quinta-feira, 30 de junho de 2016

Kant e o passe de mágica na base do imperativo categórico*

Schopenhauer expõe o primeiro passo em falso da ética de Kant que é fundamentar sua moral em leis, ou seja, admitir, pressupor uma lei moral independente da experiência[1]. Ao questionar o que seria uma lei, ele investiga o conceito de leis dividindo-as em leis civis que são do arbítrio humano, leis da natureza a priori[2] e a posteriori e leis da vontade. Porém, as leis da vontade, para Schopenhauer, não são leis imperativas e categóricas, mas leis de motivação: uma lei de causalidade que se dá pelo conhecimento, mas demonstrável, submetida a um motivo. Para Schopenhauer não se pode tratar uma lei moral como necessidade absoluta já que o próprio Kant reconhece que tal lei quase nunca tem êxito. Antes, a lei moral tem que ser provada e não usada como conceito e fundamento.
A reboque, Kant introduz o dever do mesmo modo, como algo dado, sem prova, o que é considerado estranho por Schopenhauer por não apresentar validade objetiva, do se segue que sua fundamentação só poderia ser teológica, baseada em deveres, conforme a ética da idade média[3]. Mais do que isso, uma fundamentação metafísica da ética só se sustenta em pressupostos teológicos camuflados por Kant em conceitos como "dever absoluto" e "obrigação incondicionada". Tal dever seria uma contradictio in adjecto porque só faria sentido sustentado por uma recompensa ou ameaçado por um castigo[4], sem eles seria um conceito vazio. Então, seria impossível “pensar uma voz que comanda” nossas ações, elas seriam sempre orientadas em proveito próprio e sem valor moral.
A contradictio in adjecto se amplia quando, a partir do dever incondicionado, se postula uma recompensa na eternidade. A moral kantiana parte de um dever incondicionado para encontrar o Sumo Bem: felicidade como prêmio da virtude[5]. Por outro lado, um dever condicionado é egoísta e não é moral. Schopenhauer trata do parentesco próximo entre os conceitos de “deve”, aproximando-o da coerção, e de dever, que seria um compromisso: dever que pressupõe direito. A contradictio in adjecto é a forma do imperativo (dever) categórico (não heterônomo): há sempre uma dependência externa, um direito sendo exigido... A teologia moral como resultado da ética seria uma teologia oculta fundando a ética. Trata-se de um passe de mágica: inverteu-se o pressuposto (mandamento que seria derivado) com o resultado (teologia oculta pressuposta).

(*) ps. Em Kant é possível pensar uma lei moral, do dever, pela própria estrutura da razão compartilhada por todos os seres racionais. A razão tem uma arquitetônica, funcionamento orgânico que poderia garantir, mas apenas formalmente, aquela lei.




* Sobre a forma imperativa da ética de Kant - capítulo 4 da Crítica do fundamento dado à moral por Kant.
[1] Justo Kant que tratou dos conceitos que são fornecidos pelo entendimento pela via sintética da experiência.
[2] Essa pequena parte constituindo a metafísica da natureza de Kant.
[3] Para Schopenhauer, até Kant, a exceção seria os materialistas ingleses encarnados na figura de Locke.
[4] Sendo então hipotético e não categórico.
[5] A vontade então não seria autônoma, tem uma motivação lá.

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