sábado, 30 de novembro de 2024

Os argumentos da princesa

Acerca da conceituação dualista e problemas[i]

O aristotélico Tomás de Aquino entendia a mente como algo que nos diferenciava dos animais, já que nos permitiria fazer abstrações e uso da vontade para controlar os apetites. Na modernidade, Descartes introduziu grande mudança na concepção de mente, pois passou a valorizar a introspecção, que já havia sido abordada por Agostinho, mil anos antes. Poderíamos olhar para dentro de nossa mente e enxergar visões, ter dores, prazeres, enfim, a experiência humana não seria reduzida nem ao material nem ao racional.

A sensação era tomada como algo da ordem do mental, um tipo de sensação autêntica além do corpo mecânico. Nos animais faltaria a consciência para, por exemplo, sentir uma dor consciente. O mundo, então, estimularia um corpo e ativaria estímulos interpretados pelo aparelho cognitivo animal ou por uma câmera de vídeo, conforme exemplo de Vitor Lima. Mas a câmera “sente”? Evidentemente não, então agrega-se uma consciência e passamos para uma sensação consciente nos humanos, mas não nos animais. Houve um deslocamento da racionalidade da mente para a consciência e esse aspecto continua em perspectiva até hoje, haja visto que é exatamente o que falta para a inteligência artificial. Contudo, resumindo o argumento, é a consciência que nos distingue dos animais, segundo Descartes[ii].

Relembremos, a partir da dúvida hiperbólica Descartes chega no "eu penso", mas o que é esse “eu” que existe, que pensa? Nesse sentido, retomando a anatomia da alma, o “eu” pensa, nega, quer, imagina e sente. Vitor ressalta que o pensamento cartesiano abrange intelecto, volição, sensação e emoção, quer dizer, tudo o que está dentro de nós (introspectivamente falando) e do que somos conscientes.

Lembremos que o intelecto de Aquino apreendia algo não complexo e que algo é ou não outra coisa, pela composição ou divisão. Em Descartes, tudo vira atos de pensamento, seja pela concepção de ideias, como um ato intelectual, pensar ideias claras e distintas, seja pela articulação de ideias como ato volitivo, que é compor ideias (“2 + 2 = 4 é verdadeiro”). Então, há o intelecto como faculdade de conhecer e a vontade como faculdade de escolher. É a vontade que trata com a realidade, no âmbito da ação, da omissão ou dúvida. Exceto percepções claras e distintas, das quais não se pode duvidar.

A ideia clara e distinta distintiva para Descartes é o “penso, existo”, que é uma resposta para o cético que duvida que se possa chegar ao conhecimento. Interessante notar o que Vitor reforça: quando Descartes duvida de tudo, mesmo que ele duvide do pensamento, essa dúvida reforça o pensamento, já que a dúvida é um pensamento. Aí a vontade precisa comprovar que isso é verdadeiro.

Sobre o dualismo, Vitor mostra que, uma que vez que compreendamos duas coisas, uma sem a outra, clara e distintamente, elas são separadas, mesmo que seja por Deus. Se concebemos corpo e mente como separados, então eles existem separadamente. Isso é dado na filosofia cartesiana que considera nossa essência uma coisa pensante, não corporal. No limite, nosso pensamento poderia ser transferido para algum outro lugar que não o cérebro. Seria possível conceber o nosso pensamento executando em uma máquina.

Como contingentemente somos compostos por mente e corpo, torna-se ponto vulnerável explicar como eles, com diferentes naturezas, se comunicam. Esse ponto é que será questionado pela princesa Elizabeth da Bohemia: como a alma, sendo pensante, pode determinar ações voluntarias? Movimento requer contato físico e extensão, coisas que a alma não é, se considerada imaterial.

Se há relação entre pensamento e cérebro, e isso pode ser comprovado pela neurociência atualmente, não é possível ver pensamentos no cérebro, só sinapses. Coisa material e coisa pensante tem atributos opostos, uma tem lugar no espaço e a outra não, se uma se divide, a outra é indivisível, para uma há leis físicas e para a outra há leis racionais e, por fim, uma se conhece pelos sentidos e a outra pela introspecção. Os pensamentos, como a ideia de beleza, existem mas não estão no cérebro, já diria Platão. O medo não pode ser tocado, mas é percebido. Uma mão se mexe por um impulso nervoso oriundo de alguma substância física, mas resta saber o que a originou, por outro lado.

