sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

O problema de Parmênides

Esse texto aborda de maneira geral o problema de Parmênides e uma possível solução lógica

A definição do ser parmenidiano[i]. Foi no seu poema sobre a natureza que Parmênides classificou a arché, isto é, o princípio da realidade, como sendo o ser, algo uno e imutável, algo que é, ao passo que o não ser representava a mudança, não passando de ilusão. Basicamente significa que uma coisa, um ser, não pode vir do não ser, porque o não ser nada é. Então o ser, que é, só poderia vir do próprio ser, que é. Assim, o ser não é gerado e não perece e pode ser considerado finito e redondo, simbolizando a esfera, como elemento da perfeição grega. E é um ser físico, não transcendente.

Conforme explica Costa, há em Parmênides uma separação entre o conhecimento que vem do ser e o erro causado pelo não ser. Conhece-se o imutável e coloca-se em xeque o mundo da mudança heraclitiano, embora para Heráclito o fundamento último por trás dessa realidade é a razão (logos).

Ocorre que o discurso parmenidiano é incoerente e gerou debates intermináveis, pois permite inúmeras interpretações. Haveria para os lógicos, por exemplo, princípios de identidade (o ser é) e da não contradição (o que é não pode não ser). Epistemologicamente falando, deveríamos então buscar a verdade, pelo caminho do ser. Por fim ele acena para um deus imutável e pela busca de leis únicas da natureza. De todo o modo, Parmênides introduz a substantivação do ser, que também será bastante utilizada na história filosófica. Mas Costa considera que o termo “ser” é usado de forma hipostasiada[ii], como esclarecido pela filosofia de Wittgenstein, por usa terapia de uso da linguagem.

Parmênides e a linguagem[iii]. De acordo com Desidério, é Parmênides que realiza as primeiras reflexões instrumentais sobre a linguagem, na história da filosofia. Façamos a distinção: podemos refletir sobre a linguagem, sua natureza, uso, e podemos usar a linguagem para fazer considerações filosóficas. Nesse sentido, Parmênides realiza uma virada na filosofia até então, quando os filósofos se aproximavam dos cientistas, e passa a tecer considerações linguística acerca da natureza última do mundo, ele realiza uma análise conceitual. Ocorre que, salienta Desidério, quando nos valemos de um exame conceitual para compreendermos o mundo podemos cair em meros jogos de palavras.

Não seria mera tautologia dizer que “o que é, é”? Ou que “coisas que não são, não são”? É ilusão dizer que algo não é e há confusão entre o verbo ser e a realidade. Se utilizando de recursos linguísticos apenas, a expressão o que é revela incoerências, mas esse tipo de método não reflete sobre a linguagem. Lembremos dos paradoxos que partem de situações banais e nos fazem cair em contradições. Então, faz-se necessário escrutinar a linguagem, como é o caso de dizer que, não que “uma coisa não é”, mas que “uma coisa não é outra coisa”, sem cair em incoerências[iv].

Tentativas de resolver o problema[v]. Como problematizado por Parmênides há contradição na mudança do ser ao não ser e tal realidade seria absurda. Porém, as soluções gregas não negam esse ser, mas passam por abordagem dualistas, seja a platônica ou a aristotélica. Para o primeiro, tal contradição é aparente: o mundo que conhecemos é o mundo sensível, das aparências, mas há um mundo inteligível, de essências, que é imutável. É pela transcendência, em um mundo habitado por ideias elevadas que podemos compreender a instabilidade.

Se Aristóteles herda essa visão dualista, sua solução não será transcendente porque ao pleitear um mundo das ideias teríamos o problema de o correlacionarmos com o mundo sensível. O estagirita entende que a duplicação não é solução, mas uma fuga da realidade sensível. Ora, se para cada coisa há um arquétipo no mundo ideal, a criação de um novo objeto significaria que apareceria, para ele, um novo modelo? Isso é contraditório, já que os modelos são eternos e imutáveis.

