Queria
falar um pouco sobre um vazio-de-si não abstrato, mas concreto e não individual,
mas coletivo. Este vazio-de-si é uma casa onde mora uma família. A casa-em-si
poderia ser um vazio-em-si, assim como a família-em-si poderia ser um
vazio-em-si, mas aqui falamos especificamente da família e da casa, juntas. Esse
vazio-em-si existe? Existe uma casa concebida de tal modo que proporcione tal
sensação? Existe, mas não é autoimune, como se propõe.
A
casa que falamos é moderna, com suas formas retangulares lisas e limpas, com
concreto aparente e um vazio penetrante. Casa de arquiteto, feita por
arquiteto, para ele mesmo. A sala grande divide espaço com um amplo gramado
separado por uma imensa porta de vidro lisa e limpa. Nada escapa a tamanha
longitude e frieza... Será? A casa possui camadas, andares: abaixo a rua e a
garagem, depois a sala-copa-cozinha e por fim os quartos. Espaços vazados, longilíneos
e longitudinais.
A
casa é grande, tão grande que é duas. Existe dentro dessa casa, no porão, uma
casa desconhecida, com acesso escondido: é a casa da guerra. Ela é feita para
não ser descoberta, para que se possa viver em segredo, longe da invasão
inimiga. E é no vazio-de-si prometido que começam a aparecer parasitas que não são
vistos ou percebidos por anos. Na casa moram pessoas que ali vivem e se
alimentam sem que a família-em-si saiba, pois a família-em-si acredita no
vazio-de-si prometido.
Família
rica e gentil. Família bonita, limpa e cheirosa. Existe família assim, sem
defeito? O homem é um defeito-em-si. Tudo o que vive tem defeito. A família
rica e gentil (pai, mãe, filho e filha) tem sua contraparte no subúrbio, na
sobrevida. Para cada família rica assim existem iguais famílias pobres de pais,
mães, filhos e filhas na proporção de 10, 20, 100 vezes. Isso é o capitalismo,
cuja base é o lucro, deveríamos saber e não nos assustar.
A
“família Doriana” não sabe que alguém assalta sua geladeira toda noite, dança
em sua sala quando saem para jantar e descansam sob o sol do jardim nos
domingos de passeio. O vazio-de-si traz segurança tamanha que a reboque vem à
ingenuidade. A família precisa de funcionários: motorista, governanta,
professores particulares, tutores. São parasitas. Parasitas pobres e de cheiro
azedo. Cheiro que faz ultrapassar limites imaginários e imaginados.
Quem
são os parasitas mesmo? O povo pobre relegado a condições precárias que devem
servir diuturnamente ou a família no seu vazio-de-si oneroso? A família “não tem
culpa”, a família rica e gentil tem problemas... E não sabe o que o filho caçula
sabe. A família rica não sabe até que ponto haverá famílias pobres para servi-la
ou até quando famílias aceitarão ser submissas e expropriadas. E também não
sabe que as famílias pobres têm que sobreviver. Até quando essa equação
matemática será igual a zero?
[i] Nos melhores cinemas: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-255238/.
Acessado em 30/11/2019.
Para ouvir: https://drive.google.com/open?id=1W-aHVnQmxDslii1I_X2Zea3YkrmaGNPl
Para ouvir: https://drive.google.com/open?id=1W-aHVnQmxDslii1I_X2Zea3YkrmaGNPl