Passemos por dois argumentos platônicos sobre a
existência da alma[i]
Nosso tema aqui trata da dualidade corpo e
alma e visa trazer aspectos da contribuição de Platão para esse debate,
certamente uma primeira posição mais estruturante na Antiguidade. É um recorte sucinto
para que tenhamos parte da opinião antiga em contraponto ao que temos tratado. Platão,
se é um dualista, não é puritano a ponto de desprezar o corpo como um mal, que
interferiria na pureza da alma[ii]. Na realidade o corpo não
se opõe à alma, mas a tendencia, desviando-a de suas virtudes pelos vícios que
deveriam ser superados pela atividade filosófica.
Mas o primeiro argumento platônico que
queremos destacar, usado por Victor Lima, é o argumento dos contrários, que
aparece no Fédon. Ocorre que, se o corpo é um entrave, dele nos livraríamos
pela morte quando a alma estaria livre. É nesse ponto, segundo Araújo, que
Platão lança mão do argumento, numa perspectiva ontológica diferente do viés
ético que vínhamos comentando e que visa investigar um modo de ação que busque
o bem.
A base do argumento socrático é que há uma
relação de oposição em tudo o que existe e cuja chave de leitura se poderia
compreender por processos de geração e corrupção dos seres. Algo é menor porque
foi maior; do mais rápido se origina o mais lento e uma coisa é melhor se antes
ela foi pior[iii].
Note-se que há um processo cíclico: de um contrário ao outro e, de novo, ao seu
contrário, pois se assim não fosse um dos contrários se anularia. “Do estar
vivo se gera o estar morto, e do estar morto se gera o estar vivo: que outra
origem haverá para a vida?” (p. 122).
Na sequência Platão trata do argumento da
anamnese, já que a alma sobrevive ao corpo, em uma nova vida corporificada ela
terá conhecimentos anteriores que precisam ser recordados. E é interessante
notar com Araujo que as reminiscências da alma acabando passando por um
conhecimento pela via do sensível, assim suavizando o papel maléfico do corpo e
enlaçando o sensível ao inteligível[iv].
Sobre a composição da alma, que faz parte
do segundo argumento platônico que queremos destacar, Victor Lima satiriza o
tema com a crença de que haveria uma polarização entre sermos, algumas vezes,
irracionais em determinadas atitudes, ao invés de racionais. Porém, não é isso
que Platão expressa. Uma tripartição da alma mostra que há uma racionalidade
envolvida que pode optar por um vício ou uma virtude.
Pontuemos[v] que a alma é tema amplamente
abordado por Platão[vi].
O Fédon é o diálogo que trata da morte de Sócrates e nele há uma defesa da eternidade
da alma, da reminiscência, da afinidade da alma com o mundo das Ideias e tratando-a
como indivisível e imortal. Já o princípio da tripartição da alma é apresentado
na República e estabelece que uma mesma coisa não pode ter propriedades que sejam
contrárias na mesma parte e ao mesmo tempo, por isso a divisão em razão,
espírito e apetite. Cada parte da alma tem uma função específica, conforme
argumenta Silva, seja buscando a verdade, a honra e o prazer. Uma alma tripartite
aparece quando ela entra em contato com o corpo e deve lidar com seus desejos,
dores e apetites. Isto é, dentro da alma há um conflito entre esses desejos.
Passa-se que há, por um lado, cálculo
racional e, por outro, um impulso irracional. Mas o cálculo racional não é
simplista em relação aos fins, ele leva em conta a noção de bem inerente da alma e
oriunda de seu estado puro. Assim, visa orientar desejos aparentemente irreconciliáveis
ao que é bom, pelas virtudes em oposição ao que é mais vantajoso e havendo que se
afastar dos impulsos conflitantes. Por fim, pode-se notar que há um processo
complexo de busca pelo bem na abordagem de Platão, onde a razão se integra com
emoções e desejos tendo como norte uma vida harmoniosa.
[i] Com base em https://www.youtube.com/live/yrgT7en77Kg,
Aula 2: A alma na Filosofia Antiga (Parte 1) - Curso Filosofia da Mente. Canal https://www.youtube.com/@istonaoefilosofia.
Em 25/10/2024. Conforme, Victor Lima, alma é o que hoje podemos chamar, de
certo modo, de mente.
[ii] Conforme https://www.anpof.org.br/periodicos,
Portal de Periódicos da ANPOF. Revisa de Filosofia Argumentos. As
perspectivas onto-epistemológica e ético-antropológica da dualidade corpo/alma,
no Fédon, de Platão: https://www.anpof.org.br/periodicos/argumentos-revista-de-filosofia-ufc/leitura/675/24999.
Acesso em 27/10/2024.
[iii] Idem, conforme as citações do Fédon,
pg. 122.
[iv] No cabe trazer à tona o argumento
detalhadamente, apenas marcamos os pontos principais que nos poderão ser uteis
quando colocamos em perspectiva a uma abordagem moderna ou contemporânea.
[v] Com José Wilson da Silva (A
Tripartição da Alma na República de Platão) e ajuda do ChatGPT: https://chatgpt.com/share/6726804f-20f4-800a-b7b7-47495251b34a.
[vi] Não trataremos dos diálogos Fedro, Timeu, Mênon e Leis, eles não são referidos por Vitor Lima.
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