Não é o caso de explorarmos outras dificuldades na abordagem platônica, mas o fato é que o problema se coloca porque não há ciência sobre o que muda, o que é efêmero. É pela estabilidade que identificamos as coisas e as conhecemos. De posse disso, Aristóteles postula um dualismo não transcendente que se divide entre o sensível e o inteligível. Desse modo, não duplicamos a realidade, mas a encaramos em sua forma múltipla e a ordenamos para que o conhecimento seja possível.

Para Aristóteles, é pelo uso de instrumentos intelectuais que vamos além da sensibilidade e tornamos a realidade inteligível. Segundo o professor Franklin, essa é a forma de pensar contemporânea, que trata de coisas diferentes (sensível e inteligível) mas juntas, em uma relação imanente. Assim, podemos contrapor a realidade pelo pensar lógico que não salta para a transcendência. Por fim, ressalta Franklin, o mundo das ideias é uma concepção platônica, já que Sócrates procurava por definições, ele visava identificar as coisas sensíveis não individualmente, mas genericamente, onde é a morada do conhecimento[vi].



[i] Esses três primeiros parágrafos foram extraídos do dicionário de filosofia de Cláudio Costa. Ver https://www.youtube.com/watch?v=mHYcPxw84n8.

[ii] “Segundo a reflexão moderna e contemporânea a hipóstase é um equívoco cognitivo que se caracteriza pela atribuição de existência concreta e objetiva (existência substancial) a uma realidade fictícia, abstrata ou meramente restrita à incorporalidade do pensamento humano. A correção monetária brasileira é uma hipóstase da ideia de valor.” - https://letacio.com/2015/03/19/do-ponto-de-vista-filosofico-a-correcao-monetaria-e-uma-hipostase/.

[iii] Nessa seção argumentamos conforme curso remoto de Filosofia da Linguagem, ministrado pelo professor Desidério Murcho entre 15 de janeiro e 6 de fevereiro de 2024.

[iv] De acordo com Desidério, Platão teria feito essa análise nos diálogos Sofista e Parmênides.

[v] Essa última sessão baseia em uma aula de Franklin Leopoldo e Silva: https://youtu.be/glXXqTXol8Y.

[vi] Vimos isso no Teeteto que acabamos de ler e vamos anotar algo nesse espaço. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Mentes Distintas

Passa de forma rápida por aspectos da mente em Schopenhauer, James, Freud e Husserl de modo a marcar alguns pontos, apenas[i]

Sobre Schopenhauer, Vitor pontua a vontade como lei fundamental da realidade, algo metafísico. Nesse sentido, a realidade não é racional, embora tenhamos a capacidade intelectual de abstrair por conceitos, coisa que os animais não têm, por uma liberdade de criar conceitos e deliberar. Já o corpo é pura vontade, mas ele não é um dualista pois não considera que há sobrevivência após a morte. Ora, ao morrer os átomos continuarão a existir, mas compondo outras coisas e não como vontade mais.

James é considerado um dos pais da psicologia e dele Vitor destaca a sua teoria das emoções, um contrassenso porque elas viriam depois dos estímulos. Se, pelo senso comum, um estímulo causa uma reação como em: 1.) Vejo urso, 2.) sinto medo, 3.) tremo e 4.) corro, para James um estímulo gera mudança corporal e pela percepção dessa alteração física temos emoção. A fórmula fica assim: 1.) vejo urso, 2.) tremo, 3.) corro e 4.) sinto medo. Há primazia do corpo, temos medo porque trememos e as emoções não são estados mentais isolados, James propõe uma experiência integrada. Vitor ainda cita Blaise Pascal: você quer ter fé? Vá a igreja durante uns meses e terá. Mental e corporal se relacionam assim: a mudança de uma crença ocorre pela mudança do hábito.

*  *  *  *  *  *

No caso de Freud e Husserl, há uma redefinição do que é do âmbito do mental e a intencionalidade surge como relação indissociável entre mente e mundo.

