Russell inicia esse capítulo retomando as relações e as trata como
entidades com um tipo de ser diferente dos objetos físicos, das mentes e dos
dados-dos-sentidos, remetendo o seu tratamento à bem sucedida teoria das ideias
de Platão. Ao questionar a noção de justiça, a teoria das ideias (ou formas) começa
por verificar atos justos particulares mostrando que todos eles participam de
uma natureza comum (ou essência), “a
justiça”. De posse dessa essência que não está presente no mundo, pois não
é particular e nem se degrada, ele a caracteriza como eterna, assim como a brancura,
etc.
Para Platão, o mundo suprassensível das ideias é o real ao passo que
nosso mundo dos sentidos é uma cópia, o que nos levaria a buscar por esse conhecimento
beirando um misticismo. Porém, Russell enfatiza que na verdade sua base é
lógica e entende as ideias de Platão como universais, em oposição ao particular
dado pelos sentidos, e compartilhado por eles.
Então Russell define a maioria das palavras como universais: substantivos,
adjetivos, preposições e verbos, deixando como particulares os nomes próprios e
pronomes. Com base nisso, ele argumenta que nenhuma sentença pode ser feita sem
universais e que todo conhecimento de verdades então está ligado a eles,
reforçando essa abordagem ao dizer que todas as palavras do dicionário são
universais e que muitas vezes tentamos transformar universais em particular
como no caso da sentença: “Charles I's head was cut off”. Pensamos em Carlos I,
na sua cabeça e no ato de cortá-la como particulares quando na verdade cabeça e
cortar são universais.[ii]
Ele acusa o negligenciamento no uso de preposições e verbos como
universais em detrimento dos adjetivos e substantivos, já que os últimos
expressariam propriedades das coisas e os primeiros tratariam de relações entre
elas, supostamente não existentes, como, por exemplo, o monismo de Espinosa e
Bradley e o monadismo de Leibniz. Russell considera verbos e preposições mais
universais, de fato. Ao tratar da brancura, ele relembra que sua existência foi
negada por Berkeley e Hume, pois eram ideias abstratas inexistentes, porém não
usar ideias abstratas significa comparar coisas particulares por semelhança,
mas ela mesma seria um universal.
Admitindo, então, as relações como universais, Russell mostrará que não
são meramente mentais. Ao tratar da proposição "Edimburgo está ao norte de
Londres" Russell diz que apesar da discordância de Berkeley e Kant, essa é
uma relação que já está no mundo antes de nossa apreensão e pertence somente a Edimburgo
e Londres. Assim, sendo um fato independente do pensamento, a relação “norte de”
presente na proposição é um universal independente da mente humana. Porém,
diferentemente de Edimburgo e Londres, a relação “norte de” parece não existir
em nenhum tempo e lugar.[iii]
Relembrando a ambiguidade no conceito da ideia de Berkeley, Russell diz
que podemos pensar em um universal, cada homem pode ter um pensamento
da brancura, mas a brancura é o objeto desses pensamentos e diferente
deles. Para finalizar, Russell caracteriza o mundo dos universais, em oposição
ao mundo da existência onde pensamentos, mentes e objetos existem no tempo,
como o mundo dos seres "sem tempo", imutável e rígido. Se, ao
contrário, o mundo da existência é vago e fugaz, ele é o mundo da vida, porém,
acrescenta ele, ambos os mundos são reais e importantes para os estudos
metafísicos e serão explorados adiante.
[i]
Bertrand Russell, Problems of Philosophy. THE WORLD OF UNIVERSALS. Acessado em
24/6/2019: http://www.ditext.com/russell/rus9.html.
Ver o seguinte
fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/a-mente-que-liga-o-mundo.html.
[ii] Conforme suas palavras: “Hence we succeed in avoiding all notice of
universals as such, until the study of philosophy forces them upon our
attention”.
[iii] Ele diz
disso: “It
is neither in space nor in time, neither material nor mental; yet it is
something.”