Eis a pertinência da pergunta da princesa, como duas coisas quase opostas se relacionam? É o desafio do dualista, é o erro de categoria tratado por Ryle. Descartes propôs que a interação se daria pela glândula pineal que ainda está na esfera material, então a questão ficou sem resposta. Mas sua grande contribuição é a conceituação da consciência, que nos atinge até hoje.



[i] Conforme https://youtu.be/PBgONHORXZI, em 21/11/2024. Filosofia da Mente: alma na Filosofia Moderna (Parte 1), canal Isto não é Filosofia. Este curso explora o tema da mente, dividindo-se em três abordagens distintas: histórica, problemática e temática. O objetivo é fornecer uma visão aprofundada dos conceitos filosóficos que envolvem a mente, suas relações com o corpo, a inteligência artificial e o livre-arbítrio. O Módulo 1 aborda o desenvolvimento histórico da concepção de mente e alma, desde os filósofos antigos até o pensamento contemporâneo, destacando a evolução das ideias ao longo dos séculos. O Módulo 2 examina as questões problemáticas que surgem na relação entre mente e cérebro, explorando as diferentes teorias que tentam explicar essa relação, como o materialismo, o dualismo e o funcionalismo. Finalmente, no Módulo 3, o curso adota uma abordagem temática, dividindo-se em dois tópicos centrais: inteligência artificial e livre-arbítrio. Embora distintos, esses temas são fundamentais para compreender os desafios filosóficos atuais. A parte sobre inteligência artificial aborda as implicações da tecnologia no entendimento da mente, enquanto o tema do livre-arbítrio explora as discussões filosóficas sobre a autonomia humana. Ao todo, o curso conta com 23 aulas distribuídas ao longo de 6 meses, proporcionando uma análise profunda e abrangente dos debates filosóficos sobre a mente e suas implicações na era moderna.

[ii] Porém, esse âmbito do mental, isto é, da consciência, só é acessível individualmente, como já tratamos aqui no espaço do blog em outros textos, por exemplo em “Haveria independência entre a mente e o comportamento?*” https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/02/haveria-independencia-entre-mente-e-o.html. Assim, o acesso direto é só de primeira pessoa e não há garantia do acesso a outras mentes, levantando um problema epistemológico. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O vermelho não tem cor

O texto passa por conceitos de Tomás como intelecto, vontade e imortalidade da alma. Há, na sua doutrina, elementos que serão emprestados por Kant, Hume, Descartes.[i]

Assim como Aristóteles[ii], Aquino também identifica três tipos de alma, mas para ele o ser humano só tem a alma racional que abarca as outras duas. Ocorre que há uma hierarquia do intelecto e da vontade compondo nossa racionalidade e servindo de base para o conhecimento e a ética.

Vitor destaca que há uma concepção de alma sobrevivendo ao corpo, que permeia o discurso antigo, e Tomás acrescenta um traço de como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. São os campos da epistemologia e da ética e a passagem mais clara do conceito de alma para o de mente. Não esquecendo a metafísica, já que há interesse em se classificar do que a alma é feita, que não é o material. Por fim, nos medievais a questão existencial passa da busca para a felicidade dos gregos para uma vida beata[iii] ou com Deus.

O professor traz um esquema sobre as partes da alma no período que vale a reprodução:

 

Dimensão cognitiva

Dimensão volitiva

Nível racional

Intelecto

Vontade

Nível animal

Sensação

Desejo

Segundo ele, Tomás entende que a alma pertente ao domínio racional somente e apresenta capacidades cognitivas, para coleta de informações e apetitivas, orientadas por uma meta.

A abordagem de Tomás distingue a mente, que se coaduna com uma alma racional, da consciência, que é tratada como percepção no nível animal. Parece ser uma primeira divisão entre mente e consciência. Então a mente apresenta pensamentos abstratos (cognição) e toma decisões racionais (vontade). Especificamente, se os animais pensam, o ser humano tem a intelecção que é articulada pela linguagem, seja de modo gramatical ou lógico. Inteligência para articular pensamentos linguisticamente, seja pela apreensão de coisas ou pela capacidade de composição e divisão. Por um lado, “isso é algo” (pensamento “de” algo), por outro, “isso não é aquilo” (pensamento “que” algo é ou não é).

De acordo com Vitor, o intelecto capta universais que estão além da sensibilidade e imaginação, dados da realidade. O universal pode ser classificado, por exemplo, como um conjunto de indivíduos com certas características. Se tomamos o vermelho, ele é tido como o conjunto dos indivíduos vermelhos, mas o vermelho universal não tem cor e não pode ser imaginado e nem sentido, somente inteligido. Sentidos e imaginação, sim, lidam com particulares.