Freud postula a fragmentação da mente entre consciente e inconsciente. Inconsciente, nesse caso, não se confunde com algo que não é dado à consciência nesse momento, ou seja, algo consciente. Vitor lembra que Aristóteles já tinha tratado de uma primeira atualidade, isto é, algo inconsciente que trazemos a baila e a segunda atualidade, que é o consciente[ii]. Já o inconsciente freudiano é fugidio, ele escapa, mas ele comanda as ações e a consciência.

Ocorre que, na clínica, Freud tinha muitas dúvidas a respeito de sintomas dos pacientes sem causa aparente, nem psíquica e nem física. Mas, de onde isso vinha? Do inconsciente. Ora, eles agiam de forma inconsciente e para chegar a ele, Freud usava de relatos de sonhos, atos falhos e sintomas neuróticos.

Então, ele elabora determinadas categorias para localizar determinados comandos que tem ações na realidade: id, sempre inconsciente e ego e superego que podem ser conscientes ou inconscientes. O primeiro é nossa parte animal, representar a pulsão e prazeres, não seguindo princípios lógicos. Já o ego é a parte que tem contato com a realidade, do âmbito do possível e gerencia o id. O superego é a voz da consciência, que julga e pune o ego.

Por fim, ressalta Vitor, Anthony Kenny compara a divisão freudiana com a platônica, id herdeiro do apetite e o ego do racional. O superego seria a parte impulsiva, mas remetendo à divisão da república, onde a parte impulsiva é representada pelos soldados da cidade.

Mudando de tópico, lembremos que a fenomenologia tenta descrever a estrutura da experiência consciente tal como ela é vivida. Intencionalidade é a característica principal da consciência de sempre se dirigir para fora de si. Então não ficamos resguardados no cogito, como Descartes, mas há uma mistura da mente com o mundo, não de uma perspectiva dualista. Mas, se a ciência freudiana era impulsionada pela observação empírica, a ciência que Husserl pleiteia é de um discurso que fala sobre a realidade a partir de juízos universais e necessários, sobre a consciência.

A fenomenologia suspende o juízo sobre a realidade e investiga as estruturas da mente, de como ela opera intencionalmente. Visa compreender como captamos o mundo, o percebemos e o imaginamos.



[i] São temas trazidos por Victor Lima (https://www.youtube.com/istonaoefilosofia), mas que não temos visto com mais destaque na literatura da mente.

[ii] Capacidade de falar uma língua: primeira atualidade; falar uma língua: segunda atualidade.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Heterofenomenologia

Aborda o procedimento de Dennett para escapar do peso ontológico do cogito cartesiano[i]

Para caracterizar sua abordagem sobre a consciência, Dennett parte de uma constatação: não sabemos o que se passa na mente das outras pessoas. Mesmo que um aparelho de neuroimagem seja capaz de mostrar áreas do cérebro associadas a determinados comportamentos, ainda assim não podemos saber o conteúdo mental. Entretanto, de posse de uma perspectiva intencional[ii], podemos criar um relato subjetivo dos estados e emoções sobre a mente de outrem. Tal procedimento dennettiano é a heterofenomenologia, já que se utiliza da fenomenologia[iii] (observação), a partir de uma terceira pessoa e, nesse sentido, retira a autoridade da primeira pessoa como tendo acesso privilegiado aos seus conteúdos mentais.

Concordando com Skinner[iv] e superando a perspectiva cartesiana do cogito, mesmo a primeira pessoa é mediada pela linguagem para expô-los, porque o “eu” surge de uma narrativa. Ocorre que há uma herança cartesiana na contemporaneidade que pleiteia o acesso imediato aos dados da consciência, sejam por meio de qualias[v] ou experiências conscientes. Thomas Nagel, sustentando a irredutibilidade do mental ao discurso, procura mostrar que a linguagem não capta a experiência subjetiva, o “ponto de vista do morcego”[vi]. Citando Teixeira: “Dizer que os qualia não existem significaria dizer que não temos sentimentos acerca de nós próprios ou de experiências vividas pelo nosso corpo.” (p. 85).

