Esse texto aborda de maneira geral o problema de
Parmênides e uma possível solução lógica
A definição do ser parmenidiano[i].
Foi
no seu poema sobre a natureza que Parmênides classificou a arché, isto é, o princípio
da realidade, como sendo o ser, algo uno e imutável, algo que é, ao passo que o
não ser representava a mudança, não passando de ilusão. Basicamente significa
que uma coisa, um ser, não pode vir do não ser, porque o não ser nada é. Então
o ser, que é, só poderia vir do próprio ser, que é. Assim, o ser não é gerado e
não perece e pode ser considerado finito e redondo, simbolizando a esfera, como
elemento da perfeição grega. E é um ser físico, não transcendente.
Conforme explica Costa, há em Parmênides
uma separação entre o conhecimento que vem do ser e o erro causado pelo não
ser. Conhece-se o imutável e coloca-se em xeque o mundo da mudança heraclitiano,
embora para Heráclito o fundamento último por trás dessa realidade é a razão
(logos).
Ocorre que o discurso parmenidiano é
incoerente e gerou debates intermináveis, pois permite inúmeras interpretações.
Haveria para os lógicos, por exemplo, princípios de identidade (o ser é) e da
não contradição (o que é não pode não ser). Epistemologicamente falando,
deveríamos então buscar a verdade, pelo caminho do ser. Por fim ele acena para
um deus imutável e pela busca de leis únicas da natureza. De todo o modo, Parmênides
introduz a substantivação do ser, que também será bastante utilizada na história
filosófica. Mas Costa considera que o termo “ser” é usado de forma hipostasiada[ii], como esclarecido pela
filosofia de Wittgenstein, por usa terapia de uso da linguagem.
Parmênides e a linguagem[iii].
De
acordo com Desidério, é Parmênides que realiza as primeiras reflexões
instrumentais sobre a linguagem, na história da filosofia. Façamos a distinção:
podemos refletir sobre a linguagem, sua natureza, uso, e podemos usar a
linguagem para fazer considerações filosóficas. Nesse sentido, Parmênides
realiza uma virada na filosofia até então, quando os filósofos se aproximavam
dos cientistas, e passa a tecer considerações linguística acerca da natureza
última do mundo, ele realiza uma análise conceitual. Ocorre que, salienta
Desidério, quando nos valemos de um exame conceitual para compreendermos o
mundo podemos cair em meros jogos de palavras.
Não seria mera tautologia dizer que “o que
é, é”? Ou que “coisas que não são, não são”? É ilusão dizer que algo não é e há
confusão entre o verbo ser e a realidade. Se utilizando de recursos linguísticos
apenas, a expressão o que é revela incoerências, mas esse tipo de método não
reflete sobre a linguagem. Lembremos dos paradoxos que partem de situações
banais e nos fazem cair em contradições. Então, faz-se necessário escrutinar a
linguagem, como é o caso de dizer que, não que “uma coisa não é”, mas que “uma
coisa não é outra coisa”, sem cair em incoerências[iv].
Tentativas de resolver o problema[v].
Como
problematizado por Parmênides há contradição na mudança do ser ao não ser e tal
realidade seria absurda. Porém, as soluções gregas não negam esse ser, mas
passam por abordagem dualistas, seja a platônica ou a aristotélica. Para o
primeiro, tal contradição é aparente: o mundo que conhecemos é o mundo
sensível, das aparências, mas há um mundo inteligível, de essências, que é
imutável. É pela transcendência, em um mundo habitado por ideias elevadas que
podemos compreender a instabilidade.
Se Aristóteles herda essa visão dualista,
sua solução não será transcendente porque ao pleitear um mundo das ideias
teríamos o problema de o correlacionarmos com o mundo sensível. O estagirita
entende que a duplicação não é solução, mas uma fuga da realidade sensível.
Ora, se para cada coisa há um arquétipo no mundo ideal, a criação de um novo
objeto significaria que apareceria, para ele, um novo modelo? Isso é
contraditório, já que os modelos são eternos e imutáveis.
Não é o caso de explorarmos outras
dificuldades na abordagem platônica, mas o fato é que o problema se coloca
porque não há ciência sobre o que muda, o que é efêmero. É pela estabilidade
que identificamos as coisas e as conhecemos. De posse disso, Aristóteles postula
um dualismo não transcendente que se divide entre o sensível e o inteligível. Desse
modo, não duplicamos a realidade, mas a encaramos em sua forma múltipla e a ordenamos
para que o conhecimento seja possível.
Para Aristóteles, é pelo uso de instrumentos
intelectuais que vamos além da sensibilidade e tornamos a realidade
inteligível. Segundo o professor Franklin, essa é a forma de pensar contemporânea,
que trata de coisas diferentes (sensível e inteligível) mas juntas, em uma relação
imanente. Assim, podemos contrapor a realidade pelo pensar lógico que não salta
para a transcendência. Por fim, ressalta Franklin, o mundo das ideias é uma
concepção platônica, já que Sócrates procurava por definições, ele visava
identificar as coisas sensíveis não individualmente, mas genericamente, onde é
a morada do conhecimento[vi].
[i] Esses três primeiros parágrafos
foram extraídos do dicionário de filosofia de Cláudio Costa. Ver https://www.youtube.com/watch?v=mHYcPxw84n8.
[ii] “Segundo a reflexão moderna e
contemporânea a hipóstase é um equívoco cognitivo que se caracteriza pela
atribuição de existência concreta e objetiva (existência substancial) a uma
realidade fictícia, abstrata ou meramente restrita à incorporalidade do pensamento
humano. A correção monetária brasileira é uma hipóstase da ideia de valor.” - https://letacio.com/2015/03/19/do-ponto-de-vista-filosofico-a-correcao-monetaria-e-uma-hipostase/.
[iii] Nessa seção argumentamos conforme
curso remoto de Filosofia da Linguagem, ministrado pelo professor Desidério
Murcho entre 15 de janeiro e 6 de fevereiro de 2024.
[iv] De acordo com Desidério, Platão
teria feito essa análise nos diálogos Sofista e Parmênides.
[v] Essa última sessão baseia em uma
aula de Franklin Leopoldo e Silva: https://youtu.be/glXXqTXol8Y.
[vi] Vimos isso no Teeteto que acabamos de ler e vamos anotar algo nesse espaço.