De como o sentido imanente da técnica (Ser unívoco) é campo de expressões tecnológicas (multiplicidades de entes). Essas últimas atingem o impensado, além da inovação.[i]
Craia
pensa a técnica com o aparelho analítico deleuziano, já que ele não tem uma
filosofia da técnica específica, principalmente do ponto de vista ontológico. A
análise de Craia se baseia em “Diferença e Repetição” na medida em que Deleuze
investiga o estatuto da diferença a partir de um conceito filosófico
diferencial.
A
ontologia da diferença. Os conceitos que norteiam a
Ontologia da Diferença são: univocidade, imanência, expressão ontológica,
questão filosófica, multiplicidade e “virtual-atual”.
Conforme
Craia, a afirmação central é: “o Ser é unívoco e imanente à multiplicidade dos
entes como diferença”. Destacando: se imanente não é fundamento transcendente e, também, unívoco não é um, pois não se diz em um único sentido, é acontecimento aberto
que se dá nas coisas e na linguagem. Mas, o fenômeno é multiplicidade, fluxo de
intensidade em que a própria Diferença é potência vazia de conteúdo.
De
tudo isso, dá-se que: “o Ser não deve ser entendido nem como algo, nem como
nada”. Daí que o estatuto da Diferença deve ser buscado na noção virtual-atual,
sendo que o virtual não se opõe ao real, mas ao atual, ou seja, o processo de
atualização, que em cada caso é singular e diferente, não é um movimento do
tipo potência-ato ou possível-real, mas exatamente um devir dentro de dimensões
reais.
A
atualização do virtual se faz por diferença, mas os termos atuais não se
assemelham à virtualidade que eles atualizam. Então, o sentido imanente de
nosso campo de existência se diz como diferença; este é seu ser.
Um
ajuste conceitual. Segundo Craia, nossa realidade
tecnológica passa por quatro momentos: 1.) coletivo político: o surgimento de
uma necessidade / demanda; 2.) momento epistemológico do design, projeto de
artefato ou processo; 3.) momento econômico-capitalista da produção; 4.)
momento social do uso. Mas, esse mundo tecnológico não se esgota na plexa
tecnológica, posto que há a técnica com estatuto epistêmico mais vasto de nosso
modo de ser, mas que apresenta um efeito imanente no universo tecnológico
expressando multiplicidades num sentido unívoco.
Compreendemos
mundo e realidade pela noção imanente da técnica, que nos permite reconhecer a
tecnologia univocamente em suas múltiplas produções. Conforme Craia:
É porque se expressa na compreensão
técnica do mundo, que o campo fenomenal do tecnológico faz sentido e pode ser
pensado. Esse campo de sentido é o horizonte onde as explicações
epistemológicas, éticas, políticas da tecnologia encontram sua possibilidade de
expressão; cuidado, não seu funcionamento, mas seu campo de sentido imanente.
Multiplicidade
e Tecnologia. A produção tecnológica se dá dentro de
um campo normalizado que é mecânico, planejado e previsível, dentro de padrões;
nesse campo está a inovação que é seu limite criativo, mas ainda controlado. Por
outro lado, há uma produção diferencial e impensada; às vezes, à mercê de casos
fortuitos, como o caso do micro-ondas que inicialmente seria um radar.
Entre
o planejado e o impensado, o primeiro se dá dentro das ferramentas
estabelecidas, que não abarcaria o fator disruptivo de difícil compreensão, às
vezes até visto como erro. Então, há necessidade nova categoria que permita colocar
no mesmo estatuto o planejado e o devir, uns como majoritários e molares,
outros como linhas de fuga e moleculares. Isso com uma ontologia que permita agenciar
a multiplicidade tecnológica seja estandardizada ou indesejada.
Craia
aproxima tecnologia e multiplicidade, ambas em um processo aberto que se
organiza e desorganiza, que sempre se renova.
Já
aproximando a hiperprodução tecnológica ao virtual-atual é quando se pode pensar
tanto os processos padronizados quanto os diferenciais sem regras preestabelecidas.
E por esses conceitos talvez seja possível pensar outras expressões tecnológicas.
Univocidade
e Técnica. O tecnológico expressa um aliquid que não é
tecnológico e que no agenciamento sentido-acontecimento no campo semântico é unívoco.
A univocidade se diz do ser em um sentido em relação à multiplicidade das diferenças
e se pode pensar em novos modos não como aberrantes.
Isto
é, pela multiplicidade pensa-se o ser tecnológico que no seu sentido unívoco é
o técnico não homogêneo ou totalizante, mas ressonâncias na dinâmica do tecnológico.
Então, há relação imanente entre ambas: a técnica é unívoca como sentido de
nossa época expressada na multiplicidade dos entes tecnológicos.
É
dessa forma que Craia nos traz a análise baseada no arcabouço deleuziano, entre
a multiplicidade e o virtual da tecnologia e o sentido e acontecimento da noção
de univocidade da técnica.
[i] Filosofia da Tecnologia. Seus
autores e seus problemas. Organização de Jelson Oliveira e prefácio de Ivan
Domingues, resultado da iniciativa do GT de Filosofia da Tecnologia da ANPOF.
Caxias do Sul, RS: Educs, 2020. Conforme capítulo 6, Gilles Deleuze – Um
pensamento sobre a técnica, por Eladio C. P. Craia.