Na sua crítica aos qualias, Dennett não os nega ontologicamente, mas epistemologicamente. Esse ponto é interessante: se não podemos “falar dos qualias”, é como se eles não existissem, como se fossem quimeras. Se são irredutíveis ao discurso, inefáveis, então que sentido teriam ao se fazerem privados, com acesso somente em primeira pessoa? É quando falamos de um sentimento que ele passa a existir[vii]. Se são intangíveis, não podem ser explorados pela fenomenologia e podem ser descartados. Ou seja, Dennett nega que sejam inefáveis pois deles se pode dizer, mas em segunda e terceira pessoa.

Teixeira, por seu lado, lança um desafio: nós conseguimos, por meio da linguagem, dizer o que é uma coisa salgada, a sensação do sal, de uma comida salgada? Shoemaker também sustenta que, se assim fosse, não precisaríamos provar o vinho para saber o seu gosto, bastaria ler o rótulo da garrafa, o que desempregaria muitos sommeliers...  Ora, a discussão é controversa. Tomemos o exemplo do vermelho que Teixeira apresenta. Dá para falar de algo vermelho sem apontar para algo vermelho? Lembremos que Wittgenstein, no argumento da linguagem privada, também atesta que o sentido só aparece pela linguagem, pelo uso dos termos por meio de regras gramaticais. Aqui Teixeira cita os livros Azul e Marrom e sublinha que a experiência de ver algo vermelho só faz sentido se compartilhada com os outros.

Outro opositor de Dennett é Chalmers[viii], que também salienta a irredutibilidade do caráter consciente da experiência, tratando como característica do mundo. Isso porque ele quer preservar a subjetividade que pode emergir da base física embora não necessariamente dela derive. Ele diz que uma mente é algo último e as experiências conscientes são fenômenos únicos e inimitáveis na natureza. Aí cita como exemplo dinheiro e Mona Lisa, mas de ambos podemos criar imitações perfeitas que ainda assim teriam valor.

Lembremos que Chalmers se questiona sobre o problema difícil, que é explicar como a experiência consciente é autorreflexiva, isto é, independente de uma base material. Sem ela, no limite, seríamos zumbis[ix]. Teixeira associa os zumbis aos autômatos citados por Descartes e que não teriam alma. De toda forma, já estamos no campo da metafísica, de suposições. COG[x], robô humanoide do MIT citado por Teixeira também poderia ser considerado um zumbi. Se conversamos com COG ou um zumbi, podemos atribuir estados mentais a eles, do ponto de vista intencional, eles seriam capazes de passar no teste Turing. Se têm comportamento humano, por que não lhes atribuir consciência?

Por fim, Teixeira aborda a conceituação de superveniência da consciência de Chalmers, como algo que está para além do cérebro. Mas, uma consciência não seria algo como a saúde, por exemplo? Se temos saúde é porque todos nossos órgãos estão em perfeito estado. Dizer que não temos saúde, nesse caso, não faria sentido.

Na conclusão desse capítulo sobre a consciência, Teixeira passará pelos sonhos, como se por eles pudéssemos ter um acesso privilegiado ao mental, a experiências subjetivas. Haveria, por meio do sono REM, uma correlação entre sonhos (estados mentais) e movimentos, mas sua simetria não foi ainda comprovada e ficamos na dependência do relato introspectivo, algo que a filosofia da mente chama de explanatory gap, conforme argumenta Teixeira, a passagem de um relato de primeira pessoa para um de terceira pessoa.

Dennett retira qualquer função dos sonhos, tratando-os como fenômenos alucinatórios e, na sua visão, instantâneos quando acordamos, na transição do sono para a vigília. Conforme Teixeira, sobre os sonhos: “um processo mental que deve ter sido selecionado pela evolução, mas que não serve a nenhuma finalidade” (p. 101). Conclui-se que a teoria dos sonhos de Dennett é deflacionária e, do ponto de vista da heterofenomenologia, nega a certeza da experiência subjetiva.