Caracterizando mais o intelecto, seu objeto é a essência ou quididade[iv], aquilo que define o que é uma coisa, o que faz aquela coisa ser exatamente o que é e opera abstraindo a partir de representações imaginárias. Mas, como não é um empirista, para Tomás há um intelecto agente, próprio somente dos humanos, capaz de abstrair ideias universais, mas também não sendo racionalista, não acredita em ideias inatas. Para ele, temos um intelecto receptivo que recebe as ideias e crenças do intelecto ativo. Do mesmo modo, os universais em nosso intelecto se convertem em representações imaginárias para serem comunicadas aos outros[v].

Portanto, citemos passagem de Vitor Lima: “Tendo em vista que o intelecto opera por universais, é impossível haver conhecimento puramente intelectual de indivíduos. A matéria é o princípio de individuação”[vi]. Assim, nossa essência não diz nada do que somos individualmente, nossa essência é sermos um animal racional. Para conhecer individualmente temos que agregar os aspectos empíricos e mutáveis, assim não estamos mais no campo intelectual.

Sobre a vontade, conceito similar ao de razão prática em Aristóteles, há também a busca pela felicidade guiando nossas escolhas, assim como em Agostinho. Se o intelecto é cognitivo, a vontade é apetitiva e se direciona a orientar os desejos, mas ela trabalha em associação com o intelecto pois trata de uma carência oriunda dele que é a busca por felicidade. Ocorre que o nosso movimento se dá por impulsos no campo dos apetites, mas que são controlados ela vontade. Ela funciona por meio de atos diretos, que são decisões internas e atos comandados, pertencentes ao corpo, ações físicas. Nesse contexto surgem os atos voluntários como conclusão de raciocínios práticos que se guiam por uma coisa boa ou meio para se atingir algo.

Por fim, Tomás de Aquino acreditava que a alma era imaterial e imortal, princípio de operação do intelecto. Ela deveria ser diferente do corpo para poder conhecê-lo, pois se fossem da mesma natureza não o conheceria por inteiro. Isto é, o ser humano precisa da alma para poder conhecer, conhece por meio dela. Salienta-se, então, corpo e alma, o corpo conhece e intelige pela alma e ela não se confunde com a pessoa. Na morte, o “eu” não sobrevive, somente a alma.

Por fim, Vitor resume a anatomia da alma como se segue.

Intelecto

Vontade

Intelecto ativo (universais)

Atos eliciti (internos - mente)

Intelecto receptivo (particulares)

Atos imperati (externos - corpo)

 



[i] Conforme aula de Vitor Lima no YT - Filosofia da Mente: alma na Filosofia Medieval (Parte 2): https://youtu.be/G-je8XXgRwM. Filosofia da Mente (curso): aula de abertura: https://youtu.be/zHjo3whbSgs.

[iii] Uma forma de vida beata pode ser encontrada aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/01/a-imanencia-uma-vida.html.

[iv] No longínquo 2014, falamos da Cavalidade que é um exemplo de quididade: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2014/02/cavalidade.html. Tratamos do cavalo novamente em 2024, entendendo que Berkeley não acreditava em uma ideia abstrata, um universal inexiste, não passa de uma palavra: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/01/breves-ideias-sobre-locke-berkeley.html. Nos idos de 2016 investigamos a quididade no contexto aristotélico, atribuindo uma identidade entre a substância e sua essência, imanente a ela: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/03/a-primeira-doutrina-da-substancia.html.

[v] Aqui Vitor traz uma analogia interessante: a filosofia trataria dos universais enquanto a literatura dos particulares, porém uma dependente da outra.

[vi] Esse é um tema que será trabalhado por Simondon, o processo de individuação.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Uma narrativa da mente

Traz aspectos de uma teoria funcionalista sobre a consciência que opera como narrativa da mente[i]

Teixeira inicia a abordagem da consciência em Dennett ressaltando que, embora a inteligência artificial (IA) tenha tido um grande avanço em seu desenvolvimento, ela não explica a consciência. Mesmo na ficção é possível assistir a grandes personagens que são máquinas conscientes, embora inteligência e consciência sejam coisas distintas. Por exemplo, o vírus HIV tem um comportamento que pode ser dito inteligente, mas não podemos dizer que é consciente. Mas a teoria da mente que mais se aproxima da IA é a funcionalista e se ela pudesse explicar a consciência haveria grande espaço para a chancela da IA como coisa consciente.

