Argumento modal. Segundo esse argumento, nomes não são equivalentes a descrições pois se comportam de maneira diferente em contextos modais, que são aqueles que envolvem possibilidade e necessidade. Supondo o NP “Aristóteles” (A) e a DD “o fundador da lógica formal” (oflf) temos de 1.) "Se Aristóteles existe, então Aristóteles é Aristóteles", algo que não falha, a derivação X.) "Se Aristóteles existe, então Aristóteles é _______". Atribuindo a DD, postula-se 2.) "Se Aristóteles existe, então Aristóteles é oflf", algo que não é necessariamente verdadeiro, mas que, para o descritivismo clássico, teria o mesmo significado (1 e 2). Entretanto, Aristóteles poderia ter existido e não ter fundado a lógica formal.

Ora, se 1.) é necessariamente verdadeiro e 2.) é uma verdade contingente, então não podem ter o mesmo significado. 1.) e 2.) tem a mesma estrutura, diferindo pela última ocorrência de Aristóteles que, ao ser substituida pela descrição definida, acarreta a diferença de significado. Por isso, o nome próprio não é equivalente à descrição definida dele e, não só, mas por nenhuma descrição e o argumento se generaliza[ii].

Mundos possíveis. O argumento modal de Kripke se vale do conceito moderno de “mundo possível”[iii][iv], isto é, do modo como o universo é, por exemplo, o fato de que “este mundo é tal que eu sou computeiro” mas, o mundo poderia ser diferente e eu poderia ser um filósofo. Se há muitos modos, cada modo é um mundo possível, assim como esse mundo, agora, é um mundo possível[v]. Daí que é possível algo que é o caso em pelo menos um mundo possível e é necessário algo que é o caso em todos os mundos possíveis. Esse conceito pressupõe coisas do tipo “Gosto de filosofia em pelo menos um mundo possível”, mas “é necessário que 2 + 2 = 4”, algo que vale em todos os mundos possíveis.

Designador rígido. Retomemos 1.) "Se A existe, então A é A" e 2.) "Se A existe, então A é oflf". Pleiteia-se que 1.) é necessário, já que é verdadeiro em todos os mundos possíveis e 2.) não é necessário já que é verdadeiro em alguns mundos possíveis, isto é, contingentemente verdadeiro. Quer dizer, o valor de verdade de 1.) é constante de mundo para mundo, do que Kripke tira, segundo Sagid, que, como o referente do NP é constante, ele é um designador rígido, e como o referente da DD varia, ela é um designador flácido.

3.) “O flf é um homem” é verdade no nosso mundo, mas em outro poderia ser uma mulher. Como o referente da descrição definida se altera de mundo para mundo, então o valor de verdade de 3.) varia. Já 4.) “Aristóteles é um homem” marca o referente em todos os mundos, já que podemos verificar se Aristóteles é um homem, mas não precisamos procurar o referente. Embora Aristóteles pudesse ter tido outro nome, uma vez que A nesse mundo atual seria A em todos os mundos, já que A seleciona sempre o mesmo indivíduo. Ao falarmos de A, sempre falamos de Aristóteles.

Sagid define o designador rígido como “Um termo T é rígido se, e somente se, designa o mesmo indivíduo em todos os mundos possíveis onde ele existe”. Já o designador flácido é assim definido: “Um termo T é flácido se, e somente se, não é rígido.”. Então, o argumento modal versa que nomes próprios são designadores rígidos, mas as descrições definidas associadas a eles normalmente não são designadores rígidos. E os designadores rígidos não têm o mesmo significado que os designadores não rígidos. Portanto, nomes próprios e designações definidas se comportam de maneira diferente em contextos modais e, por isso, seus significados são diferentes. 

Argumento epistemológico. Assim como o argumento modal, o argumento epistemológico procura refutar a teoria descritivista do significado dos nomes próprios. Para o argumento epistemológico, nomes e descrições não são equivalentes, isto é, não tem o mesmo significado porque se comportam de maneira diferente em contextos epistêmicos, que são aqueles que envolvem crença e conhecimento.