Por fim Teixeira traz críticas a Dennett, como Searle que trata sua teoria da consciência como uma “simplificação tosca”, pois pouco explica sobre a consciência. Também há críticas sobre a pouca caracterização da máquina virtual que operaria no cérebro, mas sobre o modelo do pandemonium haveria certa semelhança com as disputas que acercam os neurônios.



[i] Notas das páginas 82 a 94. TEIXEIRA, João de Fernandes. A mente segundo Dennett. São Paulo: Perspectiva, 2008.

[x] http://www.ai.mit.edu/projects/humanoid-robotics-group/cog/.


Gemini (2.0 Flash) em 15 de janeiro de 2025

Daniel Dennett é um filósofo conhecido por sua abordagem materialista e eliminativista da consciência. Ele argumenta que a experiência subjetiva, ou "qualia", como muitas vezes é chamada, não é um fenômeno real da maneira como é comumente entendida.

Em vez de concordar com o caráter subjetivo da experiência, Dennett o nega. Ele não acredita que haja uma "sensação interna" ou um "conteúdo fenomenal" privado e inacessível a outros, que constitua a essência da experiência consciente. Ele argumenta que:

  • A experiência subjetiva é uma ilusão: Para Dennett, a sensação de ter uma experiência subjetiva é o resultado de processos cerebrais complexos, mas não corresponde a uma entidade real e distinta. É uma espécie de "truque da mente" que nos faz acreditar que há algo mais do que apenas atividade neuronal.

  • Não há "teatro cartesiano": Dennett critica a ideia de que existe um "eu" central, um "homúnculo" dentro de nossas cabeças, que é o palco onde as experiências conscientes se desenrolam. Ele argumenta que essa visão é equivocada e leva a problemas insolúveis sobre como a consciência surge.

  • A explicação materialista é suficiente: Ele defende que todos os fenômenos mentais, incluindo a consciência e a experiência subjetiva, podem ser explicados em termos puramente materiais e físicos, sem recorrer a entidades não físicas ou "qualidades internas".

Em resumo, Dennett discorda enfaticamente do caráter subjetivo da experiência, no sentido tradicional de que há algo "interno" e privado que constitui a essência da consciência. Ele propõe uma visão alternativa, que é baseada em uma abordagem materialista e funcionalista, onde a experiência subjetiva é vista como um conjunto de funções cerebrais e comportamentais, em vez de uma entidade metafísica.

Pontos importantes sobre a visão de Dennett:

  • Eliminativismo: Dennett é frequentemente associado ao eliminativismo, a visão de que conceitos como "qualia" e "experiência subjetiva" podem e devem ser eliminados da nossa linguagem e teoria da mente.

  • Intencionalidade: Apesar de negar a experiência subjetiva no sentido tradicional, ele não nega que os seres humanos e outros animais tenham estados intencionais, ou seja, que se relacionam com o mundo através de crenças, desejos e intenções.

  • O papel da linguagem: Ele enfatiza a importância da linguagem na construção da nossa compreensão da experiência. Ele argumenta que a nossa tendência de atribuir a nós mesmos e aos outros uma "vida interior" é uma construção linguística, que pode nos induzir em erro.

É crucial notar que a visão de Dennett é controversa e muitas vezes mal compreendida. Ele não está negando que as pessoas sentem ou que têm consciência, mas sim que a forma como tradicionalmente pensamos sobre a experiência subjetiva é errônea.

Em vez de concordar com a visão tradicional da subjetividade, Dennett propõe uma nova maneira de pensar sobre a consciência, uma maneira que elimina a necessidade de "qualidades internas" ou "conteúdo fenomenal". Sua posição é fundamental para o debate sobre a natureza da consciência e continua a ser uma fonte de discussão e debate na filosofia da mente.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Disputa de narrativas

Explora o modelo distribuído de disputa de narrativas no cérebro[i]

Dennett faz uma teoria empírica da consciência a partir do modelo cognitivo de pandemonium desenvolvido por Selfridge no MIT, em 1950. É um modelo de inteligência distribuída que permitiria reconhecer padrões mal definidos através de um conjunto de miniprogramas (demônios) sem um coordenador central, mas que deveria ser treinado para aprender e melhorar.