Para Dennett, então, a consciência é a narrativa do que ocorre na mente. Ele distingue um aspecto mais elementar de consciência que é a capacidade de deliberação, isto é, do controle do comportamento que significaria estar consciente para executar as ações. Porém, elaborar narrativas vai além disso: é ter a capacidade de realizar escolhas do que será feito a seguir. Nesse sentido, Dennett é signatário de Ryle[ii], ou seja, ambos não tratam a consciência como uma unidade, não pensam que possa haver uma mente una e indivisível se opondo a matéria infinita e divisível e seria utopia buscar por um lócus da consciência, embora parte da neurociência caminhe nessa direção.

Dennett entende que somos uma coleção difusa de vozes e fragmentos. Com uma postura deflacionária, a consciência é caracterizada com uma construção que atribuímos aos outros e não faz sentido buscarmos por seus correlatos neurais. Da mesma forma que Ryle, então, Dennett confronta o mito cartesiano de um coordenador central administrando nosso corpo e de um pano de fundo onde estariam inscritas as nossas experiências conscientes. Pleiteando um modelo descentralizado nos livramos do peso ontológico do “eu-penso” e do caminho que desemboca na figura do pai, do estado ou de deus.

A teoria dennettiana da consciência é empírica e toma por base o conceito de Pandemonium criado por Selfridge que permite reconhecer padrões mal definidos. Tal conceito será abordado a seguir.



[i] Começando o segundo capítulo de A mente segundo Dennett, de, João de Fernandes Teixeira. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.

[ii] Sobre Ryle: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/11/revisitando-o-mito-cartesiano.html. 

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Revisitando o mito cartesiano

Comentários sobre o mito cartesiano[i]

Descartes acreditava que nosso corpo é só uma máquina e tudo o que ocorre em termos de pensamentos, sentimentos e a consciência estariam em uma “casa” não física e inacessível aos outros (então, como a terapia funcionaria?).

O erro categorial é imaginar que um conceito, por exemplo, a universidade é uma coisa como se fosse os prédios, ruas, bibliotecas e praças que a compõem. Então, onde estaria “a universidade”? Ora, não há uma universidade materializada, ela é apenas um conceito. É um erro de princípio imaginar que o conceito e a coisa pertencem ao mesmo tipo de categoria.

É um erro tratar a mente como uma “coisa” separada do corpo, como se fosse um governador que controla o corpo. Não haveria, então, processos mentais separados do corpo, não haveria uma mente e um corpo. É uma falsa oposição, assim como não faz sentido opor idealismo e materialismo, a questão está mal colocada. Ou determinismo e livre-arbítrio. Ter que tomar parte é outro erro categorial.

Como não trata a mente como uma sala de controle dentro da máquina corporal, Ryle argumenta que não estados mentais privados, mas disposições corporais. Tomando como exemplo a generosidade, ela não é algo que está “dentro” de nós, mas uma disposição de agirmos com generosidade. Não é uma força interna misteriosa, algo que deveríamos procurar dentro de uma mente.

Da mesma forma, inteligência é resolver problemas ou a capacidade de aprender. Algo prático, portanto. Em se tratando de disposições, isso não significa que sejamos um autômato que não tem escolhas: volta-se ao erro de categoria do determinismo em oposição ao livre-arbítrio, já que esse não é um poder misterioso. Livre-arbítrio não passa de uma capacidade de agir conforme nossa razão ou nossos desejos determinem.

Nesse sentido, nossas decisões não partem de um controlador central já que a mente se mistura com o corpo e há múltiplos fatores competindo em nossas deliberações. Fatores baseados em nossas experiencias e escolhas já realizadas.

Não menos importante é o aviso de que um vocabulário de cunho mentalista traz termos que podem nos levar ao tratamento de complexidades desnecessárias. Nos leva a falsa escolhas entre idealismo e materialismo, corpo e mente, entre outras. Enfatiza-se que determinadas palavras podem nos confundir na análise dos nossos comportamentos e do funcionamento da mente. Há que se prestar atenção no uso da linguagem para evitar cairmos em erros categoriais. Vale uma reflexão entre a teoria filosófica e a vida ordinária.

Post-script: podemos especular que submeter a mente a leis próprias, do ponto de vista epistemológico, poderia leva-la ao determinismo, já que haveria ali leis fixas. Por outro lado, eticamente falando, desassocia-se a mente do mundo, como se ela não dependesse de nossa experiencia.

