quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Sobre mesa[i]

Nesse primeiro capítulo Russell aborda um objeto simples, uma mesa, para enfatizar o problema do conhecimento, por um lado e, por outro, o papel da Filosofia. Desde este início já podemos notar o uso do método cartesiano e a refutação ao idealismo.
Ao se perguntar se há algum conhecimento no mundo do qual não se pode duvidar, Russell entra no campo da teoria do conhecimento argumentando que só uma filosofia crítica e não dogmática pode responder, depois de muita investigação. Retomando Descartes, mas sem [ainda] o citar, Russell analisa a mesa para mostrar que o conhecimento oriundo da experiência é duvidoso e controverso já que nossos sentidos não são sempre precisos e que há diferentes pontos de vista que variam em cada um de nós, com relação à mesa.
O questionamento do conhecimento pelos sentidos levanta a questão central da aparência versus realidade. Tomamos por real uma mesa a partir de suas características aparentes, ou seja, do que inferimos do que vemos. E existe muito de nós no que vemos: a forma da mesa criada por nós não vem somente da mesa, mas do que nossa sensação obtém. A isso Russell nomeia “dados-dos-sentidos”, contrapondo-os ao objeto físico.
A mesa que vemos e temos, então, são dados-dos-sentidos, mas há de fato uma mesa real? Há um objeto físico despido de dados-dos-sentidos e livre de nossa sensação? Essas questões podem ser extrapoladas para uma questão mais ampla: há, de todo, matéria? Tal questão do problema do conhecimento foi respondida, como Russell retoma, pelos idealistas. Para eles só há mesa para uma mente, ou seja, há uma mesa lá porque estamos cientes dela. Porém, ao fecharmos os olhos, a mesa desaparece? Com certeza não, porque Deus está ciente, de acordo com o bispo Berkeley.
Desse modo adentramos no terreno da dicotomia mente e matéria. Há uma mesa dura, marrom, que eu posso tocá-la e o faço pela garantia da mente de Deus. A filosofia de Berkeley supõe que a mesa real é feita de mente e põe em dúvida a existência da matéria. E, não podemos considerar essa ideia absurda, pois foi acompanhada por muitos filósofos.
Russell considera tal argumento falacioso e retoma a dúvida: há objeto físico, matéria? De que natureza? Para Russell há razões para supor que há uma mesa real e a investigação continuará, mas, por agora, já mostrou o papel da filosofia: tornar uma simples mesa um problema cheio de possibilidades.



[i] Há uma primeira resenha desse primeiro capítulo de Russell disponível no link que se segue: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/04/o-mundo-nao-existei.html. Já a atual é feita com base na tradução de Desidério Murcho, Edições 70. Abril de 2008. RUSSELL, B. “Os Problemas da Filosofia”.

sábado, 30 de novembro de 2019

Parasita[i]

Queria falar um pouco sobre um vazio-de-si não abstrato, mas concreto e não individual, mas coletivo. Este vazio-de-si é uma casa onde mora uma família. A casa-em-si poderia ser um vazio-em-si, assim como a família-em-si poderia ser um vazio-em-si, mas aqui falamos especificamente da família e da casa, juntas. Esse vazio-em-si existe? Existe uma casa concebida de tal modo que proporcione tal sensação? Existe, mas não é autoimune, como se propõe.
A casa que falamos é moderna, com suas formas retangulares lisas e limpas, com concreto aparente e um vazio penetrante. Casa de arquiteto, feita por arquiteto, para ele mesmo. A sala grande divide espaço com um amplo gramado separado por uma imensa porta de vidro lisa e limpa. Nada escapa a tamanha longitude e frieza... Será? A casa possui camadas, andares: abaixo a rua e a garagem, depois a sala-copa-cozinha e por fim os quartos. Espaços vazados, longilíneos e longitudinais.
A casa é grande, tão grande que é duas. Existe dentro dessa casa, no porão, uma casa desconhecida, com acesso escondido: é a casa da guerra. Ela é feita para não ser descoberta, para que se possa viver em segredo, longe da invasão inimiga. E é no vazio-de-si prometido que começam a aparecer parasitas que não são vistos ou percebidos por anos. Na casa moram pessoas que ali vivem e se alimentam sem que a família-em-si saiba, pois a família-em-si acredita no vazio-de-si prometido.
Família rica e gentil. Família bonita, limpa e cheirosa. Existe família assim, sem defeito? O homem é um defeito-em-si. Tudo o que vive tem defeito. A família rica e gentil (pai, mãe, filho e filha) tem sua contraparte no subúrbio, na sobrevida. Para cada família rica assim existem iguais famílias pobres de pais, mães, filhos e filhas na proporção de 10, 20, 100 vezes. Isso é o capitalismo, cuja base é o lucro, deveríamos saber e não nos assustar.
A “família Doriana” não sabe que alguém assalta sua geladeira toda noite, dança em sua sala quando saem para jantar e descansam sob o sol do jardim nos domingos de passeio. O vazio-de-si traz segurança tamanha que a reboque vem à ingenuidade. A família precisa de funcionários: motorista, governanta, professores particulares, tutores. São parasitas. Parasitas pobres e de cheiro azedo. Cheiro que faz ultrapassar limites imaginários e imaginados.
Quem são os parasitas mesmo? O povo pobre relegado a condições precárias que devem servir diuturnamente ou a família no seu vazio-de-si oneroso? A família “não tem culpa”, a família rica e gentil tem problemas... E não sabe o que o filho caçula sabe. A família rica não sabe até que ponto haverá famílias pobres para servi-la ou até quando famílias aceitarão ser submissas e expropriadas. E também não sabe que as famílias pobres têm que sobreviver. Até quando essa equação matemática será igual a zero?

sábado, 19 de outubro de 2019

Repouso[i]