 Similarmente, no cérebro, dada sua plasticidade, haveria milhares de agentes produzindo versões que seriam escolhidas por um tipo de máquina virtual. Isso passa a sensação de uma narrativa, mas o que ocorre, de acordo com Dennett, é que circuitos especialistas trabalham em paralelo produzindo narrativas que ganham minutos de fama. “Conteúdos mentais conscientes tendem a se fixar por mais tempo na mente das pessoas e é por isso que Dennett afirma que a consciência mais se parece com a fama de quem com a televisão” (p. 74).

Skinner. Postulando que não há eu-central, Dennett se aproxima da visão epifenomenalista de Skinner de que o pensamento é um acompanhante do comportamento. Segue-se que não se pode falar de um ego concreto – isso incorreria em erro categorial. O ego é um constructo, um abstracta, conforme já vimos. Ambos também veem a natureza do pensamento associada à teoria da evolução, o próprio modelo de pandemônio seria um exemplo.

Calvin. A ideia de seleção natural intracerebral é oriunda do neurobiólogo William Calvin. Por ela, o cérebro cria uma representação do ambiente externo e gera possíveis cenários de ação que são, então, escolhidos pelo pensamento que emerge do comportamento reflexo. Isto é, não há um homúnculo no cérebro, como parece nos iludir, mas uma competição frenética de cenários que são selecionados pelo cérebro.

Memética. Porém, argumenta Teixeira, há conteúdos mentais que não são oriundos externamente, como linguagem e cultura, que não foram tratados por Calvin. De acordo com Dennett, eles são o software do cérebro e são tratados pelo conceito de meme[ii] que ele empresta de Dawkins. Memes são unidades de informação que são passadas de uma geração para outra, análogos aos genes físicos, e que se conectam com a comunidade formando memeplex, como, por exemplo a religião. Assim, o pensamento se difunde entre as pessoas, como doença contagiosa, sendo que a memética poderia até utilizar modelos de epidemiologia.

Objeções. Não obstante, Teixeira objeta que há dificuldade em definir ontologicamente o meme, considerando que as mentes são como centros de gravidade (abstracta[iii]) como hospedariam memes? Além disso, não podemos observá-los, como fazemos com os genes e daí a dificuldade em aprofundar a sua análise.



[i] Trecho I do segundo capítulo de A mente segundo Dennett, de, João de Fernandes Teixeira. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.

[ii] Haddad trata do termo em “O terceiro excluído”. Lemos, mas não tivemos compreensão suficiente para resenhar.

[iii] Problema do realismo que vimos aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/10/comprimindo-sistemas-complexos.html. 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Maiêutica

Esse texto visa localizar o método socrático[i]

A maiêutica é o método socrático pelo qual há parturição do conhecimento. No Teeteto, Euclides conta a Terpsion que fez anotações da conversa entre Sócrates e Teeteto e que as revisou algumas vezes com o primeiro para que pudesse ter um texto acabado. Depois dessa introdução, ele pede a um “pequeno escravo” que o leia.

O diálogo começa com Teodoro apresentando Teeteto a Sócrates, falando sobre sua “procedência” e qualidades e, inclusive, Teodoro destaca a semelhança física entre Sócrates e Teeteto, ambos feios no seu ponto de vista e por quem não se apaixonaria. Daí em diante, entra-se na discussão técnica, e Sócrates passa a falar com o Teeteto questionando-o a respeito do que é o conhecimento. Teeteto elenca coisas que seriam conhecimento, como a geometria (ensinada por Teodoro) e a sapataria, ambos tipos de arte. Porém, Sócrates rechaça essa abordagem porque Teeteto falava sobre algo a que o conhecimento pertence e pela resposta ser cheia de rodeios.