Novamente, dados o NP A e a DD oflf temos, pelo descritivismo, que são equivalentes. Podemos generalizar 5.) “João sabe que A é A” em Y.) “João sabe que A é _______” e derivar 6.) “João sabe que A é oflf”. Pelo princípio da composicionalidade, como sabemos, o significado de uma frase é dado pela sua estrutura e o significado das partes. Ora, 5.) e 6.) tem a mesma estrutura, mas suas partes não parecem ter o mesmo significado já que 5.) é um conhecimento trivial (a priori e, portanto, verdadeiro) e 6.) poderia ser falso, o que faz com que o NP e a DD não tenham o mesmo significado.

Como no caso do argumento modal, aqui também podemos generalizar e, para qualquer descrição definida poder-se-ia dar o caso e, por conseguinte, o significado de A não ser dado por nenhuma descrição definida associada a ele.  O mesmo vale para o complexo de descrições pois também pode dar-se o caso de o ouvinte não saber das descrições relevantes, posto que é uma crença difícil de ser atribuída a alguém.

Há o truque de associar 5.) e 6.) formando 7.) “João sabe que o oflf é oflf”, isto é, substituindo todas as ocorrências do NP e aí seria também uma sentença trivial, como 5.). Assim sendo, 7.) não parece ter o mesmo significado de 6.), isto é, 7.) é V e 6.) é F. Também poderia ser argumentado que a objeção é válida, mas não quando é aquela descrição que fixa o nome. Porém se é o caso exatamente da descrição que associa o nome, então Russell diria que são equivalentes (NP ~ DD)[vi].

Mas, de fato, pode dar-se o caso de serem equivalentes. Porém, Sagid ressalta outro problema, o de falantes que podem significar coisas diferentes quando significam um nome, que é o caso de “A é legal” significando “O flf é legal” ou “O am é legal” (am abreviando o autor da metafísica), dependendo do falante, algo que a teoria dos agregados poderia tentar resolver com a descrição complexa da comunidade, mas que ainda assim poderia diferir da de um falante qualquer, como já vimos.[vii]

Argumento semântico[viii]. Já o argumento semântico, por seu turno, tocará na referência alegando que é verdade que o referente é dado pela descrição, mas não é verdade que o significado do nome é dado pelo significado da descrição. Dados o NP A e a DD oflf temos que o referente do NP é dado pelo referente da DD já que é ela que o fixa. Se a DD não tiver referente ou tiver mais que um referente, o NP falha em se referir, mas se houver um e apenas um objeto que possui a propriedade indicada, então esse indivíduo é o referente.

Fato individuador. Ora, se A tem referente é porque se sabe que ele é oflf, há uma crença verdadeira, isto é, se há referente, o usuário do NP sabe que há referente. Por conseguinte, segundo Strawson, tem-se conhecimento de um fato individuador acerca de A: o fato de ser oflf. Sabe-se que A é o único indivíduo a possuir a propriedade de ter sido oflf. Esse fato singulariza, diferencia A do resto dos indivíduos. E, continua Sagid, o conhecimento de um fato individuador é um conhecimento discriminatório, que permite identificar o indivíduo.

O sucesso em se referir provém do conhecimento de um fato individuador que é considerado uma condição de necessária, embora possam haver outros conhecimentos discriminatórios, conforme sugerido por Strawson, como a percepção. Entretanto, para o descritivismo, são as descrições definidas que permitem o conhecimento de fatos individuadores. O flf é algo só de A, mas ele primeiro seleciona o indivíduo e depois usa o nome. Primeiro a DD e depois o NP.

Falante ignorante. O argumento semântico pressupõe o falante ignorante, que não conhece um fato individuador acerca de algo e se enuncia como:

(P1) Se o descritivismo está correto, então não existem casos nos quais um falante ignorante acerca do referente de um nome consegue se referir a algo através do nome.

(P2) Todavia, existem casos nos quais falantes ignorantes têm sucesso em se referir a algo através de nomes.

(C) Logo, o descritivismo é falso.

Se P1 é o requisito epistêmico, P2 é verdadeiro?

A argumentação de Kripke vai no seguinte sentido, tematizado por Sagid e por nós apropriado, como todo o resto das postagens do curso do IF: Joãozinho vai a aula e escuta do professor “Newton foi mestre de Platão”. Chegando em casa, Joãozinho diz: “Pai, o Newton foi m de P” e aquele responde: “Não, não foi”.  Ora, o exemplo mostra que, mesmo dizendo uma falsidade sobre Newton, ele teve sucesso em se referir, mesmo sem conhecer um fato individuador. Agora vejamos o exemplo de Donnellan: os pais estão com uma criança em uma festa e ela dorme. Enquanto isso, os pais encontram Tom e ela abre o olho, diz “oi” e dorme novamente. No outro dia, a criança fala: “Tom é legal”. De novo, ela não conhece um fato individuador e até poderia ter mais de um Tom na festa, mas ela se referiu a Tom.

