sábado, 27 de março de 2021

Em busca das práticas focais

Uma introdução ao pensamento de Albert Borgmann[i]

Heidegger. De acordo com Borges, a terminologia de Borgmann de paradigma do dispositivo é oriunda de sua filiação a Heidegger, que traz a Gestell (enquadramento) como essência do tecnológico, em um ponto de vista transcendentalista e metafísico. Heidegger busca, segundo Borges, pela causa última do fenômeno: meta como além do fenômeno, que é o natural, físico[ii]. Em The question concerning technology ele estuda a essência da tecnologia e como se relacionar com ela a partir de um relacionamento livre. Heidegger também recupera o conceito de aletheia para dizer que o artefato desvela uma intenção oculta, ou seja, ele não é somente meio, mas escolha. E, enquadramento na perspectiva tecnológica, isto é, a visão que se faz da técnica.

Borgmann. Para Borgmann, a tecnologia nos traz uma relação menos intensa com a realidade, de desengajamento. De acordo com seus estudos em tecnologia, há 3 visões: 1.) substantiva, segundo a qual a tecnologia molda a sociedade; 2.) instrumentalista, com o homem fazedor de artefatos e a tecnologia com objetos neutros; 3.) pluralista, abordando tendências e complexidades. E Borgmann tenta incorporar as virtudes de cada uma delas.

A noção de paradigma do dispositivo cumpre seu propósito ao fornecer commodities e nos afasta de questões essenciais que, para Borgmann, são as práticas focais. Por essa perspectiva, compramos produtos prontos e não entendemos seu processo de feitura, por isso devemos por a tecnologia e focar[iii]. Ao restaurar as práticas excluídas pelo paradigma da tecnologia usamos a tecnologia como um meio para chegarmos às práticas focais objetivadas como fim e, com isso, um relacionamento mais profundo com a realidade[iv].

Os problemas da hipermodernidade, a informação na virada do milênio e a cultura da tecnologia

Borges ressalta a abordagem do pós-modernismo tecnológico pelas influências de Baudrillard, Derrida e Lyotard e o conceito de hiper-realidade, também em sincronia com Arthur Kroker. Conforme Borgmann, sobre a hipermodernidade: “design de um universo tecnologicamente sofisticado e glamourosamente irreal, distinguindo por sua hiper-realidade, hiperatividade e hiper inteligência”, o que traz desesperança e melancolia, além de problemas relacionados a segurança, liberdade e desconexão com a realidade.

A solução, Borgmann aponta, seria um realismo pós-moderno associando realismo focal, vigor paciente e celebração comunitária. Como o universo cibernético tira o foco, ele não deve substituir as relações incorporadas. Nesse sentido, é preciso refutar o imediatismo, buscar valores comuns[v] e não tomar realidade, natureza e relacionamentos como commodities. Se a internet e a quantidade de informação que consumimos acentua o distanciamento com a realidade tentando usurpá-la, se torna necessária uma teoria e uma ética sobre ela. Todos esses dados e informações não constituem conhecimento. As coisas se transformam em commodities sem significado e o ciberespaço desfoca nossos sentidos.

Embora ressaltando esses pontos, Borgmann tem uma visão otimista em relação à tecnologia da informação, desde que equilibrada e sempre se engajando com a realidade, ao modo das considerações de Byung-Chul Han[vi].

Por fim, Borgmann traz comparações da tecnologia com o cristianismo, em termos de promessas. Reforçando, a tecnologia não substitui a presença incorporada que ocorre pelo engajamento comunitário, convívio social, festas e solidariedade. Na visão cristã, a natureza é uma graça recebida, por isso temos que cuidar dela e buscar o equilíbrio na Bioengenharia. Ele usa o cristianismo para pensar natureza humana na cultura tecnológica e indica que uso da cultura da palavra (conversar) e da mesa (cozinhar) pode ajudar a superar os mal-estares.



[i] Filosofia da Tecnologia. Seus autores e seus problemas. Organização de Jelson Oliveira e prefácio de Ivan Domingues, resultado da iniciativa do GT de Filosofia da Tecnologia da ANPOF. Caxias do Sul, RS: Educs, 2020. Conforme capítulo 3, Hipermodernidade, informações e cultura da tecnologia – Albert Borgmann, por Luiz Adriano Gonçalves Borges.

[ii] Não nos parece interessar esse tipo de metafísica no estudo da tecnologia, mas temos de verificar as consequências dessas visões.

[iii] A noção de foco já foi tratada aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/02/filosofia-da-tecnologia-tres-enfoques.html. Além do dito lá, aqui é acrescentado que a noção de foco se transforma no Iluminismo, a partir de noções técnicas na geometria e ótica, como algo central, claro, articulado.

[iv] Borges ressalta a influência de Borgmann na relação ética e virtuosa com a tecnologia, como em Higgs, Light e Strong (2000) e Shannon Vallor (2016).

[v] As referências aqui são Alister MacIntyre, Charles Taylor, Michael Sandel e Michael Walzer.

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