Uma coisa em repouso está como que isolada das demais em um determinado estado que possivelmente não pode ser influenciada ou talvez não se contradiga.
Porém, o estado de repouso não é um estado duradouro, pois tudo está em movimento. Os astros estão em constante movimento, o sol, o universo, etc. Sentimos a chuva e o vento. A rocha de tão dura vira areia. Nosso corpo nunca está em repouso pois há sempre um coração batendo e sangue circulando, quando vivo e plena decomposição quando morto, até ser completamente putrefato e começar a pertencer a outros corpos ou materiais.
Conclui-se, então, que o repouso não existe por si só, mas que ele é uma parte do movimento, uma situação intermediária, pois nada permanece indefinidamente em repouso senão que se volta ao movimento como forma primordial.
As consequências dessa conclusão implicam em duvidar de tudo que signifique repouso ou permanência. A duvidar do uno e do estável. A duvidar de ideais abstratas ou das formas de Platão. Assim, uma ideia abstrata é uma quimera, ela não existe senão no pensamento e nele não permanece, ela surge e se esvai. É na concretude que as coisas acontecem e de onde surgem as ideias e onde elas terminam, passando por nossa mente e nossos pensamentos.
A fórmula matemática eterna e verdadeira é um erro, uma petição de princípio. A expressão “2 + 2 = 4” acaba ali, após lê-la. Aquele número 2 não é um algo imutável, mas algo aplicável e dispensável. O eterno não é eterno, mas tudo é enquanto dura e tudo passará. Diante disso só nos resta lutar em movimento e para uma direção que leve à subtração de dogmatismos.




[i] Pensamentos espontâneos a partir de um trecho de THALHEIMER, A. INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO DIALÉTICO. Fundamentos da Teoria Marxista. ~pg. 52. Acessado em 19/10/2019: https://www.marxists.org/portugues/thalheimer/1928/materialismo/Introducao-ao-Materialismo-Dialetico.pdf

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Cidadãos do Universo*

Nesse último capítulo, Russel verificará qual o valor da filosofia e por que estudá-la. Ele inicia com a constatação de que, se há utilidade no estudo das ciências físicas, isso não ocorre no caso da filosofia já que seu valor diz respeito não somente ao estudo de coisas materiais, mas para os benefícios que traz para a mente.
Para Russell, a filosofia é um tipo de conhecimento que dá unidade ao todo das ciências examinando criticamente as bases de nossas convicções, preconceitos e crenças. Porém, diferentemente dos resultados obtidos pelas outras ciências, a filosofia não costuma apresentar resultados positivos, até porque quando um conhecimento, antes filosófico, se estabelece, ele passa para outra ciência, como no caso da astronomia, filosofia natural ou psicologia. Ficam, então, com a filosofia, questões sem resposta definitiva.
Por outro lado, Russell ressalta que a filosofia investiga questões especulativas não demonstráveis e controversas, mas de grande importância, como a natureza e finalidade do universo, mente e consciência, questões morais, etc. Embora filósofos sustentassem respostas e demonstrações para crenças religiosas, o estudo promovido por Russell nessas investigações demonstrou que não há provas filosóficas contundentes em tal conhecimento e não está aí o valor da filosofia.
Russell define o valor da filosofia na incerteza. O homem que desconhece a filosofia fica preso em seus preconceitos e nas verdades do seu tempo, acreditando que o mundo é definido e fechado. Então, o estudo filosófico levanta dúvidas nas questões mais banais nos lançando nas mais variadas possibilidades de como as coisas podem ou poderiam ser. Principalmente, a filosofia faz com que nos libertemos de nosso mundo de interesses privados e vontades instintivas em direção a um mundo maior e mais livre, escapando de nossa prisão cotidiana.
Para Russell, a contemplação filosófica (que nos permite escapar..) traz um alargamento do ser, do eu, para além do maniqueísmo e se baseando puramente em um conhecimento livre de amarras. Daí que não devemos nos prender em filosofias que tratam do universo para o homem, definindo-o como a medida das coisas e do conhecimento uma criação de e para nossa mente. Russell apregoa que é preciso romper nosso círculo doméstico de preconceitos em busca do não eu pois um intelecto livre se deixa levar pela verdadeira contemplação filosófica que busca um conhecimento abstrato e universal, superando a barreira do corpo, do eu, do aqui, agora.
Russell conclui ressaltando que uma mente que se eleva à contemplação filosófica é livre e imparcial e tal comportamento reflete em nossas ações e sentimentos como um propósito do todo. A mente que deseja a verdade, segundo ele, é a ação que deseja justiça e o sentimento do amor universal e não uma que parte de nosso julgamento e utilidade. Só assim nos tornamos cidadãos do universo. Finalizando o livro, vem sua citação:
Thus, to sum up our discussion of the value of philosophy; Philosophy is to be studied, not for the sake of any definite answers to its questions since no definite answers can, as a rule, be known to be true, but rather for the sake of the questions themselves; because these questions enlarge our conception of what is possible, enrich our intellectual imagination and diminish the dogmatic assurance which closes the mind against speculation; but above all because, through the greatness of the universe which philosophy contemplates, the mind also is rendered great, and becomes capable of that union with the universe which constitutes its highest good.



