sábado, 17 de setembro de 2022

Significado e Referência

Mostra que a linguagem, aparentemente coisa simples e natural, tem uma teoria do senso comum que não responde a questões básicas e, por isso, instaura um ramo de investigação filosófico[i]

Introdução. Uma teoria filosófica do significado deve responder questões como:

1.     O que é isso de certos tipos de marcas e ruídos terem significado?

2.     Por que uma expressão tem o significado que tem, isto é, expressões têm significados distintos?

3.     Como é possível que nós produzamos e compreendamos elocuções com significado?

O senso comum indica que as expressões possuem significado por estarem no lugar de coisas do mundo – essa a chamada teoria referencial do significado. Mas, ela é inadequada porque, na realidade, poucas palavras estão no lugar das coisas e se palavras fossem somente para relacionar coisas não formaríamos frases gramaticais.

Significado e compreensão. A partir da sentença (1) “Papa Francisco jogou futebol no América de MG.”, consideremos:

4.     A sentença não exprime uma verdade, mas a compreendemos sem esforço

5.     Naturalmente lemos e compreendemos frases imediatamente

6.     Mesmo sem nunca as ter visto antes

Daí que pode se tratar de uma capacidade até mais espantosa do que comer ou respirar, argumenta Lycan. Podemos pensar que compreendemos 1.) porque falamos português, 2.) compreendemos cada palavra e 3.) compreendemos o modo como essas palavras estão ligadas. Porém, além da compreensão humana, expressões linguísticas são objetos em si, algo particular, sejam frases com significado ou frases algaraviadas (que não dizem nada, ex. “Eu tatu pão de queijo”). Temos, então, os dados:

7.     Algumas sequências de marcas ou ruídos são frases com significado.

8.     Cada frase com significado tem partes que também tem significado.

9.     Cada frase com significado significa algo em particular.

10.  Quem domina uma língua tem a capacidade de compreender muitas das frases dessa língua, sem esforço e quase instantaneamente, e formula também frases do mesmo modo.

A teoria referencial. Bem, conforme dito, para o senso comum o significado se reduz a coisas, as palavras são como etiquetas, um nome denota[ii] uma pessoa. Há significado porque as frases espelham estados de coisas que descrevem, mas as palavras aparecem em sentido convencional, ou seja, arbitrariamente associadas às coisas (ex., eu me chamar Luís, etc.). Se parece que sei o que significa pois sei o que refere[iii], há objeções.

Objeção 1. “Nem toda palavra nomeia verdadeiramente ou denota um o” objeto de fato existente, com Pégaso, o cavalo alado. Ou pronomes de quantificação, como em “Ninguém viu”. Mesmo frases do tipo sujeito-predicado, como “O Raul é magro”, traz magro descrevendo Raul, mas o que magro nomeia? Ora, magro é uma propriedade[iv] de Raul, algo abstrato: “O Magro”. Além desses pontos, há substantivos que não nomeiam, por exemplo, “prol” ,”bel” e outras palavras que têm significado mas não nomeiam como “sim”, “muito”.

Objeção 2. Uma lista de nomes nada diz: “João Gabriela José”.

Objeção 3. O significado não se esgota na referência, como podemos lembrar de termos correferenciais que podem não ser sinônimos. Conclui-se que a referência é importante em si, apesar das inadequações da teoria referencial do significado.   



[i] Fichamento de Filosofia da linguagem: uma introdução contemporânea. LYCAN, William. Tradução Desiderio Murcho. Portugal: Edições 70, 2022. Capítulo I, introdução.

[ii] Denota * Nomeia * Designa * Refere.

[iii] Como fica evidente, para a teoria referencial do significado, o significado é a referência, mas Frege, por exemplo, irá mostrar que o significado é o sentido e ainda sobra a referência. Já explorado em:  https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/05/alem-da-referencia-o-sentido.html: “(...) E mostra que os nomes próprios não tem um único significado, conforme falamos acima, mas dois: um é a coisa no mundo que a palavra designa, um indivíduo, referência, entidade no mundo. Entretanto, além da referência, o sentido (sínn), é uma caraterística objetiva das palavras. Ruffino explica que, para cada pessoa, um nome pode conter um significado com conotação subjetiva, mas há um sentido objetivo que é [quase] o mesmo para todos.”

[iv] Atributo * Característica * Particularidade.