quinta-feira, 29 de maio de 2014

Greve, 2014

Podemos ser engajados ou estar engajados, mas também podemos não nos engajarmos. O compromisso é de cada um, podemos lutar invariavelmente em todas as situações ou em alguns momentos mais relevantes, podemos somente ver a banda passar.

Mas em uma situação de greve não temos escolha. A situação de greve exige paralisação, é um estado de exceção, de suspensão do juízo, de não normalidade. Não se admite passividade, é preciso estar lá e participar. É preciso coletar o maior número de variáveis, escutar os pontos de vista. Podemos nos abster e até mesmo não ter ainda uma opinião formada, mas temos que ir.

Dentro da universidade (pública), diante de uma decisão da assembléia dos estudantes por greve, não pode haver aula. Uma vez deliberada a greve, é greve! É mobilização, é discussão. O fura-greve que fique em casa, estudando, descansando ou cuidando de outros assuntos. Mas no espaço da universidade, a sala de aula é para debate, é aula prática. E existe melhor aula do que essa?

O que temos visto é que somente nos momentos de greve podemos prestar a atenção nos problemas institucionais e no funcionamento das estruturas. Na situação do dia a dia todos correm atrás do seu prejuízo e poucos se engajam, poucos guerreiros. Mas uma aula em uma greve é um evento ilegítimo porque não é claro. Os comunicados correm na boca miúda, as notícias são contraditórias e ninguém sabe bem o que está havendo. Contra essa atitude: cadeiraço!

sábado, 17 de maio de 2014

Olhar-se

Para nós que enxergamos, os olhos são janelas para o mundo. Pensamos mais através de imagens: elas nos afetam e direcionam nossa mente pelos seus efeitos visuais.

É quase isso que nos resta: a imagem de pessoas, a imagem de um problema, a imagem de uma ação, de um acontecimento ou a imagem dos objetos.

De olhos abertos vemos um mundo de imagens, mas escutamos sons, cheiramos odores e olores e tocamos nas coisas. De olhos fechados vemos imagens. Buscamo-as alhures.

Mas quando nos olhamos? Ou, de quanto em quanto tempo? Na correria da vida dificilmente refletimos sobre nós. Mas quando olhamos no espelho? Olho no olho? Olho no corpo? Olho na mente e na alma?

No mundo de imagens precisamos nos olhar mais. Não um olhar longe e vazio e nem um olhar perto demais e imediato, olhares do dia a dia. Mas o olhar-se.

sábado, 10 de maio de 2014

Alguém

Sempre existe alguém no pano de fundo de nossas ações, garantindo nosso usofruto. Isto é assim e está constituído.

Ao estacionarmos o carro, tem sempre um flanelinha vigiando.
Ao chegarmos em casa, o porteiro está lá.
Se urinamos fora do vaso, dá-lhe doméstica.
No trabalho tem muita gente na infra, na base, no suporte.
No restaurante, os garçons. Na padaria, os serventes.

Essa é a condição de classe, de dominação, de se sujeitar à dominação. A classe que recebe o serviço, que necessita do serviço prestado, não vive sem ele e a ele está submetido.

Porque tem sempre ALGUÉM prestando o serviço. Mas não vemos esse alguém ou não os vemos como alguém. Para nós esse alguém é objeto. Mas quando isso acontece, o que somos?

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Mundos Possíveis

Gostaríamos de abordar alguns conceitos da filosofia de Leibniz esquematicamente, referentes a criação do mundo e a liberdade humana.

Para Leibniz, no entendimento de Deus existem muitos mundos possíveis, mas Ele escolhe o melhor dentre todos. Sendo assim, nosso mundo é contingente porque "poderia" ser outro (se Deus quisesse), mas é esse por uma escolha moral de Deus. Por trás dessa escolha há uma liberdade que não é arbitrária, mas calculada racionalmente e baseada na vontade de Deus.

Dentro do nosso mundo criado existem leis que podem ser resumidas em: leis subalternas e leis universalíssimas, mas também existe a memória humana. De novo, essas leis são contingentes porque poderiam estar em outros mundos possíveis, mas estão nesse porque Deus é bom e esse é o melhor dos mundos possíveis.

A memória é uma faculdade humana que "automatiza" certas leis naturais, a partir dela não precisamos realizar cálculos. Por exemplo, sabemos que o sol nasce de manhã e se põe de tarde todos os dias.

As leis subalternas são as leis naturais, da natureza, da ciência, da física, da mecânica. Podem ser calculadas por nós, deduzidas pelo nosso entendimento humano. Enfim, o que podemos explicar recorrendo a fórmulas. Por exemplo, que a densidade é o quociente entre massa e volume.

As leis universalíssimas pertencem à ordem das regras de Deus e nelas estão contidos os milagres e nossas ações livres. Os milagres estão na ordem das leis de Deus e não temos conhecimento suficiente para entendê-los. Da mesma forma que as ações livres dos homens, que são imprevisíveis em cada situação. Aqui Leibniz não se utiliza de nenhuma moral normativa que poderia caracterizar ou "indicar" quais seriam ou deveriam ser nossas escolhas e ações (deixemos isso para Kant).

A partir desse esquema simplificado, encerraremos com duas reflexões acerca das nossas ações livres. Uma que se relaciona com nossa liberdade humana e outra com a natureza das nossas ações. Se nossas ações livres estão dentro das leis universalíssimas, elas estão no entendimento de Deus e podemos compreender melhor o significado de nossa liberdade: uma que remete a Deus, que está nele, mas também que se serve de nossa vontade.

Seguindo nesse caminho, podemos dar um segundo passo: se esse mundo é contingente, nossas ações livres valem aqui. Mas como elas seriam em outro mundo? Podemos pensar em uma ontologia da ação livre. Em outro mundo possível, o que poderia mudar na nossa ação livre? Nada? Ela teria o mesmo sentido de ser? Seria uma ação livre de escolha dependente da vontade ou poderia haver outra ordem de precedência? E mais, poderia haver outro tipo de propriedade ou predicado que desconhecemos nesse mundo melhor possível e que poderia nos ser atribuído em algum outro?

Nos outros mundos possíveis a ação livre estaria totalmente com sua causa em nós e influenciada por nossos predicados ou essa autonomia poderia ser relativizada? São questões que podem nos ajudar a compreender melhor a filosofia da criação leibniziana.