Bertrand Russell, Problems of Philosophy. THE VALUE OF PHILOSOPHY. Acessado em 15/8/2019: http://www.ditext.com/russell/rus15.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores:.https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/09/criticismo-filosofico-i.html.

domingo, 15 de setembro de 2019

Criticismo Filosófico [i]

A Ideia Absoluta de Hegel. Russell diz que é prática comum na filosofia o uso de um raciocínio metafísico a priori para tratar de dogmas da religião, universo, matéria, etc., que, porém, não sobreviveria a um escrutínio crítico. Para ele, o representante desse pensamento é Hegel, que estabelece que o todo é composto por partes fragmentárias incapazes de existirem sem o resto do mundo.  Nesse sentido, o filósofo, a partir de qualquer amostra de realidade pode ver o todo, como se cada pedaço fosse enganchado com o próximo e assim por diante. Russell diz que, de acordo com Hegel, essa incompletude aparece tanto no mundo das coisas quanto no dos pensamentos, composto por ideias enganchadas que, através da contradição, uma ideia se transforma em antítese para daí virar síntese que, ainda incompleta, inicia um novo ciclo e, sucessivamente, avança até a "Ideia Absoluta".[ii] Essa ideia absoluta descreve a realidade absoluta que seria o que Deus vê: uma unidade espiritual imutável, perfeita e eterna.
Os problemas com a Ideia Absoluta. Russell argumenta que, apesar de parecerem sublimes, ao serem investigados os argumentos são confusos. Hegel diz que o que é incompleto não subsiste por si só e depende de relações com outras coisas que fazem parte de sua natureza. Por natureza de uma coisa, Russell entende que seja “all the truths about the thing”. Se parece claro que a verdade que liga uma coisa à outra não subsiste se a outra coisa não subsiste, essa verdade não é parte da coisa, mas, segundo Hegel, é parte da natureza da coisa. Russell, então, enfatiza a confusão da natureza entre conhecimento de coisas e conhecimento de verdades. Se assumirmos que a natureza da coisa consiste nas verdades da coisa, deveríamos conhecer todas as relações da coisa com todo o universo, porém isso não é possível e ainda assim conhecemos a coisa, mesmo quando sua natureza não é completa. Conhecemos uma coisa por familiaridade até mesmo sem conhecer nenhuma proposição da coisa. Ou seja, conhecer uma coisa não requer conhecimento da natureza da coisa, conforme acima, embora esse conhecimento esteja envolvido no conhecimento de qualquer proposição da coisa[iii]. Russell diz que o fato de uma coisa ter relações não quer dizer que elas sejam logicamente necessárias já que não podemos deduzir suas relações, somente o faríamos depois de conhecê-las. Ou seja, não podemos provar que o universo forma um todo como queria Hegel, e o que se seguiria disso: a irrealidade do espaço, tempo, matéria, etc. O resultado é a inviabilidade de uma análise sistêmica e a filosofia segue a análise indutiva e científica.
Argumentação Metafísica. Segundo Russell, o trabalho metafísico se assentou em provar que as características do mundo eram autocontraditórias e por isso não reais. Porém, os modernos vão no sentido de mostrar que essas contradições eram ilusórias e que muito pouco pode ser provado a priori de considerações do que deve ser. Por exemplo, espaço e tempo parecem ser infinitos em extensão, por mais que tentemos não achamos um fim. Por menor que seja um espaço ou tempo sempre podemos dividi-los novamente e assim sucessivamente até o infinito. Porém, contra esses fatos aparentes, filósofos argumentaram que não haveriam coleções infinitas de coisas. Daí surge uma contradição entre a aparente natureza do espaço e do tempo e a suposta impossibilidade de coleções infinitas. Quando Kant enfatizou essa contradição deduzida da impossibilidade do tempo e do espaço declarados por ele subjetivos, os filósofos trataram tempo espaço como sendo aparentes e não fazendo parte do mundo real, como ele é.
Contribuição da Lógica. Porém o trabalho de matemáticos, principalmente Cantor, mostrou que a impossibilidade de coleções infinitas era um erro, invalidando uma das grandes construções metafísicas. Conforme Russell: "They are not in fact self-contradictory, but only contradictory of certain rather obstinate mental prejudices". Os matemáticos não só mostraram que o espaço como se supõe ser é possível, como também que outras formas de espaço são possíveis como a lógica pode mostrar. Por exemplo, alguns axiomas de Euclides que influenciaram filósofos retiraram sua aparente necessidade de nossa familiaridade com o espaço atual conhecido e não com alguma fundação lógica a priori. Imaginando mundos em que esses axiomas fossem falsos, os matemáticos criaram espaços diferentes do nosso e mesmo colocando em dúvida se nosso espaço é estritamente euclidiano. Até então a experiência descrevia uma possibilidade de espaço que a lógica mostrou impossível, agora a lógica mostra muitos espaços possíveis que a experiência apenas parcialmente decide entre eles. Russell abre o mundo para enormes possibilidades onde pouco é conhecido: "Thus, while our knowledge of what is has become less than it was formerly supposed to be, our knowledge of what may be is enormously increased". A lógica, então, torna-se a grande libertadora da imaginação apresentando inúmeras alternativas para a experiência decidir, quando possível, entre os mundos oferecidos.
Criticismo Filosófico. O conhecimento, não fica limitado à experiência atual, mas ao que podemos aprender da experiência, conforme o conhecimento por descrição, que não se prende a uma experiência direta. Nesse tipo de conhecimento, porém, precisamos de uma "conexão de universais" que nos permite inferir um objeto de um dado. É a conexão de universais que nos permite extrair dados-dos-sentidos de objetos físicos, ou seja, dá munição para a experiência, assim como da lei da causalidade para lei da gravitação. A lei de gravitação, segundo Russell, é uma combinação da experiência com um princípio a priori como o princípio de indução.[iv] O conhecimento filosófico é um tipo de conhecimento científico, a diferença é o criticismo que procura inconsistências nos conhecimentos científicos e da vida diária. Embora a investigação de Russell tenha refutado, criticamente, um sistema metafísico como não estando a altura da ciência, ao contrário, a crítica filosófica corrobora em muito o conhecimento empreendido pela humanidade. Porém, Russell impõe um certo limite na crítica já que um ceticismo absoluto (blank doubt) impede qualquer tipo de conhecimento tornando-se destrutivo. A essência da crítica, para Russell, é a dúvida metodológica cartesiana, analisando cada aspecto do conhecimento, como feito nessa investigação com os dados-dos-sentidos que pareciam indubitáveis e levaram a rejeitar uma semelhança direta com o objeto físico. A filosofia não rejeitaria um conhecimento impassível de objeção. O criticismo filosófico analisa cada parte aparente de conhecimento em seu mérito e retém o que se mostra ser de fato um conhecimento, admitido o erro proveniente da falibilidade humana. Ocorre que a filosofia reduz a chance desse erro tornando-o às vezes irrisório, mais do que isso não é prudente esperar.