Entretanto, Sagid aponta para uma supervalorização do argumento, como que somente a pergunta “Quem é Aristóteles?” (que uma criança faz a despeito da conversa de seus pais) já serviria para argumentar que foi feita a referência, mesmo sem que nada se saiba sobre Aristóteles. Então, se a objeção é importante, deve ser usada sem exageros e indeterminações, como pensar que o argumento semântico fosse capaz de pleitear uma tese mais forte e mostrar que falantes completamente ignorantes são capazes de se referir. Ocorre que a pergunta “Quem foi Aristóteles?” pode mostrar que o falante pode não ser tão ignorante pois há o fato individuador que é o fato de que A é a pessoa sobre quem os pais estão falando. E o fato de ouvirmos a frase “Maria é legal” não sugere que conhecemos Maria e que se pode defender a tese forte, pois se nos perguntassem “Quem é Maria?”, diríamos “Não sei” e ficaria difícil, depois disso, afirmar que ela é legal, o que corrobora o insucesso referencial.

Dito isto, o quadro atual é:

1.)   teoria referencialista: o significado é a referência – levanta 3 enigmas que podem ser solucionados pela:

2.)   teoria descritivista (clássica ou agregados): significado do nome é significado da descrição e referência do nome é referência da descrição – levanta as 3 objeções que descrevemos que poderiam ser resolvidas pela:

3.)   teoria causal da referência, que é uma teoria da referência que se soma ao referencialismo, que é uma teoria referencialista do significado.



[i] Recortes feitos das aulas 14, 15 e 16 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.

[ii] O fato de Aristóteles poder ter morrido meses depois de nascer, o que o deixaria despido de descrições, não me soa convincente, senão que de muito mal gosto.

[iv] Ref. de Sagid: https://criticanarede.com/fil_essencialismo.html: Essencialismo Naturalizado: Aspectos da Metafísica da Modalidade

[v] Há uma extrapolação metafísico-realista do argumento que versa que cada mundo possível existe na realidade. Sobre isso, ver episódio “#12 - RICARDO SANTOS - SAUL KRIPKE: (O NOMEAR E A NECESSIDADE)”: https://www.youtube.com/watch?v=Mk5toR26ESE&ab_channel=FILOSOFIASer%26Pensar

[vi] Mas deveria ser conhecida por todos?

[vii] Sagid ainda aponta para um descritivismo da referência, de Frank Jackson, que podemos investigar posteriormente.

[viii] Atribuído a Kripke e Donnellan, de acordo com Sagid.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Descritivismo

Aborda o descritivismo clássico, a teoria dos agregados e como o descritivismo resolve três dos enigmas deixados sem resposta pelo referencialismo[i]

Introdução. Conforme vimos no último fichamento, o enigma de Frege, que dá origem à teoria da referência indireta, introduz o sentido do nome próprio, mas não o explica. O que Sagid vai nos mostrar é que, pressupondo a teoria das descrições definidas de Russell, a teoria descritivista dos nomes próprios irá clarificar esse conceito fregeano, além de propor explicações tanto para o significado quanto para a referência.

Descritivismo clássico. O descritivismo é uma família de teorias da referência que explicam o significado e/ou a referência dos nomes em termos do significado e/ou referência das descrições definidas daqueles nomes. Primeiro, o descritivismo explica o significado dos nomes em termos do significado das descrições e, depois, explica a referência dos nomes em termos do significado das descrições.

O descritivismo clássico é, então, uma versão de teoria da referência indireta oriunda de Frege e Russell. Nela, um falante associa uma descrição definida a um nome próprio e é o significado dessa descrição que é o significado daquele nome próprio. E, também, o significado dessa descrição seleciona um objeto que é o referente daquele nome próprio.

Teoria das descrições definidas de Russell. Conforme continua Sagid, uma descrição definida é uma expressão da forma “o F” ou “a F”, isto é, são expressões antecedidas pelos artigos “o”, “a”, por exemplo: “a rainha da Inglaterra”, “a pessoa mais alta do planeta”. O uso das descrições definidas faz com que uma afirmação como 1.) deva ser interpretada por uma afirmação como 2.), qual seja, alguém que diz 1.), na verdade está dizendo 2.), tomando 1.) por “N é G” e 2.) por “O F é G”.

