quarta-feira, 31 de agosto de 2016

História e educação para surdos: oralismo, comunicação total e bilinguismo*

Quer se desenvolver as capacidades dos surdos, mas há dificuldades e limitações**.
Até Aristóteles considerava que só se podia aprender pelo discurso. Na antiguidade, os surdos não tinham direitos legais e, mais tarde, sua alma não era considerada imortal pela igreja. Santo Agostinho diria que a falta de ouvido impede a entrada da fé. Tratados de imbecis na idade média, a partir do século XVI tenta-se ensinar a fala para a garantia de direitos (porém restrito a preceptores contratados por famílias abastadas) e se ganha força a ideia de que o surdo pode ser capaz de tomar suas próprias decisões. 
Mas, é no século XVIII que a comunicação dos surdos se divide entre oralista e gestualista. Na França, De L'Epée valoriza a gestualidade e cria uma escola para ensino do método visual que possibilitaria ao surdo obter conhecimento, ler e escrever, permitindo o crescimento dos surdos nas esferas sociais, defendendo a comunicação entre eles e possibilitando o conhecimento da cultura. Já o método alemão fundado por Heinicke se baseava na oralidade pretendendo que os surdos agissem como pessoas normais e falassem, assegurando que só a oralidade propiciava o pensamento. O oralismo termina por se espalhar pela Europa e no Congresso de Milão, em 1880, ele triunfa como caminho para socialização dos surdos e o método visual é praticamente banido. 
A polaridade do método chega aos EUA com Clerc, defensor da língua de sinais, que via a surdez como "diferença" tratada pelo modelo social com cultura de aceitação (modelo bilíngue) e Graham Bell, defensor do oralismo, que via a surdez como "desvio" tratado pelo modelo médico num quadro de incapacidade física (modelo monolíngue). Mas, o oralismo vigora sem muitos avanços e com muitas dificuldades na educação dos surdos até a década de 1950 quando surgem as próteses que acenavam com a possibilidade de permitir que os surdos ouvissem e falassem. 
A língua de sinais ganha força a partir dos anos 60 nos EUA como língua natural capaz de permitir a comunicação total, o desenvolvimento social e o acesso das pessoas surdas. Mas, com o avanço tecnológico, volta-se a defender o oralismo e instrumentos que permitam a comunicação. Entretanto, críticas vêm dos EUA mostrando que o ensino oral é descontextualizado de situações naturais de comunicação e que a leitura labial é impossível para crianças pequenas. O método gestual se mantém a margem até ressurgir nos EUA, na década de 70, assemelhando a comunicação visual com a falada, a partir do estudo da Língua de Sinais Americana: fonemas produzem palavras e queremas produzem sinais. 
A proposta de comunicação total que aparece nos anos 60 visa usar todos os mecanismos de comunicação, deixando a opção livre para os surdos. Porém, ao não privilegiar os sinais, eles não são vistos como linguagem, mas apenas um acessório, embora permitindo o acesso aos sinais pelos surdos. Paralelamente, ganha força a educação bilíngue que considera a linguagem de sinais oficial e natural dos surdos e a linguagem oral em segundo plano***. Ela permite o desenvolvimento da criança pela linguagem de sinais e futura comunicação com os ouvintes. Porém, mesmo nos EUA que possuem a língua de sinais mais avançada e estudada, ainda prevalece o modelo de comunicação total. No Brasil e demais países, as experiências com educação bilíngue são restritas, aqui tendendo a diminuir o oralismo e crescer a comunicação total que permitiu a entrada dos sinais em sala de aula. Do que se conclui que o bilinguismo, o oralismo e a comunicação total ainda coexistem em diversos países. No Brasil, embora a primeira escola de surdos-mudos tenha sido fundada em 1850, a comunicação entre surdos pela linguagem dos sinais só se torna lei depois dos anos 2000 e, então, passa a ser ensinada a Libras que pode propiciar a difusão da importância dos estudos surdos e de Libras. 
Libras: língua natural utilizada nos centros urbanos e reconhecida por lei.
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Do texto: “Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos Surdos”. Cristina B.F. de Lacerda.  Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32621998000300007
(+) Primeira aula de Libras EAD, Prof. Responsável: Felipe Venâncio Barbosa.
** Se os surdos sempre existiram e até pouco tempo eram considerados surdos-mudos por incapacidade de falar, na verdade podem falar se submetidos a técnicas.
*** A língua do grupo ouvinte majoritário.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

É preciso fazer algo pelo mundo?

Nossa questão aqui é: basta viver ou é preciso fazer algo pelo mundo? Mais precisamente: é preciso dar alguma contribuição política para algum tipo de formação educacional ou de consciência? Nesse mundo “aparecemos” meio sem saber como e nem porque, vamos vivendo como podemos, crescemos e quando nos damos conta há uma vida em andamento: toda uma série de relacionamentos sociais, família, esporte, trabalho, lazer, emoções, desejos, o peso psíquico e a condição física. Tudo isso nos impõe compromissos e é a soma de todos esses fatores que concorrem para nosso movimento e ação. Diz-se, então, que o ser humano é um ser gregário e o pode ser na alegria e na tristeza, compartilhando sentimentos e sofrimentos, mas abrindo a possibilidade de atuação política que pode se confundir com necessidade.
Estamos amarrados no viver: com a sociedade, mas sozinhos. Somos influenciados de diversas formas e precisamos dar respostas o tempo todo. Com o mundo cada vez mais interconectado e avançado tecnologicamente, a partir da quantidade de informações e estímulos que recebemos, somos levados a responder de uma forma ou de outra, mas quase sempre seguindo tendências e nos adequando ao padrão vigente e muitas vezes nos calando. O tomo lá da cá, a roda da vida nos move e nas situações em que somos colocados tentamos sair do outro lado da forma que der e evitando o desgaste. É suficiente? Há mais a ser feito?
Fazer algo pelo mundo, politicamente, procurar uma formação para si e para os outros é acreditar que algo muda em nós e nos outros. É preciso acreditar que cada um não é uma célula individual e fechada, uma mônada, mas que há abertura para mudança, que a estrutura racional, psíquica e emocional individual sofre alteração e se transforma. É preciso acreditar que cada um pode ser impactado e que sua intencionalidade pode ser afetada em busca de novos motivos e ideal. É preciso acreditar que a comunicação entre nós viabiliza essa mudança e que os ruídos externos e que a capa protetora psicofísica não é suficiente o bastante para impedir esse acesso.
Mas, mais do que isso, é preciso colocar à disposição um arsenal ideológico que proponha um algo melhor, em algum sentido. E que mais do que manter é melhor crescer e que a mudança é benéfica. Sem nos valermos do conflito de ideias, sem partir para uma verdadeira batalha de argumentos, não poderemos transformar algo e nem sermos transformados. Sair da banalidade e do senso comum é tarefa árdua. A busca pela educação, pela nossa formação deve ser constante e superar enxurrada de aparências e descrenças.