quinta-feira, 27 de junho de 2024

Manga não é manga

Tenta abordar a distinção entre definição e descrição e como ela pode esclarecer problemas de linguagem[i]

Nós comentamos que “não podemos sentir a dor do outro”. Eu não posso sentir a sua dor de dentes. Ocorre que essa impossibilidade é lógica e tentaremos elucidar. E, para isso, voltaremos ao contexto.

Vejamos um exemplo: “manga não é manga”. Essa sentença faz todo o sentido se estivermos usando os termos para falar da vestimenta e da fruta. Mas se assumirmos a convenção de que a manga da camisa não é mais somente manga, mas “manga da camisa”, então “manga seria sempre manga”, isto é, a fruta.

Nós podemos notar, com esse caso, que uma sentença pode ser verdadeira ou falsa dependendo do contexto, mas isso porque estamos nos referindo a algo no mundo, estamos tratando de sentenças que descrevem fatos, “descritivas”.

Por outro lado, não dá para dizer que “ele caiu para cima”, pelo menos aqui na terra e em se tratando do contexto físico. Essa é uma definição, uma regra que não é verdadeira nem falsa. Dizer que “caiu para cima” é uma impossibilidade lógica, assim como dizer que a “bola não é bola”.

Há, em Wittgenstein, de acordo com Nara, essa impossibilidade lógica e é exatamente essa impossibilidade lógica que faz com que “eu não possa sentir a sua dor de dente”, porque partimos de uma regra de que há uma dor interna de cada um. Mas se essa regra é flexibilizada e você me diz que está sentindo aquele dor de “raspar o dente para retirar uma cárie”, então eu posso dizer que já senti essa dor e, então, nós sentimos a mesma dor.

Seria esse argumento, se bem eu entendi até agora, que versa contra a linguagem privada, ou uma dor não compartilhada, ou um ego intransponível que beira o solipsismo. Isso tudo é um problema de linguagem. Se fizermos a análise da linguagem, dos usos termos, veremos que muitos conceitos caem e a metafísica pode se esfarelar. Mas esse trabalho é árduo e complicado e nosso entendimento do problema ainda é igual ao de um bebezinho que aponta para as coisas.



[i] Essas últimas observações têm se baseado no “ESTUDO SOBRE REGRAS E LINGUAGEM PRIVADA”, de Nara Miranda de Figueiredo, conforme referido em https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/06/apontar-nao-e-nada.html. Os erros de compreensão são meus, pois ainda são notas muito embrionárias de quem está com pouco tempo. 

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Apontar não é nada

Menino, não aponta o dedo que é feio![i]

A gente normalmente está acostumado a apontar para alguma coisa quando se pergunta pelo significado de algo. Por exemplo, quando nos perguntamos sobre uma maçã, podemos apontar para a fruta e então podemos falar sobre ela. Isso é muito comum, os bebês desde cedo aprendem dessa forma, apontando, não é mesmo? (já imagino aquele dedinho para cima)

Na maior parte das vezes, então, falamos sobre coisas e aí fica óbvio que esse é um caminho natural e correto. Até mesma sobre nossos problemas, nós os nomeamos e falamos sobre ele, eles se tornam coisas tangíveis. A gente fala de uma coisa, mas a gente usa a linguagem para falar dessas coisas. Porque as coisas em si mesmas estão lá paradas, quietas. A cadeira está lá, eu posso até atribuir uma propriedade para cadeira e ainda assim ela está lá. E podemos usar frases para colocar a cadeira em movimento, como ao dizer que a cadeira está “gasta”. Aí passamos uma ideia de movimento atribuindo um estado à cadeira, ela era nova e com o tempo ficou velha.

Mas há ocasiões em que não conseguimos apontar para as coisas e aí passamos para uma seara de difícil comunicação. Eu posso falar que estou ansioso, mas eu não consigo apontar para uma ansiedade. O número um, onde está? Há muitos casos que fazem com que nós tenhamos que “significar” as coisas de outro modo, que não o apontar. Daí conclui-se que a significação não se coaduna com a referenciação e uma coisa que parecia banal sofre um salto e precisa de nova interpretação.

Além do mais, o apontamento é nominalismo porque a palavra maçã significa a fruta maçã. A palavra é uma etiqueta para a coisa. Mas não é o caso que o significado de maçã seja a sua correspondência com a fruta porque isso fura a regra para muitos outros casos. Em realidade o significado de maçã se dá pela forma pela qual usamos a palavra maçã na linguagem.

