segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Susto Linguístico

Introdução a Chomsky e a Linguagem[i]

McGilvray inicia citando poderes cognitivos notáveis do ser humano, surgidos entre 50 e 100 mil anos atrás e que seriam atribuídos à linguagem. São eles: se juntar em comunidades, a ciência, religião, as definições de tempo e espaço, arte, a capacidade de explicar as coisas, a política, etc. Pela linguagem podemos especular, planejar, medir, contar e medir. Enfim, “A linguagem é o meio expressivo – e criativo – primordial”.

De acordo com McGilvray, Chomsky teria criado sozinho a ciência moderna da linguagem e, para ele, a linguagem é um sistema de base biológica que evoluiu a partir de um único indivíduo que a transmitiu geneticamente para toda a sua prole. A sua introdução evolutiva significa que ela teve uma causa naturalística que nos torna únicos[ii].

Algumas ressalvas que tiramos da introdução, é que Chomsky, conforme sugere McGilvray, busca uma teoria da natureza humana e se vale da biolinguística. Ele também discute questões sobre moralidade e universalidade, ciência e senso comum, política, etc. Além disso, ele tem pouca simpatia com as filosofias contemporâneas da mente e linguagem. Chomsky é um racionalista que traz uma metodologia para estudar a mente humana e a linguagem visando construir uma ciência naturalista desses campos.

Uma primeira observação de Chomsky sobre a língua é a pobreza de estímulo, isto é, a criança desenvolve a língua sem um treinamento formal, isso vale para toda a população, em qualquer lugar. Ele vê a língua com um conteúdo fixo e inato e, pela biolinguística, a mente composta de várias partes / órgãos, programados pelo genoma.

Um segundo ponto é o aspecto criativo do uso da linguagem, isto é, que parece não ter antecedentes causais, mas que permite uma infinidade e complexidade conceitual. Há uma estrutura similar a um sistema computacional que gera maneiras estruturadas de falar, pensar e compreender, mas, não obstante, somos livres em nossa maneira de usar a linguagem.

Por fim, McGilvray ressalta que a ciência da linguagem fundada por Chomsky é um sistema interna e que polariza com os empiristas, que trazem uma ciência do comportamento linguístico e de como a mente se relaciona com o mundo exterior e baseada em regras de uso. De um lado, externalismo, de outro, inatismo e internalismo. Porém, os racionalistas são empíricos e visam desenvolver a linguagem como a química e a física, mas com outras técnicas experimentais.



[i] CHOMSKY, Noam. A ciência da linguagem: Conversas com James McGilvray. Editora Unesp. Introdução.

[ii] Isso implica que a linguagem não surgiu de maneira gradual e, nem tampouco, mística. 

domingo, 11 de dezembro de 2022

Referencialismo

Aborda a teoria referencialista do significado e mostra como ela mistura referência e significado[i]

Sagid atribui a Frege o ponto de partida das teorias através das quais o significado de uma expressão linguística se relaciona ao referente dessa expressão. Nesse sentido, misturam-se significado e referência. Porém, a teoria referencialista se divide em direta, isto é, a referência não é determinada pelo significado e indireta[ii], em que pelo menos parcialmente a referência é determinada pelo sentido / significado. Além disso, ambas as teses podem ser aplicadas globalmente, se universalmente válidas ou localmente, se limitadas a alguns casos.

Dito isso, tem-se que o referencialismo é uma teoria do significado em que o significado da expressão linguística é o referente da mesma. Sobre o problema descritivo da teoria referencialista do significado, temos que o significado é o referente, ou seja, o significado de "Aristóteles" é a própria pessoa. Sobre o problema fundacional da teoria referencialista do significado, temos que as expressões linguísticas significam o que significam em virtude de se referirem ao que se referem[iii]. E ela ainda implica na tese fundacional da teoria da referência direta[iv], na medida em que o referente não é determinado pelo significado.

Então, o referencialismo indica que o significado é o referente, mas não deixa claro, como podemos notar no caso da expressão “filósofos” que tanto pode ser uma propriedade como um conjunto. Mas é uma teoria intuitiva, já que o significado da expressão é o que a expressão seleciona. E ela também aborda de maneira razoável dois problemas do significado: a ambiguidade (quando uma expressão tem mais de um significado) e a sinonímia (quando duas ou mais expressões têm o mesmo significado). Para o primeiro, a ambiguidade se dá pelo fato de haver mais de um referente (como no caso do banco-instituição e banco-assento), para o segundo, a sinonímia se dá porque as expressões selecionam o mesmo indivíduo (Gil e ex-ministro da cultura).

