Milton
Vargas mostra uma relação histórica imanente entre metafisica, como raiz da
realidade, e técnica[i]
Metafísica.
Se a metafísica, hoje, tem uma conotação pejorativa tratando de falsos problemas
ou um jogo mental sem sentido diferente da ciência, no início do século XX ela pode
ressurgir como base da realidade concreta. Isso indica que há uma conexão entre
metafísica e vida humana, sobre a edificação do homem no mundo[ii] e ela traria a raiz da realidade,
ou seja, a maneira de pensar e agir de uma época.
Nesse sentido, a metafisica é uma teoria da realidade
radical e busca a certeza radical em que as demais se baseiam. A raiz aqui
abordada é “mi-vida”, isto é, a realidade. Não a vida humana, mas minha vida
que é céu, terra, os homens, as ciências e a metafisica. Eu e as coisas.
Para cada ciência há uma metafisica, em cada época.
Milton Vargas identifica cinco momentos históricos: 1.) Grécia clássica; 2.) antiguidade
medieval; 3.) renascimento; 4.) Europa barroca; 5.) mundo ocidental hoje e a
metafisica responsável pelos prolegômenos científicos. Nesse histórico, 3
perguntas a norteiam: “o que é?”, “o que existe?” e “o que há?”.
O que é? A pergunta grega
clássica “o que é?” revela a physis como substrato por detrás da aparência e
que é uma crença básica, anterior ao discurso. Para os gregos, há uma crença na
certeza do mundo de onde vem o espanto e a pergunta pelo ser. É a metafisica de
Aristóteles, a teoria grega da realidade radical, teoria ontológica que mostra
a substância por detrás da aparência.
Então, aqui não
cabem as perguntas “o que existe?” e “o que há?” pois há certeza da substância.
Relacionando metafísica e ciências, a matemática grega (de Tales a Euclides) é
o prolegômeno. São três etapas: parte-se da sensação, que é individual, seguindo-se
ao raciocínio, que é universal, aportando-se na inteligência, quer dizer, no inteligível.
A ciência leva à postulação de uma metafisica percorrendo o caminho que vai do sensível
para a geometria e aritmética dos objetos matemáticos até a metafisica que é livre
de mutabilidades: são as ideias platônicas e as substâncias aristotélicas.
Entretanto, na Idade Média, a certeza grega se desfaz
e a crença passa da physis para Deus, como sustentáculo do mundo exterior. São Tomas
invoca a mesma metafísica, mas com outra verdade: o ser que era sustância passa
a ser Deus como realidade primeira e colocando a teologia no centro do
pensamento.
O que existe? Porém,
no renascimento, Deus perde força no conjunto das ultimidades e a metafísica
moderna, ao duvidar da realidade do mundo, traz uma nova questão: “o que
existe?”. Aqui, a fonte da realidade
radical é o pensamento, seja dos racionalistas, com o cogito e razão, seja dos
empiristas, com a tábula rasa, na qual percepções e ideias ali são inscritas.
Milton Vargas mostra o paralelismo do desenvolvimento
entre metafisica e ciência, tendo como prolegômeno a mecânica de Galileu que “primeiro
concebe com a mente”. Essa realidade mental enxerga a natureza como máquina, em
oposição aos gregos, para os quais a physis era um organismo animado.
E a metafísica atingirá o clímax com a Dinâmica de Leibniz
que tem a força como elemento constitutivo da realidade. Daí surge o conceito
das mônadas, que não têm extensão nem matéria e, também, a teologia racionalista
[do melhor dos mundos possíveis].
Mas, depois disso, há uma ocultação do ser do
pensamento que já não é mais realidade radical, pois o que tem a ver com a
coisa tapa a coisa. O ser do pensamento cobre o ser psicológico subordinando a
metafisica à psique humana, assim como a verdade formal oriunda da revolução logico-linguística
traz uma aversão à metafisica a partir do positivismo e filosofias analíticas.
O que há? Por
detrás desse ocultamento há um todo abrangente e um saber único. Perante as
certezas particulares, urge uma nova metafisica que vem da pergunta “o que há?”.
Se na Idade Moderna o pensamento estava associado à consciência que, através de
sua clareza e distinção, consciencializava tudo em busca da verdade lógica depois,
pela lógica e pela linguagem, formalizou a matemática até chegar ao computador eletrônico.
Mas, Jung traz uma nova concepção do pensar inconsciente procedente de experiências
ancestrais e cósmicas.
O pensamento aparece subordinado e vai do individual e
transcendental para a totalidade abrangente. Tem algo na mente que não é, mas há
e se estabelece um processo imanente na batalha entre o consciente e o
inconsciente. Jung, em seu inconsciente, conceitualiza uma matriz dos fenômenos
psíquicos mãe de tudo, uma Pan Mater. E é essa psicologia profunda que pode
gerar uma nova metafisica.
A nova manifestação do ser aparece em Kierkegaard pela
subjetividade que não reconcilia fé e conhecimento, em Nietzsche com o fim da transcendência
e a ontologia do ser do Dasein, ser imanente de Heidegger.
Voltando ao início, a pergunta moderna “o que há?” vem
respondida pelo mi-vida. A realidade radical vem do profundíssimo de nós e de
uma tensão dialética que se da no plano de imanência, por um lado por uma tendência
anti-noética e, por outro, por um voltar-se racional ao mundo. Tal nova
formulação da teoria da realidade radical é imanente e vem das profundidades de
uma alma ancestral e essa nova metafisica pode ser o modelo de ciência, da
psicologia profunda para as realidades últimas.
[i] Conforme Crenças, ciências e
metafísica, Capítulo 2 de Vargas, M. (1994). Para uma filosofia da
tecnologia. São Paulo: Alfa Omega.
[ii] Milton Vargas traz nesse artigo concepções de Julián Marías e Ortega y Gasset que trataremos indiscriminadamente, pois o que nos importa é a conceituação.
Julían Marías: “Biografia da Filosofia – Ideia da Metafísica”; Ortega y Gasset: “Ideas y Creencias”; Marías: “Ensaios da Teoria”; Ortega y Gasset: “Apuntes sobre el Pensamiento”
ResponderExcluirBora pro cap. 3: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/04/a-matematica-e-metafisica-grega.html
ResponderExcluir