Há uma passagem famosa em filosofia que é
a referência de Kant a seu sono dogmático, que teria sido desperto por Hume. O
sono dogmático de Kant era sua filiação natural ao racionalismo e, daí, racionalismo
dogmático. A crença fiel em uma faculdade racional que poderia ascender a todas
as causas e chegar ao incondicionado, ou seja, uma realidade em si. Essa crença
se abala ao entrar em contato com a crença cética humeana, que se dá na
experiência. Essa descoberta acordou Kant. Então, todos nós temos nossos sonos
dogmáticos. O meu? Basicamente acreditar que trabalho com tecnologia e isso é
tudo. Mas será? Vejamos...
De minha parte, como profissional de
tecnologia da informação eu deveria me enquadrar no campo dos engenheiros, na
classificação de Mitcham e do enfoque analítico, pela divisão de Cupani, ou
seja, uma postura de dentro do processo (essas tipologias estão na postagem
anterior). E isso de fato sempre ocorreu, pois desde adolescente eu já fiz um
colégio técnico em informática (1991), trabalhei como programador (1994) e
depois me graduei em Ciências da Computação em 2002, quando comecei no mercado
corporativo de TI, além de concluir um MBA em Arquitetura de Soluções em 2012.
Porém, um lado meu sempre esteve
descontente com esse papel somente utilitário e vinculante de minha vida com um
trabalho por vezes alienante. Tal questão existencial me levou ao ingresso e
conclusão de uma graduação em Filosofia em 2016, que definitivamente mudou meu
olhar em relação ao mundo, abrindo um campo infinito de conhecimento e
reflexão.
Não obstante, essa formação não foi
suficiente para que eu acordasse de meu sono dogmático. Findada a graduação, a
vida continuou. Aqui e ali e, principalmente nesse blog, sempre tentei manter
um contato com a reflexão filosófica, mas aleatoriamente (e ocasionalmente).
Nesse sentido, eu também sempre tentei me aproximar de temas que de certa forma
se relacionasse com a TI. Se a filosofia é um estudo sem fim, conforme
dissemos, ela o é também, muitas vezes, sem fins. Mas somos práticos, por isso essa
tentativa de aproximação que passou por um estudo mais de perto da filosofia da
mente, depois filosofia analítica e correlatos. Talvez tentando fugir de uma metafísica
que, posto que ainda presente nesses campos, é terreno de vastas dúvidas.
Nessas áreas, o que me interessou foi, na
filosofia da mente a busca por uma teoria epifenomenalista (metafísica!!) e
depois na analítica a conceituação lógica e a abordagem linguística (científica).
Porém, esses estudos não foram profícuos a ponto de me trazerem algum “resultado”,
muito embora tenham sido enriquecedores em muitos aspectos.
Tudo continuava como dantes no quartel de
Abrantes, até que um fato profissional me intrigou. Uma dúvida ética no uso da
tecnologia, uma instrumentalização de uma política social com impactos econômicos
e políticos. Eu sempre vi a tecnologia como meio para a emancipação, embora
obviamente sabendo das distorções no uso e acesso. Porém, em um país como o
nosso, não pode deixar de ser questão essencial ver a tecnologia sem uma
associação direta com nossa desigual distribuição social e de renda, com as
formas de acesso e mesmo com a nossa responsabilização profissional, que seja
uma tomada de consciência.
Em meio a essa polêmica, eu precisava refletir sobre o assunto e me posicionar (mesmo que para mim mesmo). Todavia, eu não tinha e não tenho base para tal, mesmo com a bagagem da filosofia eu me ancoraria em um opinionismo vulgar. Isso me angustiou e levou a uma busca que me direcionou para a Filosofia da Tecnologia. De novo, um espectro amplo, mas concreto. O que tenho visto, até agora, é que a técnica é o substrato da vida humana e tomar essa visão histórica é crucial para que eu possa ter elementos para uma opinião ou conceituação mais embasada e sem relegar o esforço histórico. Será que conseguirei? Não sei, no momento ainda estou desembaçando a vista...
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