Introdução ao pensamento de Anders a partir de minha livre
interpretação do texto de Agostino Cera[i]
Ser humano sem mundo.
Diferentemente dos animais, que já nascem com seu espaço vital pronto, o homem
nasce sem um espaço vital próprio. O homem nasce sem um lugar no mundo e tem que
construir sua habitação. Então, em nossa origem está essa falta de mundo, uma “desterritorialização”
que precisa ser construída, pela técnica.
Anders ancora sua análise na antropologia
filosófica alemã que traz o paradigma do homem como um ser deficiente, ou seja,
não terminado. Perante essa estranheza do mundo, moldar o espaço aproxima a
antropogênese da tecnogênese.
Mundo sem ser humano.
Com a técnica o homem moldou seu mundo. A técnica evoluiu para a tecnologia e
Anders presenciou os campos de concentração alemães e a bomba atômica, o que,
segundo Cera, instou sua obra original e um sentimento entre a obsessão e a culpa.
Essa evolução tecnológica coloca em dúvida o futuro, já que a tecnologia deu
tamanho poder ao homem que ele pode se auto destruir.
Parafraseando o mito do Prometeu de apropriação
do conhecimento, o homem vai do creatio ex nihilo ao reductio at nihil.
A onipotência abre caminho para o infinito. Extrapolando Nietzsche, Anders traz
o conceito de aniilismo, isto é, aniquilação e niilismo, a fórmula de um
apocalipse sem reino onde um mundo novo só é possível pelo auto aniquilamento.
A tecnologia e o homem.
Em sua obra-prima “A obsolescência do ser humano”, defendeu que há uma relação
de obsolescência, de desatualização entre a tecnologia e o homem. A tecnologia,
se criatura do homem, superou o criador e se tornou mais perfeita. O ser
humano, perante a tecnologia, é imperfeito e não se atualiza na criação. Então,
ele tem um papel de coadjuvante na história tecnológica e se abdica.
Dessa forma, a tecnologia se naturaliza e
temos em nosso horizonte, outrora povoado pela natureza, a tecnologia. É a confusão
entre techne e physis: Technature, naturalização da tecnologia ou
tecnologização da natureza. Nessa Technature o próprio homem, que antes era
Homo Faber passa a ser Homo Matéria, pois o ser desse mundo é um ser
realizável, tudo deve ser feito, tudo deve ser consumido. Assim, o homem se
nega e se faz matéria aonde o ser humano é um recurso humano orientado a uma tecnodiceia[ii]. Tendendo a se libertar
de ser somente homem, o homem se intersecciona entre um super homem e um homem
matéria, desumanizado.
* * *
* *
Cera contextualiza Anders na primeira
geração dos filósofos da tecnologia, que seriam deterministas e estariam mais
preocupados com a ontologia tecnológica[iii]. Segundo ele, houve uma
revolução empírica na Filosofia da Tecnologia (chamo-a Fitec), por volta dos
anos 80, que a teria encaminhado para uma visão ôntica (Ihde[iv]) e de resultados.
Entretanto, Cera argumenta que a destinação
dessa análise de Anders se afasta do misticismo conceituado por Heidegger e
permite uma análise filosófica do conceito. Além disso, Cera nos lembra que
Anders traz a necessidade do uso da criatividade que teria sido superada pelo
uso da produção. Se a tecnologia ficará, é nosso papel estimularmos a nossa criatividade,
até para que ela sirva como uma forma de compreensão da tecnologia e possa nos
trazer uma responsabilidade social[v].
[i] Conforme capítulo 1 de Filosofia
da Tecnologia. Seus autores e seus problemas. Organização de Jelson
Oliveira e prefácio de Ivan Domingues, resultado da iniciativa do GT de
Filosofia da Tecnologia da ANPOF. Caxias do Sul, RS: Educs, 2020.
[ii] Lembremos da teodiceia, aqui vista
do ponto de vista da tecnologia. Conforme Cera mostra, o homem passa de uma
ansiedade psicológica para uma ansiedade soteriológica em busca da salvação.
[iii] Classifica-o também como homem de
esquerda, se opondo a Arnold Gehlen. Também assumiu uma posição de luta fora da
academia, subvertendo o habitus filosófico. Contra o otimismo de Bloch,
via a crença na esperança como covardia.
[iv] Don Ihde, chegaremos nele.
[v] E assim, pela criatividade, eu vou
acordando do meu sono dogmático.
Nenhum comentário:
Postar um comentário