 

Mito cartesiano

https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/05/o-mito-de-descartes-doutrina-oficial.html

Doutrina Oficial

Corpo: publico

Mente: privado: conhecimento indubitável – suspensão do juízo

Exterior x interior: metáfora – estímulos longínquos – afeta um controle central

Transições: psicologia x fisiologia

Representação cartesiana??

Dois tipos de existência, tempos diferentes, diferentes objetos

Robson Crusoé

Objeção: Freud e o inconsciente

Observação da vida interior: não se pode falar da vida interior dos outros

Corolário

Alicerce para construção de teorias... Lugar da mente e sua natureza!

Absurda da Doutrina

Erro em princípio – erro de categoria

Espírito de equipe x ações = terceira coisa?

Erro teórico x erro de conceito: igualar corpo e mente

Portanto: fantasma

Origem do erro

Mecânica de Galileu: mente fora (cunho moral)

Hobbes: mundo mecânico

Problema gramatical: vocabulário invertido para a mente

Como explicar a causação

Determinismo x Libre Arbítrio

Criterios de primeira pessoa x de terceira pessoa

Exemplo Dickens

Conjugar processos mentais e físicos

Consequências: acabar com a crença dessa divisão infundada

Ryle: deflacionário

Nota histórica

            Influência de teorias teológicas sobre descartes



[i] Revisitando o mito com a ajuda de um vídeo criado por humano e um áudio criado por máquina. “Baby, oh, baby, Bem-vinda ao século XXI”. https://youtu.be/AzHlhuLAFY4  https://youtu.be/XUeAQXL_0jc 

sábado, 9 de novembro de 2024

Repetição e esquecimento

“Faça isso.” Tic-tac-tic-tac. “Não fez? Vê se não esquece!” Tic-tac-tic-tac. “Fez? Ah, não é desse jeito! Está errado!”

Pedido – esquecimento – novo pedido – execução – culpa.

Esse tipo de cenário é corriqueiro em nossas vidas e exatamente a quantidade de esquecimentos entre os pedidos pode variar bastante. Há situações, falemos de duas.

Situação banal de esquecimento: com a quantidade atual de informações que nos atingem e com a diversidade de atividades que fazemos concomitantemente, há dificuldade em se prestar atenção. A origem aqui pode ser a ausência de concentração ou dificuldade de priorização.

Situação distinta de esquecimento: idosos esquecem, ponto. Não há o que fazer, está dado e pode haver inúmeras causas oriundas de uma vida inteira e de uma situação atual. Idosos não são culpados por esquecer e, pensando inversamente, a criança é culpada por esquecer? “Obedeça!” Bem, deixemos esse assunto para outra ocasião.

Dito isto, repetição é a palavra do momento. Mas qual o problema em repetir? E por que a não execução indica culpa? Ora, ora, vida corrida, vida ingrata, vida dispersa.

O problema não deveria ser o esquecimento, mas em se tratar como problema a repetição. Ouvi de um professor longevo que o que mais fez na vida foi repetir! Cantores repetem as mesmas músicas por anos a fio.

Se olharmos atentamente, a repetição não é ato simples: a repetição é do mesmo? Quando vamos ao banheiro fazer xixi, obviamente fazemos xixi, mas é sempre o mesmo xixi? Repetição de palavras, de ideias, repetição de sons, de ações. Repetições que se repetem sem se repetirem. Podemos considerar que uma repetição não é simplesmente uma repetição porque nunca é a mesma coisa, senão não seria repetição, seria a mesma coisa.

Então, a repetição de duas coisas apresenta uma diferença e é exatamente essa diferença que se sobressai para que possamos entender a constituição do processo da repetição. Por que ela ocorre e qual sua meta? No caso da repetição de um pedido ou ordem, qual ênfase que é dada em determinadas palavras? Qual o tom de voz ou a abordagem que suscita a diferença entre duas repetições de um pedido malfadado? A ordem envolve quem manda e quem obedece e nesse jogo ambos os atores devem se empenharem para que haja um resultado satisfatório.

Já para Nietzsche, a repetição é conceito central e o eterno retorno fundante para o sentido da vida. Ou seja, o telos não é algo adiante, mas algo que voltará. Não deveríamos viver a vida esperando uma recompensa futura já que vamos voltar do mesmo, cometendo os mesmos erros e sentindo as mesmas culpas. Importa viver aqui e agora. Sendo assim, o tic-tac-tic-tac não é de espera, ansioso por um novo pedido ou pela repetição do pedido anterior. Nada disso, clamemos por um tic-tac-tic-tac demorado, que permita reflexão e elaboração. Ou, de modo diverso, se não vamos escapar do céu ou do purgatório, como diria Juca Teles, vamos pular o carnaval!