Embora o referencialismo seja uma teoria intuitiva, tida como do senso comum, ela é em geral incorreta e já foi refutada pelos filósofos, basicamente por três objeções[v]. A primeira objeta que nem toda expressão linguística dotada de significado tem referente (ex., todavia, não, etc...). A segunda admite que, para o referencialismo, todas as expressões são tratadas como nomes e, por conseguinte, uma frase seria uma lista de nomes. Porém, um lista de nomes não têm significado, mesmo que sejam tipos de objetos diferentes, como nomes, propriedades e outros. Por fim, a terceira objeção mostra que algumas expressões referenciais com sentido não se referem a nada, como é o caso de “Papai Noel”, que não existe.

Mas, se o referencialismo não tem validade universal, pode ter abrangência local, como no caso dos nomes próprios, que são um subconjunto dos termos singulares. Assim, pela teoria referencialista do significado dos nomes próprios, o significado de um nome próprio é exclusivamente o referente desse nome (a pessoa). Donde que a função do nome na frase é introduzir o referente, essa a sua condição de verdade. A expressão “Aristóteles é sábio” é verdade se e somente se a pessoa Aristóteles pertence ao grupo dos sábios. Para esses casos, informa Sagid, é uma teoria bem aceita contemporaneamente, até mais do que a concorrente descritivista.



[i] Recortes da Aula 07 - Referência Direta, Indireta e Referencialismo, do professor Sagid Salles: https://www.youtube.com/watch?v=tKhXSNrWH0M&ab_channel=ThePhilosophersDAO - CURSO IF, Filosofia da linguagem.

[ii] Descritivista.

[iii] O referencialismo não diz exatamente como o significado é determinado, isso fica por conta da referência.

[iv] Isto é, o modo como o referente é determinado.

A estratégia de Ian Hacking para a filosofia da linguagem

Trata outros aspectos da filosofia da linguagem que não as teorias do significado[i]

Hacking postula que uma filosofia da linguagem aplicada teria mais interesse do que as teorias puras do significado, isto é, aquelas que estudam o significado em si mesmo. Sua abordagem é a de examinar estudos de casos que influenciaram as teorias da linguagem, seja partindo da metafísica ou epistemologia, questões estas que são centrais da filosofia e não da linguística. Segundo Hacking, mesmo os pais da filosofia da linguagem, como Wittgenstein, Moore ou Austin, estavam tratando de problemas tradicionais de filosofia como ética, percepção e a natureza da mente humana.

Entretanto, apenas recentemente a filosofia da linguagem enveredou pelas teorias do significado, conforme Hacking: “Grande parte da teoria pura do significado que atualmente ocupa nossa geração irá muito rapidamente tornar-se autônoma, mas um corpo de questões essencialmente filosóficas sobre a linguagem permanecerá” (p 13)[ii]. Mas não interessam tanto à filosofia, insiste Hacking, como a linguagem interessa.

Para Hacking, há um interesse filosófico pela linguagem que vai além das dificuldades de expressão e comunicação, questões relativas à ambiguidade, equívocos e paradoxos e que, por ventura, seriam prevenidas por boas definições de termos e palavras (conforme proposto por Bacon) ou mesmo fazendo uma “limpeza” dos diversos usos de termos no discurso cotidiano, mas que acabaria por trazer novos termos e aumentar o problema.

Além disso, Hacking diz que seus estudos de caso devem ser simples em geral, embora sejam abordados filósofos recentes da linguagem[iii], como Davidson e Feyerabend que ainda têm uma obra fragmentada e de difícil acesso, embora discorra pouco sobre nomes importantes como Austin, Strawson (Indivíduos) ou Quine (Palavra e Objeto), nem tampouco sobre a filosofia linguística de Oxford.

Hacking foca na tradição anglo-americana, além da perspectiva histórica, já que a linguagem é discutida desde Platão (Eutifrone), pelos empiristas ingleses, que são familiares e mais fáceis, segundo ele. Nessa perspectiva, a ideia surge como conceito chave, mas que teve abordagens bem diferentes ao longo da história.



[i] HACKING, I. Por que a linguagem interessa à filosofia? São Paulo: Editora Unesp, 1999. 1. Estratégia.

[ii] Autônoma como ocorreu com a psicologia.

[iii] Metafísicos, segundo ele.