segunda-feira, 29 de outubro de 2018

O deus brasileiro é fake

A eleição de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil revela um lado sombrio do povo brasileiro, que se mantinha debaixo do tapete. A história de Jair Bolsonaro, pessoal e pública, e seu discurso, são marcados por violência, falas desconexas, exaltação à tortura, ameaça às minorias e aos direitos humanos. Jair Bolsonaro não disse isso uma ou duas vezes, disse isso inúmeras vezes, reiteradas vezes, no microfone e em rede nacional. Tal discurso ressoa na sociedade, trazendo medo e instabilidade.
Essa fala violenta de Jair Bolsonaro é ancorada por citações bíblicas, por referências a Deus. Mas, poderia a religião cristã (católica, evangélica) se valer desse discurso? Obviamente não. Isso só acontece porque as pessoas colocam as suas questões acima da religião, do próximo, de Deus e Jesus Cristo. Isso mostra que o homem usa a religião (por ele inventada) a seu bel prazer.
O Brasil, maior país católico do mundo, elege tal presidente consciente de suas falas, renegando os valores mais básicos da religião cristã. Os sacerdotes da fé, os gurus espirituais, guiaram seu rebanho nessa direção maligna. E o rebanho, cordeiros de Deus, segue de cabeça baixa pisando em o que quer que se encontre pela frente. O mote do novo presidente é o ódio, a negação ao PT e a negação a um suposto comunismo. O eleitorado que elege esse candidato desumano estampa frases sofre a família e sobre fé. Mas legitima um modo de vida preconceituoso e supremacista.
Racionalmente e emocionalmente, Jair Bolsonaro não se sustenta, não se explica. A população que se diz cristã, se contradiz. Tal estado de coisas conduz a duas possibilidades: ou Deus não existe e aí a religião é fake, já que Ele seria a base da igreja ou o Deus desses brasileiros (que votaram em Bolsonaro) é um deus-fake. Deus-fake que serve para juntar pessoas em torno de uma fé embaralhada, manipulada, distorcida. Como o discurso de Jair Bolsonaro é de matar pessoas, (Jair Bolsonaro não disse isso uma ou duas vezes, disse isso inúmeras vezes, reiteradas vezes, no microfone e em rede nacional) em tese é Cristo que morre porque Cristo está no outro, mas se esse deus é fake, ele pode ser morto.

domingo, 14 de outubro de 2018

Que é escrever?*


A partir de um breve apanhado de citações de Sartre gostaríamos de caracterizar a dialética da liberdade fruto de uma criação imaginária e mostrar como ela cria e é criada através de um processo de libertação, onde o fundamento da liberdade não é só um algo subjetivo, mas ela é posta na intersubjetividade e se objetiva em um processo crítico e utópico de libertação, em um processo cíclico que só é finalizado quando todos atuam livremente.
No primeiro capítulo do livro[i], Sartre procura fazer uma diferenciação das artes: “não é apenas a forma que diferencia, mas também a matéria”[ii], sendo essa última o elemento fundamental de sua abordagem, já que para o artista a cor, o som e a textura são coisas que correspondem a objetos imaginários não existentes, objetos criados: “um canto de dor é a própria dor (...) é uma dor que não existe mais, é uma dor que é”. Dor imaginária, do mesmo jeito que uma casa em um quadro é uma casa imaginária representada pelas cores com que foi pintada e é um objeto em si – não remete a outros objetos. “O escritor, ao contrário, lida com os significados. Mas cabe distinguir: o império dos signos é a prosa; a poesia está lado a lado com a pintura, a escultura, a música”. É ao tratar da matéria de cada arte que Sartre faz a limpeza de terreno para a prosa: enquanto as demais artes têm como matéria imagens que são fim em si mesmas, a prosa se utiliza da palavra como signo, como um sinal, uma passagem para um significado que se cria e se constrói. “Não se pintam significados, não se transformam significados em música; sendo assim, quem ousaria exigir do pintor ou do músico que se engajem?”.
Na base desta divisão está a possibilidade de engajamento pela utilização do signo: “Pois a ambiguidade do signo implica que se possa, a seu bel prazer, atravessá-lo como a uma vidraça, e visar através dele à coisa significada, ou voltar o olhar para a realidade do signo e considerá-lo como objeto”. Estamos no limite da produção imaginária, do perceber o signo como objeto ou de imaginar para nós outra significação: o contemplar da poesia ou o visar da prosa. A prosa se utiliza da linguagem, usa-a como instrumento de comunicação, como se fizesse parte do nosso corpo e dos nossos sentidos, como um meio que se faz pela ação e depois se esquece, serve para agir em um determinado momento e em determinada circunstância.
Uma vez delimitado o campo da prosa, Sartre vai caracterizar o ato de escrever, ato de falar, se comunicar, a partir de um jogo de perguntas e respostas, como uma ação que desvenda o mundo, como projeto de mudança da situação em que o escritor está inserido. O objetivo desse desvendamento é mudar o mundo revelando a verdade que se esconde na ação de cada homem e ao se mostrar e mostrar o mundo, esse deixa de ser ignorado e cada homem se torna responsável pelo mundo e pelos outros homens, cada homem se engaja. Mas a escrita deve se preocupar com o conteúdo e, como consequência dele a forma, o estilo: “trata-se de saber a respeito de que se quer escrever (...). E quando já se sabe, resta decidir como se escreverá.”. E a literatura que importa é a atual, contemporânea de cada época, uma literatura viva, de enfrentamento. Diferente da que tratam os críticos, que valorizam os grandes nomes e obras do passado, que já estão superados e não podem mais ser confrontados. “Tal é, pois, a “verdadeira” e “pura” literatura: uma subjetividade que se entrega sob a aparência de objetividade”, quando uma entrega subjetiva pelo engajamento vale mais que uma aparente objetividade.



* Da série Revisando o material de escola, a disciplina Ética e Filosofia Política II, no 1º Semestre de 2014, trouxe o tema da imaginação na filosofia francesa do final do XX e sua relação com a experiência de liberdade. Aqui trazemos um pequeno recorte do primeiro trabalho.

[i] SARTRE, Jean Paul. “Que é a literatura?”. São Paulo: Editora Ática, 2004.
[ii] “Que é a literatura?”, p. 10. Demais citações nas páginas seguintes.