Voltando ao que cochichou o professor, depois de tratarmos da repetição em sua ontologia ou ética, voltemos à repetição pedagógica que ele a nós assoprou remetendo a Paulo Freire. Ela vai no sentido que dizíamos, de que a repetição é um processo de formação de consciência e não repetição mecânica. Repetição com diálogo e aprofundamento, com entendimento da situação prática dos envolvidos e que nos leve a melhores interações e uma vida melhor.

Post Script: esse texto contou com um pouco de filosofia de botequim, um pouco de referências pessoas e muita ajuda do conhecimento sintetizado no deusgpt.

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Você disse: resuma brevemente o livro diferença e repetição de deleuze. O ChatGPT disse:

Diferença e Repetição (1968) de Gilles Deleuze é uma obra central da filosofia contemporânea que critica a tradição metafísica ocidental, onde predominam as ideias de identidade e representação. Em vez disso, Deleuze explora a diferença em si, separada de uma referência a um "mesmo" ou a uma identidade fixa.

O livro propõe que a filosofia, a ciência e a arte devem se concentrar mais na diferenciação e na repetição como processos criativos e produtivos. Ele argumenta que a repetição não é simplesmente a repetição do mesmo, mas uma expressão de diferença, e que as estruturas da realidade, da natureza à sociedade, emergem de forças que se diferenciam continuamente.

Essa obra complexa e abstrata abre caminho para uma filosofia do devir e influencia muitos campos, incluindo a teoria crítica, a psicanálise e os estudos culturais. Deleuze questiona a necessidade de pensar o mundo em termos de unidades idênticas e propõe uma abordagem mais fluida e diversa para o pensamento e a existência.

Você disse: qual o sentido da repetição para Nietzsche? O ChatGPT disse:

Para Nietzsche, a repetição é abordada principalmente através do conceito do "eterno retorno" (ewige Wiederkehr), que é uma das ideias centrais em sua filosofia. Esse conceito sugere a hipótese de que tudo na existência se repete infinitamente, em um ciclo eterno. No entanto, Nietzsche não entende essa ideia de forma meramente literal, mas como um experimento de pensamento e um desafio existencial.

O eterno retorno serve como uma espécie de teste ético e existencial. A ideia é perguntar a si mesmo: "Se minha vida, com todas as suas dores, alegrias, erros e acertos, se repetisse eternamente, eu a desejaria mesmo assim?" A repetição, assim, é uma prova de amor à vida, um convite para viver plenamente e afirmar a existência tal como ela é, sem arrependimentos. Nietzsche chama essa postura de amor fati (amor ao destino): aceitar a vida em sua totalidade, com suas inevitáveis dificuldades, como algo que se escolheria infinitamente.

Esse conceito da repetição desafia a visão cristã e platônica de uma vida linear com um propósito ou redenção final. Em vez disso, Nietzsche usa a repetição para promover uma filosofia do aqui e agora, em que o valor da vida se encontra em vivê-la intensamente e de forma afirmativa.

Você disse: qual o sentido da repetição para paulo freire. O ChatGPT disse:

Para Paulo Freire, a repetição tem um papel transformador no processo educacional e no desenvolvimento da consciência crítica. Ao contrário de uma repetição mecânica, que reforça a memorização sem compreensão, Freire defende uma repetição dialógica e reflexiva, em que os alunos revisitam conceitos para aprofundar o entendimento e conectar o aprendizado à sua realidade.

No método pedagógico de Freire, a repetição é parte de uma prática crítica que leva à conscientização (conscientização), em que os educandos repetem processos de reflexão, discussão e ação. Esse tipo de repetição estimula a criação de sentido, ajudando os alunos a questionar e transformar suas condições de vida. Freire acredita que a verdadeira educação deve ser um processo contínuo de transformação, em que o conhecimento é construído coletivamente e criticamente.

Em resumo, para Paulo Freire, a repetição, quando usada como uma ferramenta de diálogo e reflexão, é essencial para consolidar a aprendizagem crítica, permitindo que o estudante avance em seu processo de emancipação e transformação social.


domingo, 3 de novembro de 2024

Alma feliz

Aborda aspectos da alma aristotélica[i]

Uma metafísica é uma teoria que visa explicar a totalidade das coisas ou do que o mundo é feito, a chamada mobília do mundo. Para Aristóteles, a realidade é composta de dois princípios: ato e potência, que são responsáveis pelo movimento, seja o deslocamento ou movimento qualitativo como, por exemplo, envelhecer. Algo é em ato (atualmente) ou em potência, pelo fato de poder vir a ser algo, sendo que a mudança é a passagem do ato para potência e vice-versa.

