O texto passa por conceitos de Tomás como intelecto,
vontade e imortalidade da alma. Há, na sua doutrina, elementos que serão
emprestados por Kant, Hume, Descartes.[i]
Assim como Aristóteles[ii], Aquino também identifica
três tipos de alma, mas para ele o ser humano só tem a alma racional que abarca
as outras duas. Ocorre que há uma hierarquia do intelecto e da vontade compondo
nossa racionalidade e servindo de base para o conhecimento e a ética.
Vitor destaca que há uma concepção de alma
sobrevivendo ao corpo, que permeia o discurso antigo, e Tomás acrescenta um
traço de como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. São os campos da
epistemologia e da ética e a passagem mais clara do conceito de alma para o de
mente. Não esquecendo a metafísica, já que há interesse em se classificar do
que a alma é feita, que não é o material. Por fim, nos medievais a questão
existencial passa da busca para a felicidade dos gregos para uma vida beata[iii] ou com Deus.
O professor traz um esquema sobre as
partes da alma no período que vale a reprodução:
|
Dimensão
cognitiva |
Dimensão
volitiva |
Nível
racional |
Intelecto |
Vontade |
Nível
animal |
Sensação |
Desejo |
Segundo ele, Tomás entende que a alma
pertente ao domínio racional somente e apresenta capacidades cognitivas, para
coleta de informações e apetitivas, orientadas por uma meta.
A abordagem de Tomás distingue a mente,
que se coaduna com uma alma racional, da consciência, que é tratada como
percepção no nível animal. Parece ser uma primeira divisão entre mente e consciência.
Então a mente apresenta pensamentos abstratos (cognição) e toma decisões
racionais (vontade). Especificamente, se os animais pensam, o ser humano tem a
intelecção que é articulada pela linguagem, seja de modo gramatical ou lógico. Inteligência
para articular pensamentos linguisticamente, seja pela apreensão de coisas ou
pela capacidade de composição e divisão. Por um lado, “isso é algo” (pensamento
“de” algo), por outro, “isso não é aquilo” (pensamento “que” algo é ou não é).
De acordo com Vitor, o intelecto capta
universais que estão além da sensibilidade e imaginação, dados da realidade. O
universal pode ser classificado, por exemplo, como um conjunto de indivíduos
com certas características. Se tomamos o vermelho, ele é tido como o conjunto
dos indivíduos vermelhos, mas o vermelho universal não tem cor e não pode ser
imaginado e nem sentido, somente inteligido. Sentidos e imaginação, sim, lidam
com particulares.
Caracterizando mais o intelecto, seu
objeto é a essência ou quididade[iv], aquilo que define o que
é uma coisa, o que faz aquela coisa ser exatamente o que é e opera abstraindo a
partir de representações imaginárias. Mas, como não é um empirista, para Tomás
há um intelecto agente, próprio somente dos humanos, capaz de abstrair ideias universais,
mas também não sendo racionalista, não acredita em ideias inatas. Para ele, temos
um intelecto receptivo que recebe as ideias e crenças do intelecto ativo. Do
mesmo modo, os universais em nosso intelecto se convertem em representações
imaginárias para serem comunicadas aos outros[v].
Portanto, citemos passagem de Vitor Lima:
“Tendo em vista que o intelecto opera por universais, é impossível haver
conhecimento puramente intelectual de indivíduos. A matéria é o princípio de individuação”[vi]. Assim, nossa essência
não diz nada do que somos individualmente, nossa essência é sermos um animal
racional. Para conhecer individualmente temos que agregar os aspectos empíricos
e mutáveis, assim não estamos mais no campo intelectual.
Sobre a vontade, conceito similar ao de
razão prática em Aristóteles, há também a busca pela felicidade guiando nossas
escolhas, assim como em Agostinho. Se o intelecto é cognitivo, a vontade é
apetitiva e se direciona a orientar os desejos, mas ela trabalha em associação
com o intelecto pois trata de uma carência oriunda dele que é a busca por
felicidade. Ocorre que o nosso movimento se dá por impulsos no campo dos apetites,
mas que são controlados ela vontade. Ela funciona por meio de atos diretos, que
são decisões internas e atos comandados, pertencentes ao corpo, ações físicas. Nesse
contexto surgem os atos voluntários como conclusão de raciocínios práticos que
se guiam por uma coisa boa ou meio para se atingir algo.
Por fim, Tomás de Aquino acreditava que a
alma era imaterial e imortal, princípio de operação do intelecto. Ela deveria
ser diferente do corpo para poder conhecê-lo, pois se fossem da mesma natureza não
o conheceria por inteiro. Isto é, o ser humano precisa da alma para poder
conhecer, conhece por meio dela. Salienta-se, então, corpo e alma, o corpo
conhece e intelige pela alma e ela não se confunde com a pessoa. Na morte, o “eu”
não sobrevive, somente a alma.
Por fim, Vitor resume a anatomia da alma
como se segue.
Intelecto |
Vontade |
Intelecto
ativo (universais) |
Atos
eliciti (internos - mente) |
Intelecto
receptivo (particulares) |
Atos
imperati (externos - corpo) |
[i] Conforme aula de Vitor Lima no YT
- Filosofia da Mente: alma na Filosofia Medieval (Parte 2): https://youtu.be/G-je8XXgRwM. Filosofia
da Mente (curso): aula de abertura: https://youtu.be/zHjo3whbSgs.
[ii] Fichamento aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/11/alma-feliz.html.
[iii] Uma forma de vida beata pode ser
encontrada aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/01/a-imanencia-uma-vida.html.
[iv] No longínquo 2014, falamos da Cavalidade
que é um exemplo de quididade: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2014/02/cavalidade.html.
Tratamos do cavalo novamente em 2024, entendendo que Berkeley não acreditava em
uma ideia abstrata, um universal inexiste, não passa de uma palavra: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/01/breves-ideias-sobre-locke-berkeley.html.
Nos idos de 2016 investigamos a quididade no contexto aristotélico, atribuindo
uma identidade entre a substância e sua essência, imanente a ela: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/03/a-primeira-doutrina-da-substancia.html.
[v] Aqui Vitor traz uma analogia
interessante: a filosofia trataria dos universais enquanto a literatura dos
particulares, porém uma dependente da outra.
[vi] Esse é um tema que será trabalhado
por Simondon, o processo de individuação.
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