[i] Bertrand Russell, Problems of Philosophy. THE LIMITS OF PHILOSOPHICAL KNOWLEDGE. Acessado em 18/7/2019: http://www.ditext.com/russell/rus14.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/08/conhecimento-erro-e-opiniao-provavel.html.
[ii] Ideia absoluta que “has no incompleteness, no opposite, and no need of further development”.
[iii] Hence, (1) acquaintance with a thing does not logically involve a knowledge of its relations, and (2) a knowledge of some of its relations does not involve a knowledge of all of its relations nor a knowledge of its 'nature' in the above sense.
[iv] Thus our intuitive knowledge, which is the source of all our other knowledge of truths, is of two sorts: pure empirical knowledge, which tells us of the existence and some of the properties of particular things with which we are acquainted, and pure a priori knowledge, which gives us connexions between universals, and enables us to draw inferences from the particular facts given in empirical knowledge. Our derivative knowledge always depends upon some pure a priori knowledge and usually also depends upon some pure empirical knowledge.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Do conhecimento à opinião há erro*

Russell tratará de verificar se conseguimos distinguir entre crenças verdadeiras e falsas, iniciando com o que significa conhecer. Se parece que o conhecimento é o resultado de uma crença verdadeira, pode às vezes acontecer de uma crença verdadeira ser deduzida de uma crença falsa e isso não resulta em conhecimento. Ou de um processo falacioso de raciocínio,  até mesmo com premissas e conclusão verdadeiras.
Segundo Russell, o conhecimento é algo deduzido de premissas conhecidas, ou seja, um conhecimento derivativo de premissas conhecidas intuitivamente, desde que assumida uma conexão lógica válida. Há, até mesmo, conhecimento que pode ser uma inferência de uma notícia de jornal obtido pelos dados-dos-sentidos da leitura da notícia que não é, de fato, uma inferência lógica, mas inferência psicológica. Russell diz que não há uma definição precisa de conhecimento pois este pode ser estender até a provável opinião. Se o conhecimento derivativo depende do indutivo, o último não tem um critério certo de conhecimento ou erro[i].
Russell, então, compara o conhecimento de verdades, que corresponde ao complexo dito no capítulo anterior, com o conhecimento por familiaridade e situa o último como dependente da percepção e não suscetível ao julgamento que pode acarretar em erro. Então ele distingue os dois tipos de autoevidência que se seguem.
Conhecimento autoevidente de um fato particular fica privado a uma pessoa: dados-dos-sentidos, um sentimento, já fatos relacionados a universais não têm essa privacidade e podem ser conhecidos por muitas mentes por familiaridade. Assim, uma garantia absolutamente de autoevidência é quando conhecemos por familiaridade os termos e a relação envolvidos em um complexo, neste caso o julgamento de que os termos estão relacionados deve ser verdadeiro.
Entretanto, passar da percepção de um fato complexo ao seu julgamento não é um processo infalível porque pode terminar em não correspondência devido a algum erro. Já o segundo caso de autoevidência apresenta graus, não por conta dos dados-dos-sentidos, mas pelos julgamentos duvidosos sobre eles[ii]. Já nos conhecimentos derivados, as últimas premissas devem ter alto grau de autoevidência, como quando em matemática partimos de axiomas e devemos demonstrar os resultados.
Encerrando, Russell argumenta que se no que acreditamos é verdade, tem-se conhecimento, seja intuitivo ou inferido, caso contrário se falso é erro e, não sendo ambos, é uma opinião provável. Na base, há o conhecimento intuitivo em proporção aos graus de autoevidência. A opinião provável pode se valer do critério da coerência que é usado nas ciências e filosofia, mas que por si só não se transforma em conhecimento indubitável.



* Bertrand Russell, Problems of Philosophy. KNOWLEDGE, ERROR, AND PROBABLE OPINION. Acessado em 12/7/2019: http://www.ditext.com/russell/rus13.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/07/a-unidade-complexa-de-russell.html.
[i] Conforme Russell: “all our knowledge of truths is infected with some degree of doubt, and a theory which ignored this fact would be plainly wrong”.
[ii] Graus como ocorrem na afinação de um instrumento, ele cita.

