Dos
percalços que ocorrem quando se tenta unir conhecimento e fé, mas que abrem
caminho para a ciência moderna[i]
Grécia. Antes de procurar
verdade e teoria nos mil anos de Idade Média, Vargas inicia com citação de
Aristóteles postulando que o “fim de toda a teoria é a verdade”, aqui
entendendo-se a lógica como instrumento da episteme que tem na physis[ii] uma natureza perene e
certa.
Influência platônica. Com
o advento do cristianismo, a realidade certa passa a depender de um Deus que a
pode destruir e a teoria a Teologia com a lógica sendo a arte de revelar
raciocínios corretos. Com a tradução da Bíblia ao latim por São Jerônimo em
~400, a lógica deve então demonstrar a Verdade da Revelação[iii]. Agostinho, nessa mesma
época, iguala a busca da verdade à procura de Deus, um platônico: realidade
inteligível, necessária, imóvel e eterna. Deus é um ser supremo e o mal vem do
livre-arbítrio humano.
Alguns séculos depois, Santo Anselmo demonstra a existência
de Deus como a maior coisa que se pode pensar e, do que decorre, existir. Em
seu tratado sobre a verdade, ele a localiza no enunciado, isto é: “para ser
verdadeiro o enunciado deve significar existir o que existe”. Se os sentidos
enunciam o que podem, a verdade está no juízo da alma e, daí, oriundo da mente
divina. Nesse sentido, tanto Santo Agostinho quanto Santo Anselmo seguem
Platão, mas há um primado da fé na Verdade Revelada que subordina a razão.
Influência aristotélica. Porém,
no século XII, sob a influência da lógica e da física aristotélica, passa-se a
tentar demonstrar racionalmente os enunciados da fé. Para São Tomás,
fundamentado na episteme theoretike, a Verdade Revelada está em acordo com a
razão que demonstra proposições e refuta argumentos não válidos. Como mostrou,
primeiro se crê, depois se prova que há razão em crer. Se, em Aristóteles, os
primeiros princípios são evidentes em si, em São Tomás são artigos de fé
revelados por Deus e a correlação entre teoria e verdade. Ele demonstra a
verdade usando a lógica, mas no intelecto divino ela é eterna e resulta em
muitas para o homem, que não é eterno.
Vargas cita ainda, no século XII, disputas envolvendo
franciscanos e dominicanos como a querela dos universais (homem, cavalo,
triângulo) que, sendo abstratos, só existiriam na mente de Deus ou seriam
invenções humanas. Já o nominalismo defende a ideia que os universais são meras
palavras e que a teoria é feita de enunciados universais, por isso não se pode
fazer uma teoria do divino, além de qualquer conhecimento.
A ciência, então, não seria feita através de verdades
oriundas da mente divina, mas de um experimentalismo e a apreensão de como a
coisa ocorre na natureza. O franciscano Bacon (1214) tratava essa experiência
como uma vivência do fenômeno quase mística até aceitando a alquimia. Já para o
tomismo, os universais existem como reais na mente de Deus. Isso se dá na
teologia como ciência teórica quando o intelecto se conforma com a coisa
conhecida à semelhança como estão na mente divina.
Impossibilidade teológica. No
século XIV, Occam (sic) fortalece o nominalismo como uma realidade de entes
particulares, mas que são abrangidos pela experiência, tornando a Teologia
impossível: o conhecimento de Deus só se daria por fé ou mística. A ciência se
organiza pela lógica que verifica o que há de comum na realidade e dá rumo à
ciência moderna, que prevalece a partir de Galileu. Citando Vargas:
“De
então para cá as teorias são elaboradas a partir de conjecturas; depois
desenvolvidas preferivelmente por deduções matemáticas e, finalmente,
verificadas comparando-se uma conclusão particular da teoria, com experiência organizada
e interpretada de acordo com a própria teoria; algo totalmente estranho às
noções medievais de verdade”.
[i] Conforme Teoria e Verdade na
Idade Média, Capítulo 5 de Vargas, M. (1994). Para uma filosofia da
tecnologia. São Paulo: Alfa Omega.
[ii] Não custa lembrar, physis é a
natureza, mas uma natureza animada e autônoma e episteme é a teoria, o
conhecimento. Portanto, mais uma vez, um conhecimento em que não cabe dúvida.
[iii] Todas as iniciais em maiúscula são
do autor.
Occam = Ockham
ResponderExcluir