Uma outra abordagem de Teeteto é tratar de termos para nomear coisas matemáticas, mas para o conhecimento ele tem dificuldades, do que solicita Sócrates: “empenha-te em designar as múltiplas formas do conhecimento por meio de uma única definição” (p. 65). É nesse ponto que Teeteto cita sua preocupação em responder as questões levantadas por Sócrates e quando ele compara as preocupações de Teeteto com as dores do parto. Sócrates alude a Fenarete – robusta parteira, dizendo-se filho dela e que pratica a mesma arte das parteiras, que normalmente são mulheres velhas que já tiveram a experiência do parto, mas não podem mais ter filhos pela idade avançada. Tal costume teria sido herdado de Ártemis, deusa estéril, por vê-las em situação semelhante.

Ressaltando a importância das parteiras, Sócrates faz a seguinte ressalva:

“Contudo, o trabalho delas é menos importante do que o meu, pois as mulheres não dão à luz, numa oportunidade crianças reais e, em outra, meras imagens que são difíceis de distinguir do real, como meus pacientes.” (p. 68)

Notemos que Sócrates busca 1.) pela definição e 2.) pela verdade. Mas Sócrates diz-se estéril em matéria de conhecimento, como um parteiro que nunca deu  à luz. Entretanto, do mesmo jeito que faz as dores aparecem também as fazem cessar, por seu método maiêutico. Ora, Teeteto está grávido e o diálogo agora deverá buscar uma forma de parir o conhecimento. Mas isso são cenas dos próximos capítulos.



[i] Notas sobre o diálogo Teeteto (ou do Conhecimento). PLATÃO. Diálogos I – Teeteto, Sofista, Protágoras. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007. 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

De Kant a Schopenhauer: a fundação da moral passa da razão ao caráter

Parte superior do formulário

Documento de Briefing: Análise Comparativa da Moral Kantiana e Schopenhaueriana[i]

Introdução

Este documento tem como objetivo apresentar uma análise comparativa das filosofias morais de Immanuel Kant e Arthur Schopenhauer, baseada no texto "De Kant a Schopenhauer: a fundação da moral passa da razão ao caráter". O artigo explora a crítica de Schopenhauer à ética kantiana, mostrando a transição da fundamentação da moral da razão para o caráter.

A Moral Kantiana. Uma Fundamentação Racional e Autônoma

Razão como Fundamento. Kant estabelece uma moral baseada na razão, anterior a qualquer experiência sensível. Essa moral é autônoma, livre e se manifesta através do imperativo categórico.

Vontade Boa. A ação moral, para Kant, deve ser guiada por uma "vontade boa" que é um fim em si mesmo e não busca a felicidade como objetivo primário. A felicidade é uma consequência da ação moral, não sua motivação.

Imperativo Categórico. A moral kantiana é regida pelo imperativo categórico, uma lei prática incondicional que ordena a vontade e que tem validade universal. "A representação de um princípio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento chama-se Imperativo." (Fundamentação, p. 48)

Liberdade Transcendental e Prática. Kant distingue entre liberdade transcendental (conceito especulativo) e liberdade prática (independência da coerção sensível). A liberdade prática é fundamentada pela liberdade transcendental que permite a autonomia moral.

Reino dos Fins. A ideia de um "reino dos fins" representa um estado ideal onde seres racionais, legisladores e governantes, agem de acordo com o princípio da autonomia da vontade.

Sumo Bem. Conceito da Segunda Crítica que liga virtude e felicidade, onde a virtude é a dignidade de ser feliz.

A Crítica de Schopenhauer à Moral Kantiana. Egoísmo e Caráter.

Rejeição da Razão Pura como Fundamento. Schopenhauer critica a ideia de uma moral racional a priori, argumentando que a ação humana é motivada por uma vontade egoísta, determinada pelo nosso caráter.

Imperativo Categórico como Construção Vazia. Schopenhauer considera o imperativo categórico kantiano uma "proposição vazia", sem sustentação real, e o vê como um processo de pensamento puramente lógico e não um princípio moral.