Agrega-se que há quatro causas para a realidade: o que a gerou (eficiente), seu aspecto material, sua definição (formal) e propósito (final, teleológica). Em sua nomenclatura taxonômica, Aristóteles define o ser racional como composto de matéria (corpo) e forma, sendo esta última a alma, mas forma no sentido de definição: “atualidade de um corpo vivo orgânico”. Ocorre que, se por um lado a alma “informa” o corpo atual, ela também poderia ser a forma de um corpo em potência e, nesse sentido, independente dele, separada.

Vitor caracteriza a alma como o código que informa como um corpo funciona, a que aquela coisa se destina. Como se a alma fosse o software e o corpo o hardware, trazendo para uma nomenclatura tecnológica que é usada contemporaneamente. Nesse sentido, não é sobrenatural, mas o que faz com que o corpo funcione. Se o corpo é a causa material, a alma é nossa forma, o modo, no sentido de motor, e final ao nos orientar[ii].

Para Aristóteles, há uma alma vegetativa, cuja forma é fazer com que planta se nutra e reproduza. Além dela, nos animais há uma alma sensitiva que os permite sentir dor e prazer. Por fim, há a alma racional responsável pelo pensamento. Sendo três faculdades nos seres humanos, é a mente (nous) que designa a parte racional e mais elevada da alma, assim como o era para Platão. É nossa capacidade de emitir juízos universais, que são conceitos, ao passo que os particulares são emitidos pela sensibilidade, que se refere a indivíduos.[iii] Ainda, há uma razão prática que lida com assuntos humanos, deliberando e uma razão teórica que visa verdades eternas.[iv]

 Vitor também ressalta que há uma hierarquia entre o que é melhor, mais autônomo e o que é pior, menos independente, sendo que a última é a parte da alma que se destina aos sentidos, e a mais autônoma se destina às Ideias, atividade contemplativa que geraria uma felicidade perfeita. Mas lembremos que é uma atividade para poucos.

Essa reflexão e a anterior visam então tratar as diferenças de abordagem da relação corpo-alma em Platão e Aristóteles.[v]

Fechemos com as considerações que Vitor traz dos helenistas. Para eles (epicuristas e estoicos) a realidade é material e eles são considerados materialistas. Assim, a alma só pode ser corpórea, senão seria um mero nada. Já Lucrécio considerou que a parte da alma que comanda está localizada no peito e a outra parte está subordinada à mente e espelhada pelo corpo, algo que seria similar ao nosso sistema nervoso. Ética e existencialmente falando, como a alma é corpórea, não devemos temer a morte, pois ela é o vazio, e não há dor nem prazer. Já os estoicos também consideravam a alma algo material, mas tratando a realidade como divina. Na morte a alma material se junta na alma divina, desintegrando-se e reintegrando-se ao todo. Para Cicero, o espírito se dividia em pensamento e vontade. A vontade, no nível racional, ainda pode deliberar, estando acima do desejo, algo fora de nosso controle.



[i] Esse texto é um resumo da aula de Vitor Lima no Youtube https://youtu.be/dl9EpFG5rLw, acesso em 2 de novembro de 2024. Filosofia da Mente: a alma na Filosofia Antiga (Parte 2). Ele perpassa as obras De Anima e Ética a Nicômaco.

[ii] A alma é como algo impresso no corpo, assim como a cera com um selo impresso, trazendo exemplo Aristotélico e que são concebidos integrados.

[iii] Assim, contrapõem-se uma garrafa e a garrafa, como exemplifica Vitor.

[iv] Logistikon – possível e epistemonikon – necessário. 

[v] https://chatgpt.com/share/6726a36d-d618-800a-b7fd-d8eba2d9dd09.

sábado, 2 de novembro de 2024

Alma em conflito

Passemos por dois argumentos platônicos sobre a existência da alma[i]

Nosso tema aqui trata da dualidade corpo e alma e visa trazer aspectos da contribuição de Platão para esse debate, certamente uma primeira posição mais estruturante na Antiguidade. É um recorte sucinto para que tenhamos parte da opinião antiga em contraponto ao que temos tratado. Platão, se é um dualista, não é puritano a ponto de desprezar o corpo como um mal, que interferiria na pureza da alma[ii]. Na realidade o corpo não se opõe à alma, mas a tendencia, desviando-a de suas virtudes pelos vícios que deveriam ser superados pela atividade filosófica.