Isso posto, quando digo 3.) “Aristóteles é um filósofo”, estou dizendo 4.) “O fundador da lógica formal é um filósofo”, já que, conforme enunciado, é a descrição que o falante associa ao nome próprio que fornece o significado do nome. Isso reduz o problema do significado dos nomes ao problema do significado das descrições, esse último sendo tratado pela teoria russelliana.

Ocorre que o significado de uma descrição definida não é tomado isoladamente, mas por um método de análise contextual que interpreta o significado de expressões no contexto completo das frases em que elas ocorrem. Para explicar o significado de expressões subfrásicas, como NP ou DD[ii], podemos nos valer do princípio da composicionalidade e verificar qual a contribuição delas na frase. Então, não se explica “o fundador da lógica formal”, mas “o fundador da lógica formal é sábio” – dentro de um contexto, sobre o que é dito.

Pela teoria das descrições definidas de Russell, 2.) “O F é G” é analisada como 2’.) “Existe um e apenas um F e quem quer que seja F é G”. 2.) é analisada por uma cláusula de existência, outra de unicidade e, por fim, a predicação. Dado 4.) “O fundador da lógica formal é um filósofo”, ela será analisada como 4’.) “Existe um e apenas um fundador da lógica formal, e ele é um filósofo.[iii] Ressalta Sagid que esse método de análise é usado para determinar o significado de uma descrição definida, pois permite determinar como ela contribui para a frase em que ocorre, pelo que é dito pela frase. O método também explica quem é o referente e como é determinado, pois é o único objeto que satisfaz a descrição, que possui a propriedade indicada pela descrição. Já se a descrição não aponta para nenhum objeto que a satisfaça, então não tem referente. Tenha zero ou muitos objetos, a descrição falha em se referir, é vazia. A tabela abaixo indica como a teoria resolve os problemas propostos por Sagid.

Problema

Descritivo

Fundacional

Referência

Qual referente da descrição definida?

Em virtude de quais fatos uma descrição definida se refere ao que se refere?

Resposta

O objeto que satisfaz a descrição definida.

Uma descrição definida se refere ao que se refere em virtude de o objeto ser o único a possuir a propriedade apontada por ela.

 

Teoria descritivista dos nomes. Do que foi dito, o significado do nome próprio é o significado da descrição definida que o falante associa a ele. A respeito do problema descritivista do significado dos nomes próprios, o significado do nome próprio é o significado da descrição associada a ele. Exemplificando, qual o significado de Aristóteles? É o significado da descrição “o fundador da lógica formal” que o falante associa a ele. Já o significado de “o fundador da lógica formal” é dado pela teoria de Russell. De “Aristóteles é um filósofo”, extraio “O fundador da lógica formal é um filósofo” e, com a contribuição de Russell: “Existe um e apenas um fundador da lógica formal e ele é um filósofo”.

Já sobre o problema fundacional, Aristóteles significa o que ele significa em virtude de ele ser associado à descrição que lhe é associada, que ele satisfaz. Em outras palavras, Aristóteles tem o significado que tem em virtude da descrição que ele está associado ter o significado que ela tem.

Se a teoria referencialista dos nomes próprios explica o significado dos nomes, ela não explica a referência. Já a teoria descritivista o faz, dizendo que o problema descritivo da referência pode ser enunciado como: o referente de determinado nome é o objeto que satisfaz a descrição definida associada ao nome. Já ao problema fundacional da referência, que se pergunta sobre quais fatos, o descritivismo diz que o nome próprio se refere ao que se refere em virtude deste objeto satisfazer a descrição associada a ele.

Isto é, o descritivismo explica o sentido e como ele determina o referente. Se o significado do nome é o significado da descrição definida associada, o sentido do nome é o sentido da descrição definida associada. Mas como ele determina o referente? A partir do momento em que o significado da descrição definida impõe certas condições no mundo que apenas um objeto satisfaz, ou seja, as cláusulas de existência, unicidade e predicação. Não obstante, o nome próprio pode ter sentido, mas não referente, na medida em que seu sentido é dado pela descrição, mas ninguém a satisfaz, que é quando o sentido aponta para nada[iv].