Crítica ao Conceito de Dever. Schopenhauer questiona a noção de "dever" kantiano, argumentando que, sem a expectativa de recompensa ou punição, o dever seria um conceito vazio. Assim, o dever é uma contradictio in adjecto porque só faria sentido sustentado por uma recompensa ou ameaçado por um castigo.

Prioridade do Egoísmo. Para Schopenhauer, o egoísmo é a principal força motivadora da ação humana, e a moral kantiana, ao ignorar essa realidade, não tem base empírica. Mais do que isso, em detrimento da racionalidade da lei, é o egoísmo que impera em nossas ações.

O Caráter como Base da Moral. Schopenhauer afirma que nossas ações são fruto do nosso caráter, que só se revela pela experiência, e não de leis ou princípios racionais.

Vontade como Núcleo Metafísico[ii]. Schopenhauer recupera o a priori para fundamentar a vontade como a base da moral, como sendo a própria coisa em si.

Razão Secundária. Schopenhauer considera a razão secundária em relação à vontade. A razão serve para a comunicação entre seres racionais, mas a vontade é o núcleo da ação.

Comparação e Contraste

Aspecto

Kant

 Schopenhauer

Fundamento da Moral

Razão pura, a priori, imperativo categórico

Vontade, caráter, egoísmo, motivos empíricos

Liberdade

Transcendental (especulativa) e prática (autonomia da vontade)

Livre-arbítrio é uma ilusão; a ação é determinada pelo caráter

Dever

Essencial, incondicionado, agir por respeito à lei moral

Conceito vazio sem recompensa ou punição; ligado a coerção

Motivação

Razão, lei universal, respeito à lei moral

Egoísmo, motivos empíricos, busca pelo bem-estar

Papel da Razão

Primária, legisladora, orienta a ação moral

Secundária, serve para comunicação e compreensão do mundo, não para determinar a ação moral

Natureza Humana

Seres racionais capazes de agir de acordo com a lei moral; dualidade sensível e inteligível

Determinados por sua vontade egoísta e caráter; razão como ferramenta de comunicação e não guia moral

Metodologia

Parte do saber comum, passa pelo campo filosófico para construir a razão prática

Parte da crítica à moral Kantiana para fundamentar sua própria moral

 

Conclusão

O artigo demonstra como Schopenhauer radicalmente se opõe à moral kantiana. Enquanto Kant busca uma fundamentação racional, universal e autônoma da moral, Schopenhauer aterrissa essa discussão na realidade concreta do egoísmo e da vontade que, para ele, são as forças motrizes da ação humana. A ética de Schopenhauer não é racional, mas sim baseada na experiência e no caráter individual. Essa crítica de Schopenhauer à filosofia de Kant marca uma mudança significativa na história do pensamento ético, deslocando o foco da razão para a vontade e o caráter como elementos centrais da ação moral. 



[i] Resumo fornecido pelo NotebookLM da dissertação final da disciplina de FILOSOFIA GERAL IV, relativo ao 1º Semestre de 2016 e ministrada pelo Prof. Eduardo Brandão. NotebookLM (Google NotebookLM) is a research and note-taking online tool developed by Google Labs that uses artificial intelligence (AI), specifically Google Gemini, to assist users in interacting with their documents. It can generate summaries, explanations, and answers based on content uploaded by users. It also includes "Audio Overviews", which summarizes documents in a conversational, podcast-like format. The team building the product includes popular science author Steven Johnson and product manager Raiza Martin. (https://en.wikipedia.org/wiki/NotebookLM). Ementa: https://drive.google.com/file/d/111cO0WCz6DT8yvZMjQB-norPdu2y9Lln/view?usp=drive_link. Dissertação: https://drive.google.com/file/d/14UMwBCb_aQnx0_qE3F8eGHGQrjJFD5jh/view?usp=drive_link.

[ii] Aqui necessita aprofundamento. A vontade é a força motriz fundamental e metafísica da existência, um impulso cego e irracional que determina nossas ações e que o egoísmo, determinado pelo nosso caráter e não por leis morais racionais, é a principal lei de motivação.