Primeiro, pelas regras gramaticais, quando temos o entendimento de que maçã é um substantivo ao qual atribuímos propriedades, como cor, tamanho, etc. Segundo, ao usarmos dentro de um contexto, vejamos. Se um russo chega agora aqui em casa e eu ofereço uma maçã, ele prontamente poderá usar seu dicionário bilingue para entender o que eu quis dizer. Mas se eu pergunto para ele se quer uma maçã do amor, isso poderá deixá-lo em pandarecos porque maçã do amor é muito entendível por muitos, mas não por todos, e esse é outro problema de linguagem.



[i] Trata de um problema de linguagem que me surgiu quando dando uma lida em “ESTUDO SOBRE REGRAS E LINGUAGEM PRIVADA”. Acesso em 22/06/2024 pelo link: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-02122009-093554/publico/NARA_MIRANDA_DE_FIGUEIREDO.pdf. 

sábado, 22 de junho de 2024

Um problema de linguagem

Uma primeira reflexão sobre a linguagem privada

Eu falo e você me ouve, mas entende? Ora, aparente sim, nos comunicamos e a vida segue. A gente vai conversando e se comunicando, a gente vai sobrevivendo. O problema é que não há garantias de que você entende o que eu falo e um dos pontos principais é a suposição de que há uma linguagem privada que você tem e outra que eu tenho.

É como se você precisasse inferir a partir do seu estoque de coisas mentais, de coisas aprendidas, o que eu digo. Esse tipo de pensamento traz a impressão de que cada um tem a sua caixinha de coisas guardadas que dão sentido ao mundo. Então eu digo algo do meu estoque que tem um significado para mim e você escuta e processa de acordo com o seu mundinho. Vida que segue.

Ocorre que essa linguagem privada é quimera. Você pode ter uma dor dente e essa dor de dente é sua. Não adianta você me dizer que dói demais, eu não sei o que é isso. Eu posso saber por uma expressão, por uma cara de dor ou por uma reclamação reiterada. Você não pode me comunicar a sua quantidade de dor de dente e não há uma regra para medir a sua dor dente. Ora, com a linguagem é o mesmo.

Não adianta você dizer que entende A ou B do que eu falo. E eu falo C. A, B e C são coisas mentais e privadas e não existe uma linguagem privada porque não existe linguagem de uma pessoa. Pode haver um discurso mental, aquele capetinha que fica no ouvido. Mas isso é seu, não me importa.

Pode haver, no mínimo, uma linguagem de dois, mesmo que seja um dialeto, mas é algo que vai se acordando. Linguagem é acordo, é para fora, não é para dentro. Não importa o que algo significa para você, importa o que você expressa e o que o outro pode entender, e isso é um problema básico de linguagem.

  

sábado, 8 de junho de 2024

Dogma... Pra quê?

Pseudo manifesto sobre o viver[i]

É notável o esforço filosófico e sua contribuição nas mais diversas áreas. A filosofia se desloca pelos temas e traz reflexão. Ocorre que, aparentemente, a filosofia é muita subjetiva e pouco colaborativa. Um fruto daqui é colhido ali, há o edifício, porém dentro dele, os imóveis são de um morador. Ora, não podemos imaginar que há uma irrupção do espírito absoluto em uma mente, então, há dogma. Por mais rebelde que uma filosofia possa ser, seu dono nela acredita fazendo com que uma digressão vire dogma. Contudo, podemos viver sem ele(s)?

Precisamos pesquisar se há uma teoria filosófica livre de dogmas. Teoria e dogma dificilmente andam separados. Mesmo uma teoria com base empírica revela leis sub-reptícias. E uma teoria “quer” se estabelecer sendo que, para isso, o dogma é seu aliado. Entretanto, vemos cristalinamente as mais pujantes teorias se esvaírem. Dia-após-dia. E aqui convém ressaltar um ponto fundamental: não queremos negar a utilidade de uma teoria, há teorias de enorme aplicação prática. Queremos negar seu produto: o dogma. Ou sua base.

Isso posto, há sentido em uma vida sem dogmas? A resposta não é simples e ela envolve não somente considerações teóricas, mas também os impactos no viver, no bem viver. E não parece que uma bandeira de vida possa ser destrutiva. Não aventamos um não dogmatismo ou antidogmatismo. Importa passar os dogmas em revista. Importa viver praticamente, respirar. Comer, dormir e acordar da melhor maneira dentro das possibilidades que, em constante mudança, se apresentam. MUDAR. Mudar é uma postura que leva o cãozinho dogma consigo. Ele cai na mudança. Ele morre? Não sabemos, mas tentaremos sobreviver.



[i] Escrito depois de umas e outras, dia primeiro de maio de 2024, às 00h18.