Teoria dos agregados. O descritivismo clássico, enquanto uma teoria da referência indireta, isto é, quando a referência é parcialmente determinada pelo significado do nome, se debruça sobre uma descrição definida particular que um falante associa ao nome. Ocorre que, pode ser que um falante associe muitas descrições a um nome, o que levanta a pergunta sobre por que apenas uma delas fixa o referente do nome, se alguma é a mais importante. Uma possível resposta é a de que vale a descrição que o falante tem em mente quando usa o nome, embora muitas vezes não pensemos em uma descrição ao usar um nome.

Por outro lado, diferentes falantes podem associar diferentes descrições a um mesmo nome, o que poderia ter a consequência de serem diferentes significados, embora consigamos entender a mesma coisa. Ora, Sagid traz casos de desacordo como “Aristóteles é inteligente” e “Aristóteles não é inteligente” que, se aparentemente são contraditórios, podem estar simultaneamente certos se o primeiro signifique que “O fundador da lógica formal é inteligente” e o segundo que “O autor da metafísica não é inteligente”. Ou seja, diferentes falantes, ao fixar a referência com diferentes descrições, podem estar atribuindo diferentes significados.

Posto isso, Searle irá rejeitar que o significado do nome é dado por uma descrição particular, mas por um agregado de descrições que permitam determinar o objeto. Se podem haver muitas, não são todas, senão bastaria que uma não fosse satisfeita para invalidar o significado. Não sendo todas, Searle postula um número suficiente, mas que também é vago, pois difícil de mensurar, mas que também não seja superado por um outro objeto que satisfaça tais descrições em número maior. Também, dirá Searle, não é necessário especificar quais descrições devem ser verdadeiras para que um indivíduo seja o referente de determinado nome próprio.

Aplicando a teoria dos agregados, temos que o significado de “Aristóteles é um filósofo” é dado por “O indivíduo acerca do qual um número suficiente, vago e não especificado das afirmações: ele é d1, ele é d2, ..., ele é dN, são verdadeiras é também um filósofo”. Resumindo, o significado do nome próprio vem da descrição completa daquele nome. O que pode significar: “O indivíduo acerca do qual um número suficiente, vago e não especificado das afirmações: ele é o fundador da lógica formal, ele é o autor da metafísica, ele é o discípulo mais inteligente de Platão e etc., são verdadeiras é também um filósofo”. E os problemas são resolvidos como abaixo:

Problema

Descritivo

Fundacional

Significado

O significado do nome próprio é o significado da descrição complexa que o determina.

O nome próprio tem o significado que tem em virtude de a descrição complexa ter o significado que tem.

Referência

O referente de um nome próprio é o indivíduo cujo significado é o referente da descrição complexa associada a ele.

O nome próprio se refere a que se refere em virtude da descrição complexa associada a ele se referir ao que se refere.

 

Dessa maneira, a teoria dos agregados evita o problema do descritivismo clássico, já que não há uma descrição especial para o nome, mas o que importa é o agregado. Acontece que podemos extrapolar o caso e falantes diferentes pode ter um agregado que seja diferente e produza diferentes significados. Nesse caso, lança-se mão do agregado da comunidade linguística em oposição ao agregado de cada falante[v].

Conclui-se que, a referência direta vai pleitear que seja lá como for que o referente do nome é determinado, ele não é determinado pelo significado, ao passo que, pela referência indireta, o referente é parcialmente determinado pelo significado do nome, e é essa teoria que vai resolver os enigmas apresentados.

Solução do descritivismo para nomes vazios. Como sabemos, para o referencialismo, o significado de um nome próprio é o próprio referente, o objeto e, se ele falha, se o referente é vazio, o nome não tem significado. Já para o descritivismo, mesmo que o nome próprio a nada se refira, ainda tem significado, visto que é dado pelo significado da descrição. Dado que 5.) “Papai Noel é legal”, o significado do nome “Papai Noel” é dado pelo significado da descrição definida “o bom velhinho”, o que resulta em 6.) “O bom velhinho é legal” e, aplicando a teoria de Russell tem-se que 6’.) “Existe um e no máximo um bom velhinho e ele é legal”. Porém, se é o caso que Papai Noel não existe, a afirmação é falsa e, portanto, dotada de significado.[vi]

Ainda assim, se temos a impressão que Papai Noel é legal, é justamente porque o descritivismo trata esse proferimento como falso porque Papai não existe e não porque ele não seja legal. Nesse caso, ainda poderíamos recorrer ao faz de conta para dizer que Papai Noel é legal “lá”, muito embora tal proferimento seja literalmente falso. Para o descritivista, seria possível usar “Papai Noel” em certos contextos[vii].

