Uma introdução ao pensamento de Albert Borgmann[i]
Heidegger.
De acordo com Borges, a terminologia de Borgmann de paradigma do dispositivo
é oriunda de sua filiação a Heidegger, que traz a Gestell (enquadramento) como
essência do tecnológico, em um ponto de vista transcendentalista e metafísico. Heidegger
busca, segundo Borges, pela causa última do fenômeno: meta como além do
fenômeno, que é o natural, físico[ii].
Em The question concerning technology ele estuda a essência da
tecnologia e como se relacionar com ela a partir de um relacionamento livre. Heidegger
também recupera o conceito de aletheia para dizer que o artefato desvela uma
intenção oculta, ou seja, ele não é somente meio, mas escolha. E, enquadramento
na perspectiva tecnológica, isto é, a visão que se faz da técnica.
Borgmann.
Para Borgmann, a tecnologia nos traz uma relação menos intensa com a realidade,
de desengajamento. De acordo com seus estudos em tecnologia, há 3 visões: 1.)
substantiva, segundo a qual a tecnologia molda a sociedade; 2.)
instrumentalista, com o homem fazedor de artefatos e a tecnologia com objetos
neutros; 3.) pluralista, abordando tendências e complexidades. E Borgmann tenta
incorporar as virtudes de cada uma delas.
A
noção de paradigma do dispositivo cumpre seu propósito ao fornecer commodities
e nos afasta de questões essenciais que, para Borgmann, são as práticas
focais. Por essa perspectiva, compramos produtos prontos e não entendemos seu
processo de feitura, por isso devemos por a tecnologia e focar[iii].
Ao restaurar as práticas excluídas pelo paradigma da tecnologia usamos a
tecnologia como um meio para chegarmos às práticas focais objetivadas como fim
e, com isso, um relacionamento mais profundo com a realidade[iv].
Os
problemas da hipermodernidade, a informação na virada do milênio e a cultura da
tecnologia
Borges
ressalta a abordagem do pós-modernismo tecnológico pelas influências de Baudrillard,
Derrida e Lyotard e o conceito de hiper-realidade, também em sincronia com Arthur
Kroker. Conforme Borgmann, sobre a hipermodernidade: “design de um universo
tecnologicamente sofisticado e glamourosamente irreal, distinguindo por sua hiper-realidade,
hiperatividade e hiper inteligência”, o que traz desesperança e melancolia, além
de problemas relacionados a segurança, liberdade e desconexão com a realidade.
A
solução, Borgmann aponta, seria um realismo pós-moderno associando realismo
focal, vigor paciente e celebração comunitária. Como o universo cibernético tira
o foco, ele não deve substituir as relações incorporadas. Nesse sentido, é
preciso refutar o imediatismo, buscar valores comuns[v]
e não tomar realidade, natureza e relacionamentos como commodities. Se a
internet e a quantidade de informação que consumimos acentua o distanciamento
com a realidade tentando usurpá-la, se torna necessária uma teoria e uma ética
sobre ela. Todos esses dados e informações não constituem conhecimento. As
coisas se transformam em commodities sem significado e o ciberespaço desfoca
nossos sentidos.
Embora
ressaltando esses pontos, Borgmann tem uma visão otimista em relação à tecnologia
da informação, desde que equilibrada e sempre se engajando com a realidade, ao
modo das considerações de Byung-Chul Han[vi].
Por
fim, Borgmann traz comparações da tecnologia com o cristianismo, em termos de
promessas. Reforçando, a tecnologia não substitui a presença incorporada que
ocorre pelo engajamento comunitário, convívio social, festas e solidariedade. Na
visão cristã, a natureza é uma graça recebida, por isso temos que cuidar dela e
buscar o equilíbrio na Bioengenharia. Ele usa o cristianismo para pensar natureza
humana na cultura tecnológica e indica que uso da cultura da palavra (conversar)
e da mesa (cozinhar) pode ajudar a superar os mal-estares.
[i] Filosofia da Tecnologia. Seus
autores e seus problemas. Organização de Jelson Oliveira e prefácio de Ivan
Domingues, resultado da iniciativa do GT de Filosofia da Tecnologia da ANPOF.
Caxias do Sul, RS: Educs, 2020. Conforme capítulo 3, Hipermodernidade,
informações e cultura da tecnologia – Albert Borgmann, por Luiz Adriano
Gonçalves Borges.
[ii] Não nos parece interessar esse
tipo de metafísica no estudo da tecnologia, mas temos de verificar as
consequências dessas visões.
[iii] A noção de foco já foi tratada
aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/02/filosofia-da-tecnologia-tres-enfoques.html.
Além do dito lá, aqui é acrescentado que a noção de foco se transforma no
Iluminismo, a partir de noções técnicas na geometria e ótica, como algo
central, claro, articulado.
[iv] Borges ressalta a influência de
Borgmann na relação ética e virtuosa com a tecnologia, como em Higgs, Light e
Strong (2000) e Shannon Vallor (2016).
[v] As referências aqui são Alister
MacIntyre, Charles Taylor, Michael Sandel e Michael Walzer.
[vi] Já tratamos dele aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/05/paradigmas-do-seculo-xxii.html.