O conceito de liberdade formulado por
proposições sintéticas a priori pela razão prática só é possível se seguirmos
um caminho paralelo tanto pela especulação teórica quanto prática da filosofia
kantiana. Por um lado, só supomos uma liberdade prática por uma liberdade
transcendental [negativa]. Por outro lado, a lei da liberdade como lei moral
decorre das ações (e nelas incorre, positivamente) e dos costumes que enfrentam
inclinações na busca do interesse humano pela felicidade, aqui ou acolá[1].
O caminho da especulação teórica: da liberdade transcendental para a
liberdade prática[2]
O sujeito conhece os objetos a priori. A liberdade transcendental aparece como
ideia possível na Crítica da Razão Pura
(CRP) expressamente na resolução da terceira antinomia, na Dialética
Transcendental. Conforme o segundo prefácio da CRP, Kant pretende alterar o método da
metafísica para colocá-la na via da ciência, seguindo a orientação da lógica,
matemática e física, pois ela se digladiava em um cenário de posições
antagônicas envolvendo racionalistas, empiristas e céticos. É a revolução
copernicana kantiana: ao modo da astronomia de Copérnico[3], o sujeito não deve
se guiar pelos objetos, mas pelo que ele próprio neles põe. Cf. §11 do segundo prefácio, antes dos objetos há a estrutura
do sujeito, da razão. A partir de conceitos que permitem representar os objetos
e das formas a priori da intuição sensível (espaço e tempo) e que são a
condição de possibilidade da nossa experiência, o objeto aparece. É esse o
nosso conhecimento a priori dos objetos revelado pela alteração do método.
A filosofia transcendental estuda o
conhecimento a priori. O que nos aparece dos objetos são fenômenos que conhecemos
no uso especulativo da razão, no campo da filosofia teórica. É por ela que
determinamos as leis da natureza e é ela que nos ensina a não ultrapassar os
limites da razão em busca de objetos suprassensíveis que não são dados na
experiência (cf. §12). A revolução copernicana estabeleceu um campo seguro para
a metafisica, porém limitando-a (cf. §14). De acordo com o prefácio da tradução portuguesa, a
razão especulativa faz uso de três faculdades abordadas pela CRP: na Estética
Transcendental investiga-se a sensibilidade
com as suas intuições a priori, na Analítica Transcendental investigam-se os
conceitos a priori que unificam a experiência no ato de julgar, as categorias
do entendimento que se unificam com
as intuições a priori pelos esquemas da faculdade da imaginação. Temos uma ciência objetiva fundamentada no a priori: a análise da razão sem objeto,
conforme Morujão, o seu modo de conhecer apriorístico: a filosofia transcendental.
A razão busca algo além do conhecimento a
priori. A razão especulativa limita os conceitos na medida em
que se referente a objetos como fenômenos, porém, podemos pensar esses objetos
como coisas em si sem os conhecer,
senão haveria aparência "sem haver algo que aparecesse". Essa
distinção é fornecida pela crítica da razão e sem ela estaríamos em atitude
dogmática, tratando das coisas como coisas em geral (§14). Ao fenômeno que o
conceito do entendimento coloca no objeto para conhecê-lo, a razão a ele acopla
outro lado: a coisa em si pensada,
tratada na CRP pela Dialética Transcendental, que, conforme Morujão, busca a
apreensão da totalidade dos fenômenos e do mundo. Pela crítica, posso pensar a
alma como livre (como coisa em si) e determinada por leis (como fenômeno) sem
acarretar em contradição.
A terceira antinomia da razão pura estudada pela Dialética Transcendental
Dialética: necessidade e liberdade. Conforme Brandão, a terceira antinomia
estabelece, pelo lado da tese, uma posição dogmática de causalidade pela
liberdade e, pelo lado da antítese, uma posição empirista da necessidade
natural que não pode ser decidida pela experiência, mas que se resolve pelo
idealismo transcendental: conhecemos fenômenos, não coisas em si. Ao pensarmos
em um aspecto inteligível acompanhando os fenômenos, pensamos em necessidade e
liberdade conjuntamente.
A ideia de uma liberdade transcendental. Em B560, Kant separa a causalidade da
natureza[4] e a causalidade da liberdade, essa como faculdade de seus
agentes, dos homens, ou seja, uma causa fora da série. Essa liberdade é uma liberdade transcendental, é
uma ideia da razão que não vem da experiência. A despeito da analítica,
mantem-se a possibilidade de pensar as duas coisas. Já que a razão quer
totalidade, crio espontaneidade para dar conta da série.
A possibilidade de uma causa além da natureza. Porque se o fenômeno que é aquilo que
aparece fosse um coisa em si, ou seja, real, então, pela lei da natureza (já que
ele é fenômeno) ele estaria no tempo e não haveria liberdade. Mas, quando faço
revolução copernicana, eu ponho tempo e espaço e os fenômenos aparecem. Porém,
aparecem de uma causa inteligível, de uma causa que é só categoria do
entendimento, de uma causa extremamente racional e sem sensibilidade. Olho para o fenômeno e penso em causa inteligível.
A causa é uma ação prática, do sujeito inteligível. Diante disso, conheço o objeto homem que aparece como fenômeno, que é um resultado sensível, um efeito
livre que tem uma causa inteligível, uma ação prática. Em relação ao homem, todo fenômeno tem uma causa inteligível. O que
é essa causa inteligível? É a coisa em si. Enquanto faculdade do sujeito é
razão prática. O sujeito no mundo dos sentidos[5] é agente no mundo dos fenômenos. Mas, qual o caráter da coisa no fenômeno? É
empírico. E qual o caráter da coisa em si mesma? É inteligível, porque pensamos!
O sujeito agente (objeto que age) é inteligível e fora do tempo – razão prática, lei moral. Mas ele aparece no caráter empírico. O sujeito inteligível é a coisa em
si. É um não objeto da intuição sensível (ou objeto não representado - númeno).
É espontâneo, é a liberdade como causa prática. O sujeito empírico é fenômeno. É
objetivo, é o encadeamento da natureza. E aqui já damos um primeiro passo para segunda crítica que se sucede à uma fundamentação da metafísica.
_____
[1]
Acreditamos nessa segunda via independente da via teórica mas não a exploraremos
nesse texto.
[2]
Conforme notas de aula do prof. Eduardo Brandão, Filosofia Geral IV.
[3] Conforme nos mostra Louis Guilhermit: quando a mecânica celeste assumiu,
paradoxalmente, uma inversão hipotética do que se via pela experiência visual, mostrando
que o observador terrestre era quem girava em torno dos astros. In: Coleção de História da Filosofia dirigida por
Châtelet.
[4] Fenômenos, encadeamento, regras, já que, pela analítica dos princípios toda mudança tem uma causa.
[5] TEM QUE SER transcendental e não empírico. Isso já foi posto pela distinção da crítica transcendental que separa o que conhecemos como fenômeno e o que pensamos como coisas em si.
[4] Fenômenos, encadeamento, regras, já que, pela analítica dos princípios toda mudança tem uma causa.
[5] TEM QUE SER transcendental e não empírico. Isso já foi posto pela distinção da crítica transcendental que separa o que conhecemos como fenômeno e o que pensamos como coisas em si.
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