Solução do descritivismo para existenciais negativas. O proferimento 7.) “Papai Noel não existe”, conforme já vimos pela nota anterior, se é verdadeiro, tem significado e, consequentemente, cada parte tem significado. Isso leva ao paradoxo de que o significado de “Papai Noel” é seu referente, que é o próprio Papai Noel e, nesse caso, existe. Agora, se tomarmos a frase pela descrição “O bom velhinho não existe”, teremos 7’.) “É falso que existe um e apenas um bom velhinho” que é verdadeira sem termos que recorrer a nenhuma ontologia, como a de Meinong.

Isso posto, o descritivista não usa o faz de conta para o problema de Vulcano, já que oriundo de fato real e científico. Aqui, de 8.) “Vulcano não existe” se extrai 8’.) “É falso que existe um e apenas um planeta causando anomalias na órbita de Mercúrio” – afirmação literalmente verdadeira e que evita que cientistas tratem do faz de conta.

Solução do descritivismo para o enigma de Frege. Simplificando o exemplo de Sagid, temos as frases 9.) “Anitta é Anitta” e 10.) “Anitta é Larissa” que, pela teoria referencialista, associam o significado do nome ao objeto referido. Visto que, pelo princípio da composicionalidade, tem a mesma estrutura, mas apresentam nomes diferentes que são correferenciais, esses nomes deveriam ter o mesmo significado, o que parece implausível em razão de possuírem uma diferença de conteúdo informativo.

Seja a descrição de Anitta “a cantora de funk mais famosa” e a de Larissa “a cantora preferida do Sagid”, as frases ficariam 9’.) “A cantora de funk mais famosa é a cantora de funk mais famosa” e 10’.) “A cantora de funk mais famosa é a cantora preferida do Sagid”. 9’.) apresenta o mesmo objeto do mesmo modo e 10’.) são duas formas diferentes de apresentar o objeto por duas descrições, portanto de caráter informativo. Então o descritivismo explica o sentido fregeano, já que o sentido do nome é o sentido da descrição definida.

Solução do descritivismo para o princípio da substitutividade. Por fim, temos que o princípio da substitutividade falha para o referencialismo, já que ele deveria admitir como universalmente válido que a substituição de um nome próprio por outro nome próprio correferencial não altera o valor de verdade da proposição. Entretanto, se em 9.) e 10.) a substituição se aplica e são verdadeiras, há contextos que são referencialmente opacos como os contextos de crença como em 11.) “Maria acredita que Anitta é Anitta” e 12.) “Maria acredita que Anitta é Larissa”. Em situações como essa, a substituição altera o valor de verdade das proposições e o princípio falha, pois Maria certamente sabe de 11.) mas pode não saber de 12.). Entretanto, derivando para o descritivismo, 11’.) “Maria acredita que a cantora de funk mais famosa é a cantora de funk mais famosa” e 12’.) “Maria acredita que a cantora de funk mais famosa é a cantora preferida do Sagid”, tem o mesmo valor de verdade, já que tem o mesmo referente.



[i] Recortes feitos das aulas 11, 12 e 13 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.

[ii] Nomes próprios ou descrições definidas.

[iii] Sagid cita brevemente o uso atributivo de Keith Donnellan, mas não o aprofunda. Sobre ele falaremos.

[iv] Além disso, Sagid ressalta que, para Searle, o descritivismo aporta 2 fatos alegados sobre o nome próprio: ensinar um nome é introduzir o nome com uma descrição, e aprender a usar o nome é ser introduzido ao nome junto com a descrição. Ao ouvir coisas sobre “Maria”, como “Maria X” ou “Maria Y”, podemos nos perguntar, “Quem é Maria?”. A resposta “É a moça mais inteligente da sala” nos ensina quem é Maria e como usar seu nome.

[v] Sagid cita a solução de Claudio Costa que seria de descrições enciclopédicas.

[vii] Ver https://criticanarede.com/logicaficcional.html: O estatuto lógico do discurso ficcional - John R. Searle. Tradução de Vítor Guerreiro.