Ao tratar do conhecimento a priori, Russell remete a Kant definindo-o como um conhecimento não puramente analítico e
do qual extraiu resultados metafísicos. Um conhecimento analítico é aquele no
qual predicados são extraídos do sujeito, p.ex.: “Um homem careca é um homem.”.
Tal tipo de conhecimento perdurava entre os racionalistas e não podia ser
negado já que contrariaria a lei da contradição[i]. Partindo dessa visão
anterior a Kant, Hume mostrou que alguns conhecimentos considerados analíticos
eram de fato sintéticos, como a conexão entre causa e efeito sobre a qual nada era
conhecido a priori, em oposição ao assumido
pelos racionalistas de que o efeito poderia ser deduzido da causa.
Da tradição racionalista, Kant ficou balançado com essa visão cética e
percebeu que todas as proposições aritméticas e geométricas eram sintéticas a priori, p.ex., “5+7=12”, 12 sendo uma
ideia nova não extraída de 5+7, mas como? Segundo Russell, essa era uma questão
que deveria ser investigada por filósofos não céticos e retoma o já dito de que
não há conhecimento matemático por indução a partir do particular porque a
validade do princípio [de indução] não se prova por si mesma e que basta uma
instância para certa garantia, novas nada acrescentam.[ii] Mais do que isso, há uma
incompatibilidade: o conhecimento é geral experiência é particular.
A solução kantiana define dois elementos em nossa experiência, um devido
ao objeto e outro devido à nossa natureza. Russell concorda: dados-dos-sentidos
e matéria. Para Kant, conhecemos a priori
espaço, tempo, causalidade, etc., porém o material da sensação vem do objeto
que é dividido entre a coisa-em-si incognoscível e o fenômeno, conhecido na
experiência e que concorda com o a priori
já que contem elementos de nossa natureza.
Tentando harmonizar empiristas e racionalistas, Kant diz que
independentemente do conhecimento a
priori (racionalista!), não podemos conhecer nada da coisa-em-si mesma que
não seja um objeto atual ou possível de nossa experiência (empirista!). Segundo
Russell, se para Kant é certo que os fatos devem sempre concordar com a lógica
e a aritmética (conhecimento a priori),
pois é de nossa natureza, ela mesma poderia um dia mudar, como qualquer coisa
no mundo, e poderia acontecer de amanhã 2+2 ser igual a cinco, o que destruiria
a certeza e universalidade das proposições aritméticas. Além do mais, Russell
argumenta que o a priori de Kant fica
limitado dessa forma, pois “2+2=4” deveria valer também para coisas-em-si e não
só para fenômenos.
Segundo Russell alguns filósofos viram o a priori como uma forma de pensar, algo mental. Porém, ele diz que,
apesar de natural, o a priori se
refere também às coisas: a lei de contradição significa não somente que não
podemos pensar “ao mesmo tempo” que uma árvore é uma faia e não é uma faia como
a árvore em si (a coisa-em-si real árvore) não é uma faia. Se a lei de
contradição é uma lei do pensamento porque não precisamos olhar duas vezes para
árvore para ver que não é faia, isso se da não porque a mente é feita dessa
forma, mas pelo resultado de nossa reflexão. Entretanto, não é a lei de
contradição que garante isso, mas o fato dela aplicada na natureza, nas coisas[iii].
Assim o conhecimento a priori
não é, para Russell, sobre a constituição da mente, mas sobre o que o mundo
contém, seja mental ou não. Ocorre que essa teoria kantiana trata de relações que
não são mentais nem físicas, pois considera coisas-em-si incognoscíveis, mas em
uma relação entre elas produzida pela mente. Assim, o fato de haver um
pernilongo em meu quarto, a relação "em" é criada por nós, segundo Kant e algo
que Russell se debruçará a seguir, pois, independente de nós, parece certo que o pernilongo
está no quarto.
* Bertrand Russell, Problems of Philosophy. HOW A PRIORI KNOWLEDGE IS
POSSIBLE. Acessado
em 6/6/2019: http://www.ditext.com/russell/rus8.html. Ver o seguinte
fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/principios-logicos.html.
[i] Analítico pois basta analisar o enunciado para se extrair propriedades que não poderiam ser negadas.
[ii]
Conforme Russell: “Thus our knowledge of the general propositions of mathematics
(and the same applies to logic) must be accounted for otherwise than our
(merely probable) knowledge of empirical generalizations such as 'all men are
mortal'.”
[iii] Nas palavras do filósofo: “Thus the law of contradiction is about
things, and not merely about thoughts; and although belief in the law of
contradiction is a thought, the law of contradiction itself is not a thought,
but a fact concerning the things in the world.”
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