quarta-feira, 27 de julho de 2016

Liberdade Política

Existe uma liberdade política e uma liberdade da vontade[1]. A última é aquela baseada na racionalidade (ou falta dela) e é teórica, enquanto parte de uma possibilidade do conhecimento e da ação e mesmo da rastreabilidade ou prioridade de nossas faculdades sensíveis ou cerebrais/mentais. Por isso, ela requer uma teoria científica (ou filosófica) desde que bem embasada. A teoria kantiana da razão teórica pura permitiu tal liberdade, mas que virou lei para a prática. Um crítico kantiano, Schopenhauer, rebateu argumentando que essa lei carece de fundamento e o que nos move são leis motivacionais. Testes laboratoriais recentes mostraram que a nossa ação pode ser fruto de uma vontade inconsciente, que apareceria depois do fato, como resultado. De todo modo, há ainda um campo amplo favorável à autonomia. Tudo isso é muito positivo e promete resultado, porém gostaríamos de tratar da liberdade política, aquela dos efeitos e da práxis. 
Essa liberdade concreta, determinada por forças concorrentes aparentes, reais, inconscientes ou ocultas, é mola mestra no dia a dia e é ela que permite a convivência humana e o desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Ou seja, há fatores interferindo na nossa ação e cada ação nossa interfere nas dos demais. Diante disso, o pilar dessa responsabilidade é o respeito para com o outro para que ele possa realizar livre de coação. A brincadeira característica da conduta cultural brasileira, o sorriso e a piada, resumindo: a zoeira tem limite difícil de ser calculado. O homem camaleão de si e do outro age buscando um fim; age por um comportamento arraigado para a ação ou paralisia, mas a última não podemos tolerar.
Vis a vis, unanimemente o mundo é capitalista e por trás do sorriso e do aperto de mão há uma luta pela sobrevivência, pela preservação e pelo conforto. A estrutura capitalista tão presente e invisível nos oprime (ação que não vemos) e nos sacia (efeito do consumo e do poder aquisitivo). Então, o ser humano, mambembe, se equilibra entre um bate e assopra e procura, ao recostar a cabeça no travesseiro, ter a consciência limpa. Ele pode ter, mas sempre haverá uma pedra no sapato: o mundo obviamente injusto que não lutamos para mudar e que nos esforçamos por manter. 



[1] Conforme bem destacou o professor Osvaldo Pessoa em sua aula pública no CAF.

domingo, 3 de julho de 2016

Os erros morais kantianos e dos kantianos*

Aqui Schopenhauer escrutina a fundamentação da moral kantiana, apontando os principais erros de Kant e desferindo golpes nos idealistas que o seguiram.

As duas representações prediletas de Kant ou os dois principais erros
Schopenhauer elege e critica as duas representações prediletas de Kant, o a priori em oposição ao a posteriori e a hipóstase da razão como algo separado e pertencente a seres racionais.
Se o a priori foi uma importante descoberta que abalou a metafísica, o conceito se extrapola ao ser aplicado a tudo, diga-se, à moral, pois sobre ele assentaria a ética enquanto ciência pura cognoscível a priori, conforme a Fundamentação da Metafísica dos Costumes[1]. O a priori possibilita as proposições sintéticas a priori que, sendo meramente forma e não conteúdo das ações, retiram qualquer necessidade da lei moral ser demonstrada empiricamente como um fato da consciência, seja experiência interna da natureza humana (subjetiva), seja experiência externa no mundo (objetiva). A lei moral paira no ar porque se origina de conceitos abstratos ligados pelo juízo que deveriam se sobrepor às nossas paixões e nosso egoísmo.
Garantido o a priori formal, a segunda representação estabelece a primazia da razão[2] não só para os seres humanos, mas para todo ser racional. Mas que espécie de ser é essa, ela seria constituída pelos “queridos anjinhos”? Não a conhecemos e não podemos estabelecer leis para seres racionais abstratos. Se a Crítica da Razão Pura tinha dado cabo dessa hipóstase da razão, a moral a reintroduz em oposição ao sentimento e a natureza humana do que declara Schopenhauer que ela é secundária e surge como fenômeno da vontade – núcleo metafísico indestrutível.
Schopenhauer recupera o a priori para fundamentar a vontade como sendo a moral, como sendo coisa em si. Nos conhecimentos teóricos a priori pode ser estabelecido que as funções do nosso intelecto estejam em acordo com a experiência, mas enquanto fenômenos que representam o mundo, logo se pensa em um ser em si da realidade independente de nós. O apriorismo levado para a moral, conforme mencionado, seria apenas fenômeno e não coisa em si, o que estaria em contradição com o que Kant diz da moral associada ao ser em si das coisas, que se daria a entender como vontade.

