sexta-feira, 5 de março de 2021

Uma introdução ao pensamento de Álvaro Vieira Pinto

Visão geral e alguns conceitos de Álvaro Vieira Pinto[i]

Freitas ressalta que o que permeia os escritos de Vieira Pinto é a enunciação do conceito de trabalho no Brasil. Visto como ideólogo do desenvolvimento e trazendo o léxico cepalino, Vieira se pergunta sobre o que é trabalhar na periferia sob a dominação econômica e cultural do centro.

Nesse sentido, ele valoriza o uso da técnica e tecnologia para substituir o trabalho manual, porém mostra a situação assimétrica na divisão internacional do trabalho que teria deteriorado os termos da troca propostos por David Ricardo. A qualidade de vida está no centro, na periferia estão os exportadores que, donos de uma consciência ingênua, exportam o ser e importam o não ser.

A valorização da técnica aparece no trabalho de Vieira, como bem nos mostra Freitas, no conceito de amanualidade, isto é, quanto mais elaborada a capacidade de trabalhar, mais humanizado o trabalhador. Em Vieira, há uma antropologia que se desloca para a antropomorfia aproximando a forma-homem da forma-trabalho.

Na medida que aumenta a técnica, o trabalhador toma sua consciência e percebe que pode mudar a realidade que tende à imutabilidade nas mãos da consciência ingênua. Quanto mais elaborada a técnica, mais claramente a consciência se expressa. Para Vieira, não há incultura, mas graus de cultura[ii]. Então, se a ferramenta é precária, há o subdesenvolvimento intelectual. A visão de mundo nos é dada pelo trabalho e suas ferramentas.

Vieira Pinto tematizou o trabalho do ponto de vista de quem trabalha, mas para ele a luta de classes era uma contradição secundária. Pela sua ótica internacionalista, a relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento era aviltante e constituía a contradição primária. Vieira via a fase histórica no Brasil como simultânea e não coetânea, sob uma ótica da antropologia existencial do terceiro mundo: nela há vários estamentos sociais históricos coexistindo.

Conforme dito, então, a luta interna pelo desenvolvimento é representada por um pêndulo que oscila entre a consciência crítica [do trabalhador] que acelera e a consciência ingênua [do exportador] que atrasa. Esse ponto de vista fundado no ferramental, conforme entendemos de Freitas, tem um estatuto epistemológico na aquisição de consciência, tratando-se de um empirio-historicismo.

Freitas conceitua Vieira Pinto como um existencialista que também se utiliza de ferramentas analíticas marxianas. Ocorre que ele transforma a noção de consciência marxiana universal em uma existencialista individual[iii]. Na sua morfologia sujeito-trabalho, o homem está em situação, ou seja, ele percebe os limites do sistema social. E é o progresso nas formas de produção que eleva a consciência pelo aumento no nível de instrução e cultura, trazendo nova compreensão da realidade.

Sobre a visão tecnológica, para Vieira Pinto não há uma era tecnológica pois o homem sempre foi tecnológico. E a tecnologia deve servir ao rico e ao pobre. Entretanto, não é só o acesso, mas uma produção social que visa a amanualidade. Ela é acumulação social de conhecimento, conforme citação: “O avião não foi feito para voar, mas para o homem voar”.

Se o trabalho aliena? Segundo Vieira, não, se há apropriação de técnica elaborada pelo trabalhador. Ante o existencialismo heideggeriano, para quem a técnica é um malefício, Vieira traz a proposta do existencialismo da periferia com relação ao centro.



[i] VIEIRA PINTO, Álvaro. O Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. Notas sobre a introdução de Marcos Cezar de Freitas.

[ii] Assim era como Paulo Freire via o analfabetismo, ele que tinha Vieira Pinto como mestre. O método coloca a realidade no início, há um processo de absorção das imagens da realidade das pessoas, uma imagem concreta do meio.

[iii] Freitas também aborda sua oposição ao aspecto pragmatista e isso, em certo sentido, agrava meu sono dogmático visto que eu estava estudando a filosofia analítica. Trabalhar com TI e ler pragmatismo? Céus!

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