terça-feira, 16 de julho de 2019

A unidade complexa de Russell*

Russell inicia comparando o conhecimento de coisas, que se referem a algo, com o conhecimento de verdades que está sujeito ao erro. Ou seja, as coisas conhecidas existem, não há como negar, porém o conhecimento de verdades envolve um dualismo, já que uns podem acreditar em algo errado na mesma intensidade em que outros podem acreditar em algo certo. Para analisar essa questão ele estuda primeiro o significado da verdade e da falsidade.[i] Então, Russell enumera três pontos na busca da natureza da verdade: 1) uma teoria da verdade deve admitir seu oposto, a falsidade; 2) para haver verdade e falsidade é preciso mais do que somente matéria no mundo, é preciso crenças e afirmações das quais se obtêm verdade e falsidade; 3) apesar da ligação da verdade ou falsidade com a crença, elas não são qualidades intrínsecas da crença, mas a respeito de algo que a crença se refere.
Russell comenta a visão de muitos filósofos de que a verdade é algo que corresponde à ligação da crença com o fato, corroborando a ligação com algo externo e nomeando como a teoria da coerência[ii], quando a falsidade é a falta de coerência com o conjunto de nossas crenças. Porém, Russell salienta que não há apenas um conjunto coerente de crenças usando como exemplo a ciência, onde há mais de uma hipótese para um conjunto de fatos de determinado assunto, assim como em Filosofia, que também pode haver mais de uma hipótese capaz de suplantar todos os fatos, por isso a coerência falha como definição da verdade. Além do mais, a coerência pressupõe as leis da lógica, p.ex., a lei da contradição que, se falsa, "nada será mais incoerente com qualquer outra coisa". Dito isto, ele conclui que a coerência seria mais um teste da verdade e não se confundindo com a própria verdade.
Russell então retorna à correspondência com os fatos como sendo a natureza da verdade, ressaltando que não significa uma relação da mente com um objeto, senão não haveria seu oposto, a falsidade. Aprofundando essa correspondência, ele mostra que, às vezes, a crença não se refere a nenhum objeto em outras a inúmeros, nas palavras do filósofo, tratando da crença ou do julgamento:
What is called belief or judgement is nothing but this relation of believing or judging, which relates a mind to several things other than itself. An act of belief or of judgement is the occurrence between certain terms at some particular time, of the relation of believing or judging.
Segundo Russell o ato de julgar envolve um sujeito, a mente, e objetos que são os termos que são julgados. Eles são os constituintes do ato de julgar e tem um sentido ou direção, ou seja, há uma ordem entre eles. Para ele, qualquer relação entre sujeito e objetos os une em um todo complexo, e o inverso, onde há um objeto complexo há relação unindo seus constituintes. Mesmo dentro dos objetos pode haver outras relações dependendo da relação primeira que é a crença ou julgamento. Já acreditar falsamente invalida as relações dos objetos.
Russell encontra então a definição de verdade: quando a crença corresponde a uma unidade complexa formada pelos termos, a relação e a mente.[iii] Assim, verdade e falsidade são propriedades extrínsecas das crenças e no limite não envolvem a mente, somente os objetos das crenças, como ele diz: “Hence we account simultaneously for the two facts that beliefs (a) depend on minds for their existence, (b) do not depend on minds for their truth”. A verdade é a correspondência entre a crença e esse fato composto pela unidade complexa e a falsidade aparece quando não há tal fato. Porém, verdade e falsidade não são criadas pela mente, mas a mente cria crenças feitas verdade por um fato.



* Bertrand Russell, Problems of Philosophy. TRUTH AND FALSEHOOD. Acessado em 9/7/2019: http://www.ditext.com/russell/rus12.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/07/graus-de-autoevidencia.html.
[i] Importante ressaltar que o enfoque de Russell aqui é na busca do que é verdade e falsidade e não de quais crenças são verdadeiras ou falsas.
[ii] Em algum momento deveríamos confrontar a teoria do conhecimento de Russell com Descartes, já que ele põe em dúvida o conhecimento oriundo dos sentidos (sujeito ao erro). Já Russell aqui parece fazer o oposto.
[iii] Esse complexo parece uma coisa que precisará ser mais bem investigado ontologicamente.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Graus de autoevidência*

Russell inicia dizendo que geralmente todas nossas crenças são capazes de prova por alguma razão ou mesmo outra crença, embora isso não ocorra conscientemente. Porém, ao subir na escala das razões, questionando-as, chegaremos a princípios gerais evidentes e não dedutíveis, ao nível da indução, e princípios lógicos não demonstráveis. Russell ressalta que até proposições aritméticas simples, mesmo que deduzidas, têm tanta evidência quanto princípios lógicos e os princípios éticos como: "we ought to pursue what is good”, embora esses últimos mais questionáveis.
Russell diz que, ao comparar princípios gerais com casos particulares, os últimos são mais evidentes, como no caso de uma rosa que estamos vendo, não podemos dizer que é e não é vermelha[i], excetuando-se aí os casos que usam abstração. Somam-se aos princípios gerais as verdades autoevidentes diretamente derivadas da sensação, chamadas por Russell de verdades da percepção e sobre as quais recaem julgamentos da percepção, embora não verdadeiros ou falsos. São verdades obtidas dos dados-dos-sentidos, porém não se pode dizer de uma amostra de cor que é verdadeira ou falsa, ele simplesmente existe.
Há, então, um julgamento da existência dos dados-dos-sentidos e outro que o analisa, ambos considerados por Russell verdades autoevidentes. No segundo caso, dados-dos-sentidos têm constituintes como um pedaço de vermelho que é redondo e nossos julgamentos revelam essas relações. Outro julgamento intuitivo abordado por Russell é a memória, a qual coloca na frente de nossa mente um objeto que remete ao passado trazendo todo o conhecimento do que vivenciamos. Russell comenta que os julgamentos da memória dependem do quão recente foram nossas experiências: as mais recentes mais vívidas, porém as mais antigas não nos trazem uma certeza evidente. Ou seja, há graus de evidência e fidedignidade do que apreendemos pela memória.
Ele enfatiza essa característica da autoevidência, que são os graus, desde os mais altos como verdades da percepção e princípios lógicos, passando pelo princípio da indução até chegar à variação da memória e julgamentos éticos e estéticos. Assim, Russell ressalta a importância dos graus de autoevidência na teoria do conhecimento, pois, se proposições podem ter graus de evidência sem serem verdadeiras, onde houver um conflito entre verdade e evidência, as proposições mais autoevidentes devem ser mantidas. Por fim, Russell diz que a noção de autoevidência varia entre a verdade (alto grau) e a presunção (baixo grau) e desenvolverá tal conceito associado ao conhecimento e o erro, porém antes investigará a natureza da verdade.