Nó da questão
Se, conforme argumenta Schopenhauer[3], há uma moral teológica de deveres e obrigações oculta na moral kantiana, lá tais deverem são motivados pelo amor cristão e solidariedade, mas aqui o dever funda-se em si, em seu conceito e a ação moral por dever é indiferente, fria e ausente de amor. Cumprir por dever e não por inclinação, não se deixar levar pelos afetos do coração que atrapalham as máximas: há que se submeter à razão legisladora? Não, de acordo com Schopenhauer o que move esse coração duro é o medo. Mesmo porque, ao seguir tal dever que é uma lei, uma máxima necessária, não há garantias que ele se realize, segundo Schopenhauer[4]. Então de onde viria essa necessidade absoluta? Este é o nó da questão: se não há objeto para a necessidade da ação ela se fundaria então na moral teológica de obediência, transformada por Kant em respeito à lei. Seria coerção?

A lei moral
Classificada como última pedra de toque da moral kantiana, qual é conteúdo da lei moral? Schopenhauer distingue duas questões éticas: o princípio da ética, seu guia: o quê e o fundamento da ética, sua razão: o porquê, tomadas uma pela outra pelos filósofos para simplificar sua tarefa, a última uma difícil tarefa. O quê que todos concordam é: “não faças mal a ninguém, mas antes ajuda a todos que puderes!”, mas é o seu fundamento que é motivo da pergunta do concurso que Schopenhauer procura responder. Então, investigando a lei moral kantiana do dever, vê-se que ela seguiu o mesmo caminho aproximando princípio e fundamento. Se o princípio é formal e baseado em proposições sintéticas a priori, como dele se concretizam as leis concretas das ações dos homens?

Processo de pensamento
A fundamentação da moral em Kant, ao desdenhar das molas propulsoras da vontade que é motivada empiricamente, se estabelece unicamente como um processo de pensamento. Recusando o empírico, a lei toma a forma da legalidade (sua validade) e a matéria, seu conteúdo, da universalidade (validade para todos). Ou seja, o imperativo categórico e sua máxima é o resultado do processo de pensamento de agir de acordo com que uma máxima se torne lei e valha para todos. Para Schopenhauer, esse fato originário é impossível porque pressupõe que o homem tenha uma ideia de procurar uma lei para a vontade e de querê-la por em prática. Mais do que isso, que razão haveria para se buscar uma lei que limita nossas ações e nosso querer? Então tal processo de pensamento não viria sozinho à nossa cabeça, haveria um algo o motivando o que é contrário à lei moral de Kant, que é autônoma. Além disso, que força teria meros conceitos abstratos para nos mover, sem fundamentação empírica, sem conteúdo?

Os erros dos kantianos
Para eles Kant teria tomado o imperativo categórico como um fato originário da consciência e daí como uma experiência interna antropológica. Mas, se a moral kantiana fosse embasada em tal conteúdo empírico, nenhum concurso de moral seria necessário, mas ela é uma dedução apriorística por meio de conceitos, meramente formal. Então, em uma crítica à interpretação de Schiller que trata consciência moral como um fato originário responsável pelas ações dos homens, ligando a consciência moral à consciência humana, ele alega que a consciência não é um fato empírico. Em uma crítica a Fichte que confere à razão prática uma faculdade especial, um instinto de moralidade, Schopenhauer diz que a razão só é prática enquanto realiza o processo de pensamento.
Segundo Schopenhauer, o próprio Kant percebeu a inadmissibilidade da sua lei moral e recua um pouco na Crítica da Razão Prática e na segunda edição da Crítica da Razão Pura, o que pode ter induzido os deslizes da escola kantiana. Como Fichte que funda a moralidade em uma intuição intelectual, há um fato ou atividade da consciência. Mas o fático é o oposta da razão pura... Haveria, entre os kantianos, uma transferência da imediatez da razão prática para a teórica, portinha aberta que Jacobi usou para salvaguardar a demolida razão teórica e a razão passa a intuir o suprassensível, transformando-a em uma razão mistificada. Pela crítica kantiana a razão demonstra os conhecimentos suprassensíveis, mas não os intui como quis Jacobi. Se para Kant a virtude provém do racional, Jacobi indevidamente aliou essa razão prática com a razão teórica atribuindo a ela poderes de conhecer o suprassensível, trouxe de volta a metafísica e nossa possibilidade conhecer o absoluto.