Mas o primeiro argumento platônico que queremos destacar, usado por Victor Lima, é o argumento dos contrários, que aparece no Fédon. Ocorre que, se o corpo é um entrave, dele nos livraríamos pela morte quando a alma estaria livre. É nesse ponto, segundo Araújo, que Platão lança mão do argumento, numa perspectiva ontológica diferente do viés ético que vínhamos comentando e que visa investigar um modo de ação que busque o bem.

A base do argumento socrático é que há uma relação de oposição em tudo o que existe e cuja chave de leitura se poderia compreender por processos de geração e corrupção dos seres. Algo é menor porque foi maior; do mais rápido se origina o mais lento e uma coisa é melhor se antes ela foi pior[iii]. Note-se que há um processo cíclico: de um contrário ao outro e, de novo, ao seu contrário, pois se assim não fosse um dos contrários se anularia. “Do estar vivo se gera o estar morto, e do estar morto se gera o estar vivo: que outra origem haverá para a vida?” (p. 122).

Na sequência Platão trata do argumento da anamnese, já que a alma sobrevive ao corpo, em uma nova vida corporificada ela terá conhecimentos anteriores que precisam ser recordados. E é interessante notar com Araujo que as reminiscências da alma acabando passando por um conhecimento pela via do sensível, assim suavizando o papel maléfico do corpo e enlaçando o sensível ao inteligível[iv].

Sobre a composição da alma, que faz parte do segundo argumento platônico que queremos destacar, Victor Lima satiriza o tema com a crença de que haveria uma polarização entre sermos, algumas vezes, irracionais em determinadas atitudes, ao invés de racionais. Porém, não é isso que Platão expressa. Uma tripartição da alma mostra que há uma racionalidade envolvida que pode optar por um vício ou uma virtude.

Pontuemos[v] que a alma é tema amplamente abordado por Platão[vi]. O Fédon é o diálogo que trata da morte de Sócrates e nele há uma defesa da eternidade da alma, da reminiscência, da afinidade da alma com o mundo das Ideias e tratando-a como indivisível e imortal. Já o princípio da tripartição da alma é apresentado na República e estabelece que uma mesma coisa não pode ter propriedades que sejam contrárias na mesma parte e ao mesmo tempo, por isso a divisão em razão, espírito e apetite. Cada parte da alma tem uma função específica, conforme argumenta Silva, seja buscando a verdade, a honra e o prazer. Uma alma tripartite aparece quando ela entra em contato com o corpo e deve lidar com seus desejos, dores e apetites. Isto é, dentro da alma há um conflito entre esses desejos.

Passa-se que há, por um lado, cálculo racional e, por outro, um impulso irracional. Mas o cálculo racional não é simplista em relação aos fins, ele leva em conta a noção de bem inerente da alma e oriunda de seu estado puro. Assim, visa orientar desejos aparentemente irreconciliáveis ao que é bom, pelas virtudes em oposição ao que é mais vantajoso e havendo que se afastar dos impulsos conflitantes. Por fim, pode-se notar que há um processo complexo de busca pelo bem na abordagem de Platão, onde a razão se integra com emoções e desejos tendo como norte uma vida harmoniosa.



[i] Com base em https://www.youtube.com/live/yrgT7en77Kg, Aula 2: A alma na Filosofia Antiga (Parte 1) - Curso Filosofia da Mente. Canal https://www.youtube.com/@istonaoefilosofia. Em 25/10/2024. Conforme, Victor Lima, alma é o que hoje podemos chamar, de certo modo, de mente.

[ii] Conforme https://www.anpof.org.br/periodicos, Portal de Periódicos da ANPOF. Revisa de Filosofia Argumentos. As perspectivas onto-epistemológica e ético-antropológica da dualidade corpo/alma, no Fédon, de Platão: https://www.anpof.org.br/periodicos/argumentos-revista-de-filosofia-ufc/leitura/675/24999. Acesso em 27/10/2024.

[iii] Idem, conforme as citações do Fédon, pg. 122.

[iv] No cabe trazer à tona o argumento detalhadamente, apenas marcamos os pontos principais que nos poderão ser uteis quando colocamos em perspectiva a uma abordagem moderna ou contemporânea.

[vi] Não trataremos dos diálogos Fedro, Timeu, Mênon e Leis, eles não são referidos por Vitor Lima.