quarta-feira, 17 de março de 2021

As circunstâncias da vida

Uma introdução ao pensamento de Ortega y Gasset a partir do convite de Cupani[i]

Cupani traz inicialmente o conceito de raciovitalismo de Ortega y Gasset, segundo o qual a razão, sem prejuízo de sua objetividade, responde às necessidades vitais. O homem tem necessidades biológicas, como viver, mas vive porque quer, isto é, pela sua subjetividade, por um ato de liberdade. E suas atividades são para satisfazer necessidades.

Na natureza, circunstâncias podem levar a que o reportório primitivo de satisfação seja suspenso por um segundo reportório de produção. Para obter o que não há, o homem projeta. Então, seus atos técnicos são reações contra as imposições da natureza, que ele visa reformar gerando uma sobre natureza.

Cupani segue acrescentando que, para Ortega y Gasset, satisfazer-se faz parte do reportório biológico dos atos dos animais, mas é pela técnica que se anulam as necessidades e quando elas deixam de ser um problema. Ao suprimir a necessidade, o homem reduz seu esforço e acaso adaptando o meio a si próprio.

Entretanto, ele produz o supérfluo, pois não quer somente viver, mas viver bem. Buscando um viver bem ilimitado, o bem estar se torna a necessidade das necessidades e não um suposto progresso que logo, é abandonado por circunstâncias, sejam elas possibilidades ou dificuldades.

Para Gasset, o homem busca uma pretensão de ser, um programa de vida que se molda nas circunstâncias da natureza e do mundo. Pois bem, como a vida não é dada, ela é um constante problema na qual o homem está na situação de técnico. Viver não é contemplação, mas produção [que pode exigir uma teoria].

E daí as várias técnicas usadas em cada época ou cultura, guiadas pelo nosso desejo de sermos algo. Conforme Cupani, um dos aspectos mais conhecidos da Meditação, de Ortega y Gasset, é a mudança da técnica que passa da 1.) técnica do acaso, para a 2.) técnica do artesão chegando até a 3.) técnica do técnico.

1.) Primórdios e povos primitivos: baseada em técnicas escassas. O ser humano não sabe que pode inventar e produz coisas por acaso, diversão, etc. Ele não se sente como homo faber.

2.) Grécia, Roma e Idade Média: aumenta repertório técnico, mas sua perda não é perda de sobrevivência, ou seja, não há crises técnicas. A técnica não é vista como pertencente ao animal, mas não passa de um dote. É a atividade dos artesãos, a techne grega que não visa uma invenção pois se volta para a tradição e apresenta lentas melhorias. Ressalta-se que o homem produz instrumentos, não máquinas

 3.) Século XX: técnica já se apresenta como algo não natural, mas uma peculiaridade do homem que vai além do animal. De ilimitada, chega a ser antitética pois para lá do que imagina nossa consciência. Chega-se ao império das máquinas, da manipulação passa-se à fabricação e o homem relegado a um papel secundário.

Se, antes, o técnico estava preso a uma finalidade proposta, aqui o engenheiro já tem consciência que pode inventar. Na ciência moderna a ciência física nasce da técnica, da análise racional que propicia uma nova experiência das coisas. Mas, em caso de perda, é mais difícil recuperar. E, por todo poder que pode alcançar, ela ameaça.

Contudo, se é o tempo da fé na técnica, também é o tempo que vida se torna vazia pois, de tão formal, perde o conteúdo. E, assim, a plenitude tecnológica pode levar ao vazio existencial.



[i] Conforme Cupani, Alberto. Filosofia da tecnologia: um convite. 3. ed. - Florianópolis: Editora da UFSC, 2016. Capítulo 2: Estudos Clássicos: Ortega y Gasset. Baseado na curta obra Meditação, segundo Cupani.

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