quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O vermelho não tem cor

O texto passa por conceitos de Tomás como intelecto, vontade e imortalidade da alma. Há, na sua doutrina, elementos que serão emprestados por Kant, Hume, Descartes.[i]

Assim como Aristóteles[ii], Aquino também identifica três tipos de alma, mas para ele o ser humano só tem a alma racional que abarca as outras duas. Ocorre que há uma hierarquia do intelecto e da vontade compondo nossa racionalidade e servindo de base para o conhecimento e a ética.

Vitor destaca que há uma concepção de alma sobrevivendo ao corpo, que permeia o discurso antigo, e Tomás acrescenta um traço de como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. São os campos da epistemologia e da ética e a passagem mais clara do conceito de alma para o de mente. Não esquecendo a metafísica, já que há interesse em se classificar do que a alma é feita, que não é o material. Por fim, nos medievais a questão existencial passa da busca para a felicidade dos gregos para uma vida beata[iii] ou com Deus.

O professor traz um esquema sobre as partes da alma no período que vale a reprodução:

 

Dimensão cognitiva

Dimensão volitiva

Nível racional

Intelecto

Vontade

Nível animal

Sensação

Desejo

Segundo ele, Tomás entende que a alma pertente ao domínio racional somente e apresenta capacidades cognitivas, para coleta de informações e apetitivas, orientadas por uma meta.

A abordagem de Tomás distingue a mente, que se coaduna com uma alma racional, da consciência, que é tratada como percepção no nível animal. Parece ser uma primeira divisão entre mente e consciência. Então a mente apresenta pensamentos abstratos (cognição) e toma decisões racionais (vontade). Especificamente, se os animais pensam, o ser humano tem a intelecção que é articulada pela linguagem, seja de modo gramatical ou lógico. Inteligência para articular pensamentos linguisticamente, seja pela apreensão de coisas ou pela capacidade de composição e divisão. Por um lado, “isso é algo” (pensamento “de” algo), por outro, “isso não é aquilo” (pensamento “que” algo é ou não é).

De acordo com Vitor, o intelecto capta universais que estão além da sensibilidade e imaginação, dados da realidade. O universal pode ser classificado, por exemplo, como um conjunto de indivíduos com certas características. Se tomamos o vermelho, ele é tido como o conjunto dos indivíduos vermelhos, mas o vermelho universal não tem cor e não pode ser imaginado e nem sentido, somente inteligido. Sentidos e imaginação, sim, lidam com particulares.

Caracterizando mais o intelecto, seu objeto é a essência ou quididade[iv], aquilo que define o que é uma coisa, o que faz aquela coisa ser exatamente o que é e opera abstraindo a partir de representações imaginárias. Mas, como não é um empirista, para Tomás há um intelecto agente, próprio somente dos humanos, capaz de abstrair ideias universais, mas também não sendo racionalista, não acredita em ideias inatas. Para ele, temos um intelecto receptivo que recebe as ideias e crenças do intelecto ativo. Do mesmo modo, os universais em nosso intelecto se convertem em representações imaginárias para serem comunicadas aos outros[v].

Portanto, citemos passagem de Vitor Lima: “Tendo em vista que o intelecto opera por universais, é impossível haver conhecimento puramente intelectual de indivíduos. A matéria é o princípio de individuação”[vi]. Assim, nossa essência não diz nada do que somos individualmente, nossa essência é sermos um animal racional. Para conhecer individualmente temos que agregar os aspectos empíricos e mutáveis, assim não estamos mais no campo intelectual.

Sobre a vontade, conceito similar ao de razão prática em Aristóteles, há também a busca pela felicidade guiando nossas escolhas, assim como em Agostinho. Se o intelecto é cognitivo, a vontade é apetitiva e se direciona a orientar os desejos, mas ela trabalha em associação com o intelecto pois trata de uma carência oriunda dele que é a busca por felicidade. Ocorre que o nosso movimento se dá por impulsos no campo dos apetites, mas que são controlados ela vontade. Ela funciona por meio de atos diretos, que são decisões internas e atos comandados, pertencentes ao corpo, ações físicas. Nesse contexto surgem os atos voluntários como conclusão de raciocínios práticos que se guiam por uma coisa boa ou meio para se atingir algo.

Por fim, Tomás de Aquino acreditava que a alma era imaterial e imortal, princípio de operação do intelecto. Ela deveria ser diferente do corpo para poder conhecê-lo, pois se fossem da mesma natureza não o conheceria por inteiro. Isto é, o ser humano precisa da alma para poder conhecer, conhece por meio dela. Salienta-se, então, corpo e alma, o corpo conhece e intelige pela alma e ela não se confunde com a pessoa. Na morte, o “eu” não sobrevive, somente a alma.

Por fim, Vitor resume a anatomia da alma como se segue.

Intelecto

Vontade

Intelecto ativo (universais)

Atos eliciti (internos - mente)

Intelecto receptivo (particulares)

Atos imperati (externos - corpo)

 



[i] Conforme aula de Vitor Lima no YT - Filosofia da Mente: alma na Filosofia Medieval (Parte 2): https://youtu.be/G-je8XXgRwM. Filosofia da Mente (curso): aula de abertura: https://youtu.be/zHjo3whbSgs.

[iii] Uma forma de vida beata pode ser encontrada aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/01/a-imanencia-uma-vida.html.

[iv] No longínquo 2014, falamos da Cavalidade que é um exemplo de quididade: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2014/02/cavalidade.html. Tratamos do cavalo novamente em 2024, entendendo que Berkeley não acreditava em uma ideia abstrata, um universal inexiste, não passa de uma palavra: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/01/breves-ideias-sobre-locke-berkeley.html. Nos idos de 2016 investigamos a quididade no contexto aristotélico, atribuindo uma identidade entre a substância e sua essência, imanente a ela: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/03/a-primeira-doutrina-da-substancia.html.

[v] Aqui Vitor traz uma analogia interessante: a filosofia trataria dos universais enquanto a literatura dos particulares, porém uma dependente da outra.

[vi] Esse é um tema que será trabalhado por Simondon, o processo de individuação.

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