* Bertrand Russell, Problems of Philosophy. ON INTUITIVE KNOWLEDGE. Acessado em 3/7/2019: http://www.ditext.com/russell/rus11.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/07/o-conhecimento-priori-lida-com-relacoes.html.
[i] O caminho natural é de particular ao geral, ou seja, é indutivo!

sábado, 6 de julho de 2019

O conhecimento a priori lida com relações universais[i]

Russell divide o conhecimento de universais entre por familiaridade / experiência e por descrição[ii]. Temos familiaridade com o branco, doce, etc., qualidades dos dados-dos-sentidos, chamadas por ele de "qualidades sensíveis", que são abstraídas da observação de diversas coisas vermelhas, doces, etc. Também estamos familiarizados com relações em um único dado, por exemplo, uma folha onde pela abstração vemos partes brancas, coisas à esquerda de coisas à direita e das quais extraímos relações universais, assim como da sequencia de sons de um sino, no tempo, abstraímos relações universais de antes e depois.
Outro tipo de relação que conhecemos por familiaridade, ressaltada por Russell, é a semelhança (ou similaridade) entre duas cores, p.ex., quando temos uma consciência imediata de que o verde é mais próximo de outro verde do que do vermelho, ou seja, conhecemos relações entre relações (verde-verde, verde-vermelho) que competem a universais assim como as qualidades sensíveis. Com esse resultado, Russell pode então retomar a sentença "2+2=4" conhecida a priori, mas de solução deixada em aberto, para mostrar que ela trata da relação entre dois universais: dois e quatro. Isso vai permitir a ele estabelecer a proposição: "All a priori knowledge deals exclusively with the relations of universals" para solucionar o problema do conhecimento a priori.
Segundo Russell, conhecemos uma proposição conhecendo as palavras por familiaridade e por aí percebemos que muitos casos que tratariam de particulares na verdade tratam de universais. Assim, como acabamos de mencionar, “dois mais dois igual a quatro” pode ser entendido por quem conhece os universais dois e quatro e a relação entre eles. Contudo, salienta Russell, isso não quer dizer que podemos antecipar e controlar a experiência, como explorado em capítulo anterior[iii]. Podemos, sim, saber a priori que “2+2=4”, mas isso não é válido para coisas particulares, pois elas dependem de elementos empíricos.
Ele então compara o conhecimento por generalização empírica com o conhecimento a priori dizendo que, por mais casos particulares que conheçamos, ainda assim há um grau de certeza não comparada a evidência do conhecimento a priori de universais, pois ainda dependerá de um conhecimento indutivo.[iv] Ainda sobre o conhecimento por familiaridade, pode haver casos em que se chega à evidência pela via da experiência ou em que conhecemos uma proposição geral sem tratar casos particulares. Russell elenca entre eles o caso dos objetos físicos dos quais nunca temos sequer uma evidência dada na experiência e ainda assim podem ser inferidos dos dados-dos-sentidos ou o conhecimento de outras mentes.
Nesse ponto, ele descreve uma hierarquia das fontes do conhecimento que ilustramos abaixo e que resume muito do que foi tratado nos outros capítulos até agora.
Russell conclui que o conhecimento de verdades depende da intuição e verificará, assim como fez com familiaridade, seu escopo e natureza, porém tratando de um fator novo, o erro. O conhecimento de verdades, então, é mais difícil, pois teremos que distinguir casos que sejam conhecimento ou erro por conta de crenças que podem ser erradas.



[i] Bertrand Russell, Problems of Philosophy. ON OUR KNOWLEDGE OF UNIVERSALS. Acessado em 26/6/2019: http://www.ditext.com/russell/rus10.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/russell-platonicoi.html.
[ii] Retomando distinção do capítulo V que não resenhamos.
[iii] Conforme "HOW A PRIORI KNOWLEDGE IS POSSIBLE" (http://www.ditext.com/russell/rus8.html): "It seems strange that we should apparently be able to know some truths in advance about particular things of which we have as yet no experience; (...). This apparent power of anticipating facts about things of which we have no experience is certainly surprising." Não problematizamos esse assunto em nosso fichamento por não parecer ser tema ligado ao foco central de discussão, embora muito pertinente no que se refere à ciência.
[iv] Two opposite points are to be observed concerning a priori general propositions.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Russell platônico[i]

