Uma
pessoa pode se confundir com outra? Se sim, até que ponto? Leio um livro e há
uma estória ali, há vários personagens, uns mais marcantes e outros menos. O
que ocorre é que a leitura, silenciosa, está dentro de nós. Exercício no mais
das vezes solitário. Pensamos e imaginamos uma estória de outrem, mas que nos
atinge. Nesse contexto há três instâncias em ação, que se interseccionam: o
escritor, o leitor e os personagens, para onde saltamos ao imponderável.
Nessa
interseção, até que ponto o escritor está no personagem e até que ponto o
leitor está no personagem? De fato, eles o disputam, cada um à sua maneira, e o
personagem, fantoche dessas ilusões, ganha vida: daqui para lá e de lá para cá,
pois há uma luta incessante que só acaba quando o livro acaba que é quando tudo
acaba. Porque o leitor, envolvido, deseja determinado caminho ou situação para
o personagem que definitivamente, não está em seu poder de atuação, ou
estaria? Já o escritor, dono da tinta, dá a palavra final. Mas qual a sua
independência? Como não duvidar que, após ganhar vida, o personagem não o
domine? Inglória disputa... Sem vencedor!
É quando
nos encontramos com Trapo, de Tezza: um personagem professor que lê as memórias
de um poeta precoce, que se suicidou. A transição entre vida de professor,
escritos de poeta e sonhos de professor se da sutilmente e precisamos estar
atentos para saber onde estamos. A intersecção da trama intersecciona a relação
escritor leitor: há um limite ou é tudo uma coisa só? Da trama da vida real, de
pessoas estanques, passamos para a trama dos papéis (personagem, leitor,
escritor) para nos perdemos na trama dos personagens, quando já não há mais
domínio de qualquer fato.
Por hora,
não sabemos aonde a trama de Tezza desembocara, mas o que podemos afirmar é que
estamos interseccionados todos, na trama do mundo. Tudo nos toca e influencia,
portanto, não nos resta alternativa: só a ação e o posicionamento podem de
alguma forma mudar a história de nossa vida, mesmo que por linhas
tortuosas.