A vontade de Schopenhauer
É atacando a forma vazia da lei moral kantiana e a valorização da razão pelos kantianos que Schopenhauer funda a sua ética baseada na vontade. Conforme ressaltado, para Schopenhauer a fundação da moral kantiana é um raciocínio da razão prática e carece de motivação moral, positiva ou real. Se não há uma busca por uma ideia de moralidade, para Schopenhauer o que prevalece como lei de motivação é o egoísmo, baseado em motivos empíricos. Para ele deve haver algo que motive a vontade e ele tem que ser empírico e se impor a nós para superarmos nosso egoísmo. A nossa ação é efetiva e deve ser basear em uma motivação moral efetiva e real que empurre nossa vontade. A razão que Schopenhauer defende não é aquela transformada pelos kantianos e que conhece o suprassensível, mas razão que serve para um ser racional se comunicar com outro ser racional, por meio de conceitos abstratos e não intuitivos. E essa razão que nos difere dos animais: enquanto seus atos de vontade partem de motivos intuitivos e imediatos, para o homem, além desse motivo, há outro que é abstrato, baseado nos conceitos, no pensamento e extraído de experiências passadas aprendidas. A nossa razão, então, é pouco mais avançada que a dos animais porque conhecemos as leis de causalidade que, trabalhando com a sensação e a intuição, nos permite um conhecimento do mundo em grau maior e nos faz guiar não somente pelo sensível, mas pelo racional, embora isso não signifique retidão, porque podemos agir seguindo máximas egoístas ou injustas.


* Capítulo 6 de Sobre o Fundamento da Moral.
[1] O problema aqui foi levar uma fórmula que deu certo na Estética Transcendental, onde leis a priori do espaço, tempo e causalidade (formas da intuição) seriam o conhecimento puro a priori, para a moral, estabelecendo o imperativo categórico que, a priori, conduz a nossa ação independente da experiência, como deve absoluto.
[2] Razão pura que só conhece a si mesma e ao princípio de não contradição.
[4] Para ele, não é a máxima que conta na ação, mas a intenção, como um fato premeditado e esta deveria contar no julgamento moral e dependente de cada situação.

sábado, 2 de julho de 2016

O auto dever é uma aberração, segundo Schopenhauer*

Schopenhauer abre parênteses no seu discurso sobre a moral para criticar algo que Kant manteve intacto: além do dever aos outros o dever a nós. E abjeta esse dever veemente. O dever a nós pelo lado do direito é impossível porque quem quer cometer injustiça contra si? Já pelo lado do amor a moral chegou atrasada: tal dever já está na moral cristã. Citando Mateus 22,39: “Ama teu próximo como a ti mesmo”, é o amor tomado a si que vale primeiramente. E daí viria o dever em relação a nós: dever de autopreservação. Mas, dever de autopreservação não é dever, é medo! Medo de morrer, do suicídio? Animais tem sofrimento corporal, mas vivem enquanto podem. Homens tem sofrimento corporal aliado a sofrimento espiritual e vivem enquanto podem, mas também enquanto querem... Havendo motivos para o suicídio, eles tocariam mais fundo e estariam para além da ética.
Auto dever não é moral: ele se vale de regras de prudência ou de prescrições dietéticas[1]. Situa-se, então, na proibição da luxúria contra a natureza, para Schopenhauer, nos pilares: onanismo[2], bestialidade[3] e pederastia[4]. O primeiro é vício de infância e seria combatido pela dietética e higiene e o segundo tão anormal e horrível por si só. Das transgressões sexuais, apenas a pederastia encontraria lugar na ética, no trato da justiça, visto ser injusto a corrupção de alguém física e moralmente.





* Sobre a admissão dos deveres em relação a nós próprios, em especial. In: Sobre o fundamento da moral - Crítica do fundamento dado à moral por Kant.
[1] Dietética: preocupação com a beleza, busca do belo caráter na alma e traços exteriores que se combinam. Desse modo, a estilização da sexualidade, a preocupação com a moral, com a reputação e com a beleza nos permite entender o modo como os afhrodisia e a dietética fazem parte do conjunto de práticas que viabilizam transformações no próprio sujeito, destinadas às existências até então mal conduzidas e para prolongar a vida. In: http://www.webartigos.com/artigos/uma-reflexao-sobre-a-moral-sexual-segundo-michel-foucault-dietetica-e-afhrodisia-na-constituicao-de-si-mesmo/121986/.
[2] Prática do coito interrompido. In: http://conceito.de/onanismo.
[3] Praticar sexo com animais. In: http://www.dicionarioinformal.com.br/bestialidade/.
[4] Relacionamento entre homem e menino. In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pederastia.