Russell inicia esse capítulo retomando as relações e as trata como entidades com um tipo de ser diferente dos objetos físicos, das mentes e dos dados-dos-sentidos, remetendo o seu tratamento à bem sucedida teoria das ideias de Platão. Ao questionar a noção de justiça, a teoria das ideias (ou formas) começa por verificar atos justos particulares mostrando que todos eles participam de uma natureza comum (ou essência), “a justiça”. De posse dessa essência que não está presente no mundo, pois não é particular e nem se degrada, ele a caracteriza como eterna, assim como a brancura, etc.
Para Platão, o mundo suprassensível das ideias é o real ao passo que nosso mundo dos sentidos é uma cópia, o que nos levaria a buscar por esse conhecimento beirando um misticismo. Porém, Russell enfatiza que na verdade sua base é lógica e entende as ideias de Platão como universais, em oposição ao particular dado pelos sentidos, e compartilhado por eles.
Então Russell define a maioria das palavras como universais: substantivos, adjetivos, preposições e verbos, deixando como particulares os nomes próprios e pronomes. Com base nisso, ele argumenta que nenhuma sentença pode ser feita sem universais e que todo conhecimento de verdades então está ligado a eles, reforçando essa abordagem ao dizer que todas as palavras do dicionário são universais e que muitas vezes tentamos transformar universais em particular como no caso da sentença: “Charles I's head was cut off”. Pensamos em Carlos I, na sua cabeça e no ato de cortá-la como particulares quando na verdade cabeça e cortar são universais.[ii]
Ele acusa o negligenciamento no uso de preposições e verbos como universais em detrimento dos adjetivos e substantivos, já que os últimos expressariam propriedades das coisas e os primeiros tratariam de relações entre elas, supostamente não existentes, como, por exemplo, o monismo de Espinosa e Bradley e o monadismo de Leibniz. Russell considera verbos e preposições mais universais, de fato. Ao tratar da brancura, ele relembra que sua existência foi negada por Berkeley e Hume, pois eram ideias abstratas inexistentes, porém não usar ideias abstratas significa comparar coisas particulares por semelhança, mas ela mesma seria um universal.
Admitindo, então, as relações como universais, Russell mostrará que não são meramente mentais. Ao tratar da proposição "Edimburgo está ao norte de Londres" Russell diz que apesar da discordância de Berkeley e Kant, essa é uma relação que já está no mundo antes de nossa apreensão e pertence somente a Edimburgo e Londres. Assim, sendo um fato independente do pensamento, a relação “norte de” presente na proposição é um universal independente da mente humana. Porém, diferentemente de Edimburgo e Londres, a relação “norte de” parece não existir em nenhum tempo e lugar.[iii]
Relembrando a ambiguidade no conceito da ideia de Berkeley, Russell diz que podemos pensar em um universal, cada homem pode ter um pensamento da brancura, mas a brancura é o objeto desses pensamentos e diferente deles. Para finalizar, Russell caracteriza o mundo dos universais, em oposição ao mundo da existência onde pensamentos, mentes e objetos existem no tempo, como o mundo dos seres "sem tempo", imutável e rígido. Se, ao contrário, o mundo da existência é vago e fugaz, ele é o mundo da vida, porém, acrescenta ele, ambos os mundos são reais e importantes para os estudos metafísicos e serão explorados adiante.



[i] Bertrand Russell, Problems of Philosophy. THE WORLD OF UNIVERSALS. Acessado em 24/6/2019: http://www.ditext.com/russell/rus9.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/a-mente-que-liga-o-mundo.html.
[ii] Conforme suas palavras: “Hence we succeed in avoiding all notice of universals as such, until the study of philosophy forces them upon our attention”.
[iii] Ele diz disso: “It is neither in space nor in time, neither material nor mental; yet it is something.”

domingo, 23 de junho de 2019

A mente que liga o mundo*

Ao tratar do conhecimento a priori, Russell remete a Kant definindo-o como um conhecimento não puramente analítico e do qual extraiu resultados metafísicos. Um conhecimento analítico é aquele no qual predicados são extraídos do sujeito, p.ex.: “Um homem careca é um homem.”. Tal tipo de conhecimento perdurava entre os racionalistas e não podia ser negado já que contrariaria a lei da contradição[i]. Partindo dessa visão anterior a Kant, Hume mostrou que alguns conhecimentos considerados analíticos eram de fato sintéticos, como a conexão entre causa e efeito sobre a qual nada era conhecido a priori, em oposição ao assumido pelos racionalistas de que o efeito poderia ser deduzido da causa.
Da tradição racionalista, Kant ficou balançado com essa visão cética e percebeu que todas as proposições aritméticas e geométricas eram sintéticas a priori, p.ex., “5+7=12”, 12 sendo uma ideia nova não extraída de 5+7, mas como? Segundo Russell, essa era uma questão que deveria ser investigada por filósofos não céticos e retoma o já dito de que não há conhecimento matemático por indução a partir do particular porque a validade do princípio [de indução] não se prova por si mesma e que basta uma instância para certa garantia, novas nada acrescentam.[ii] Mais do que isso, há uma incompatibilidade: o conhecimento é geral experiência é particular.
A solução kantiana define dois elementos em nossa experiência, um devido ao objeto e outro devido à nossa natureza. Russell concorda: dados-dos-sentidos e matéria. Para Kant, conhecemos a priori espaço, tempo, causalidade, etc., porém o material da sensação vem do objeto que é dividido entre a coisa-em-si incognoscível e o fenômeno, conhecido na experiência e que concorda com o a priori já que contem elementos de nossa natureza.
Tentando harmonizar empiristas e racionalistas, Kant diz que independentemente do conhecimento a priori (racionalista!), não podemos conhecer nada da coisa-em-si mesma que não seja um objeto atual ou possível de nossa experiência (empirista!). Segundo Russell, se para Kant é certo que os fatos devem sempre concordar com a lógica e a aritmética (conhecimento a priori), pois é de nossa natureza, ela mesma poderia um dia mudar, como qualquer coisa no mundo, e poderia acontecer de amanhã 2+2 ser igual a cinco, o que destruiria a certeza e universalidade das proposições aritméticas. Além do mais, Russell argumenta que o a priori de Kant fica limitado dessa forma, pois “2+2=4” deveria valer também para coisas-em-si e não só para fenômenos.
Segundo Russell alguns filósofos viram o a priori como uma forma de pensar, algo mental. Porém, ele diz que, apesar de natural, o a priori se refere também às coisas: a lei de contradição significa não somente que não podemos pensar “ao mesmo tempo” que uma árvore é uma faia e não é uma faia como a árvore em si (a coisa-em-si real árvore) não é uma faia. Se a lei de contradição é uma lei do pensamento porque não precisamos olhar duas vezes para árvore para ver que não é faia, isso se da não porque a mente é feita dessa forma, mas pelo resultado de nossa reflexão. Entretanto, não é a lei de contradição que garante isso, mas o fato dela aplicada na natureza, nas coisas[iii].
Assim o conhecimento a priori não é, para Russell, sobre a constituição da mente, mas sobre o que o mundo contém, seja mental ou não. Ocorre que essa teoria kantiana trata de relações que não são mentais nem físicas, pois considera coisas-em-si incognoscíveis, mas em uma relação entre elas produzida pela mente. Assim, o fato de haver um pernilongo em meu quarto, a relação "em" é criada por nós, segundo Kant e algo que Russell se debruçará a seguir, pois, independente de nós, parece certo que o pernilongo está no quarto.



Bertrand Russell, Problems of Philosophy. HOW A PRIORI KNOWLEDGE IS POSSIBLE. Acessado em 6/6/2019: http://www.ditext.com/russell/rus8.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/principios-logicos.html.
[i] Analítico pois basta analisar o enunciado para se extrair propriedades que não poderiam ser negadas.
[ii] Conforme Russell: “Thus our knowledge of the general propositions of mathematics (and the same applies to logic) must be accounted for otherwise than our (merely probable) knowledge of empirical generalizations such as 'all men are mortal'.”
[iii] Nas palavras do filósofo: “Thus the law of contradiction is about things, and not merely about thoughts; and although belief in the law of contradiction is a thought, the law of contradiction itself is not a thought, but a fact concerning the things in the world.”

sábado, 8 de junho de 2019

Princípios lógicos*

A teoria do conhecimento de Russell aborda os princípios de inferência (considerados óbvios) que são aliados do princípio de indução na tentativa de validar a experiência e que possuem graus de certeza similares aos dados-dos-sentidos. Ele nos recorda que princípios lógicos partem de casos particulares para leis gerais, assim como a aritmética (“2+2=4”, “a+b=c”, etc.) e que há um tipo de implicação geral: “whatever follows from a true proposition is true” que, se parece trivial, deve ser investigada pelo filósofo. Ele enumera exemplos de tais princípios lógicos classificados como “Leis do Pensamento”:
(1) The law of identity: 'Whatever is, is.'
(2) The law of contradiction: 'Nothing can both be and not be.'
(3) The law of excluded middle: 'Everything must either be or not be.'
Investigando a história, Russell aponta para a distinção entre empiristas (Locke, Berkeley e Hume) e racionalistas (Leibniz e Descartes) tomando partido dos segundos: para os empiristas todo conhecimento vem da experiência, já os racionalistas admitem ideias inatas (entre as quais Russell inclui os princípios lógicos), base do conhecimento. Ideias inatas são referidas por Russell pelo termo a priori: algo que não vem da experiência, mas é base para ela. Por outro lado, de acordo com Russell, os racionalistas erram ao propor conhecimentos que podem ser deduzidos independentemente da experiência. Ele enfatiza que todo conhecimento de algo existente é empírico, ou seja, provém da experiência, direta ou indiretamente. Então, conhecer o que existe envolve dados-dos-sentidos e sem eles há somente um conhecimento hipotético.[i]
Russell cita como conhecimento a priori, mas não lógico, o valor ético. São julgamentos que consideramos valorosos não por um fim útil, mas por nossa própria conta, independentemente da experiência. Tais julgamentos éticos, p.ex., felicidade ao invés de tristeza, etc., não podem ser provados pela experiência, pois é impossível deduzir o que deveria ser do que é, embora sejam aplicados na experiência. Ponto crítico, a matemática é para Russell a priori e um princípio geral que pode ser pensado abstratamente, embora os empiristas considerem um conhecimento por indução: ver muitas vezes duas coisas juntas somando quatro, etc. Assim como as propriedades do triângulo que podem ser tiradas de apenas um triângulo, do particular direto ao geral. Na aritmética, “2+2=4” tão logo se evidencie a verdade dessa proposição não precisa ser reiterado na generalização da experiência, pois já atinge grau de certeza. Russell usa o famoso exemplo dos “outros mundos possíveis”: mesmo que existam outros mundos é inconcebível que a soma “2+2” não seja sempre “4”, isto é, não é um fato que pode mudar.
Russell então compara: 1.) um conhecimento factual "Todo homem é mortal" que necessita de muitos exemplos (generalização empírica) de que todos morremos para termos certeza com 2.) o conhecimento lógico matemático do tipo “2+2=4” que requer apenas um exemplo para ser tomado como certo para reabilitar a possibilidade do conhecimento dedutivo (do geral ao particular). P.ex., Pedro e João somados a Paulo e Celso somam quatro homens embora não os conheçamos, mas ele rechaça o argumento dedutivo clássico: “Se todo homem é mortal; Sócrates é homem; Sócrates é mortal” mostrando que dependeria de um conhecimento indutivo de Sócrates para convencer de maneira mais clara.[ii] Nas palavras do filósofo:
This illustrates the difference between general propositions known a priori, such as 'two and two are four', and empirical generalizations such as 'all men are mortal'. In regard to the former, deduction is the right mode of argument, whereas in regard to the latter, induction is always theoretically preferable, and warrants a greater confidence in the truth of our conclusion, because all empirical generalizations are more uncertain than the instances of them.[iii]
Russell, então, nos avisa que investigará como é possível o conhecimento de proposições a priori (lógica, matemática pura, ética) e de proposições gerais, onde há casos infinitos de análise, recorrendo ao nobre Kant.



(*) Bertrand Russell, Problems of Philosophy. ON OUR KNOWLEDGE OF GENERAL PRINCIPLES. Acessado em 31/05/2019: http://www.ditext.com/russell/rus7.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/05/sobre-inducao.html.
[i] Percebemos que ao longo da investigação Russell mantém seu compromisso com dados-dos-sentidos.
[ii] Um silogismo é um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a conclusão deduzida de premissas, a argumentação lógica perfeita. É um argumento dedutivo constituído de três proposições declarativas (duas premissas e uma conclusão) que se conectam de tal modo que, a partir das duas primeiras (as premissas), é possível deduzir uma conclusão. https://pt.wikipedia.org/wiki/Silogismo, acessado em 8/6/2019.
[iii] Nota-se a concordância de Russell com a lógica indutiva moderna em detrimento da dedução dos gregos.