Sobre a reprodução das condições de
produção. Ensinamento básico sobre o capitalismo: ao mesmo
tempo em que produz tem que reproduzir as condições de produção (renovar). Para
o capitalista, não basta somente produzir hoje, as mesmas condições devem ser
reproduzidas amanhã, para que seja possível produzir novamente. É difícil
pensar sobre isso, abstrair que seja, porque as evidências da produção estão
embutidas em nossa consciência. Mas é certo que a formação social deve
reproduzir as forças produtivas e as relações de produção existentes.
Reprodução dos meios de produção.
Não há produção possível sem que haja a reprodução das condições materiais de
produção. Todo ano cada empresa deve prever o que é usado ou o que se gasta em
sua produção. A reprodução ocorre não somente dentro da empresa, mas mesmo em
nível nacional ou mundial, para que a procura possa ser satisfeita pela oferta.
Reprodução da força de trabalho.
A reprodução das forças produtivas acontece essencialmente fora das empresas. O
salário que figura na empresa só como capital “mão de obra” é a condição na
qual o proletário se reproduz. Esse valor vem de um mínimo historicamente
consolidado a partir da luta de classes. Mas a força de trabalho deve ser
qualificada e reproduzida como tal e é assegurada pelo sistema escolar
capitalista que ensina saberes práticos, além das outras instituições que
também reproduzem o capital. A escola também ensina regras de conduta e a
preservar ordem estabelecida. Escola, igreja, exército: essas instituições
ensinam saberes práticos, mas também como se submeter à ideologia dominante,
seja para mandar ou obedecer. Reproduzir a força de trabalho é reproduzir
qualificação e sujeição.
Infraestrutura e superestrutura
(linguagem da tópica). Metáfora do edifício: na base
econômica ou infraestrutura estão as forças produtivas e as relações de
produção, nos andares superiores está a superestrutura com o jurídico, o
político e as ideologias. A superestrutura é afetada pela base, mas há uma
autonomia relativa da superestrutura sobre a base e também uma ação em retorno.
É a partir do ponto de vista da reprodução que é possível e necessário pensar o
que caracteriza o essencial da existência e natureza da superestrutura.
O Estado.
Máquina de repressão que permite à classe dominante submeter a classe operária
ao processo de extorsão da mais valia. A teoria marxista-leninista capta o
aparelho de estado como aparato jurídico e político e como exército que
intervém diretamente, quando necessário.
Da teoria descritiva à teoria.
A metáfora do edifício e a natureza do estado são descritivas. Teoria
descritiva é a primeira fase de toda teoria, mas transitória porque qualquer
teoria deve ultrapassar o caráter descritivo. E a acumulação de fatos do estado
não faz avançar em direção a sua definição, a uma teoria científica.
O essencial da teoria marxista do estado.
O aparelho de estado só tem sentido em função do poder do estado. O objetivo da
luta de classes visa o poder do estado e a utilização do aparelho de estado
para seus objetivos de classe. De acordo com Marx, até a destruição do estado,
um dia, pelo proletariado.
Os aparelhos ideológicos de estado - AIE.
A teoria do estado deve distinguir poder de estado e aparelho de estado, mas
também, os aparelhos ideológicos de estado. O que, na teoria de Marx, significa
aparelho de estado, aqui será chamado aparelho repressivo de estado que usa
violência, mesmo que não física. AIE são as instituições: AIE religioso, AIE
escolar, AIE familiar, AIE jurídico, político, sindical, da informação e
cultural. Enquanto o aparelho (repressivo) de estado pertence inteiramente ao
domínio público, o AIE pertence aos domínios privados (e o domínio do estado
escapa ao público e ao privado). Diferença fundamental: o AE funciona por
violência e o AIE por ideologia, embora às vezes eles se combinem. Os AIE,
apesar de diversos, o que os une é funcionar pela ideologia, a ideologia da
classe dominante. Entretanto, os AIE são não somente os alvos, mas o local das
lutas de classes, dada a dificuldade de acesso ao aparelho repressivo.
Sobre a reprodução das relações de
produção. A reprodução das relações de produção é assegurada
pela superestrutura jurídico-política e ideológica. É assegurada pelo exercício
de poder de Estado nos aparelhos de Estado.
Então:
1. Aparelhos de estado funcionam pela repressão e
ideologia - AE massivamente pela repressão e AIE pela ideologia.
2. Aparelho (repressivo) de Estado funciona como um
todo organizado sob um comando único na mão da classe que detém o poder; os AIE
são múltiplos, distintos e sujeitos a contradição.
3. Unidade dos AE assegurada por organização
central, dos AIE assegurada em formas contraditórias pela ideologia dominante
que é a da classe dominante.
A representação da reprodução das relações de
produção se dá pelo papel do aparelho repressivo de estado que assegura pela
força as condições políticas da reprodução das relações de produção e assegura
pela repressão as condições políticas do exercício dos aparelhos ideológicos de
estado. Se, na formação social capitalista, há um elevado número de AIE, no
feudalismo, embora a unidade do aparelho repressivo fosse semelhante, o número
de AIE era menos elevado. Na verdade, o AIE religioso, a Igreja, consolidava
muitos AIE: escola, cultura, etc., e atuava em conjunto com a família. Tanto o
AIE dominante era a igreja, que se seguiram a reforma e uma luta ideológica de
séculos, e mesmo a revolução francesa. A burguesia visava suprimir o poder
ideológico dominante da igreja e, ao lutar pela ideologia política, a burguesia
também visou a luta da reprodução das relações de produção capitalista pela
hegemonia ideológica, que, já nessa fase, era o AIE escolar (embora parecesse
ser o AIE do estado político). Isso porque com a burguesia no poder variou o
AIE político: seja de democracia, da monarquia, etc. Então o duo escola-família
substitui o duo igreja-família.
Portanto:
1. Todos os AIE concorrem para a reprodução das
relações de produção, ou seja, de exploração.
2. Cada um com a parcela que lhe cabe, imprensa,
política, cultura, religião, etc.
3. O concerto é dominado por uma partitura única
(moralismo, nacionalismo e economismo) que de vez em quando é perturbado pelas
contradições.
4. Nesse concerto, o AIE dominante é a escola.
A escola toma a cargo todas as crianças de todas as
classes sociais, entre o AIE familiar e o AIE escolar, inculca a ideologia
dominante, e forma operários, funcionários médios, agentes de mando, agentes de
exploração e agentes de repressão. Cada um sabe seu papel de acordo com a
ideologia que lhe foi inculcada, já que a escola dispõe de muito tempo no dia e
muitos anos na vida. É na aprendizagem que são reproduzidas as relações de
produção de uma formação social capitalista pela ideologia da classe dominante,
dissimulada na neutralidade da escola, como se fosse desprovida de ideologia.
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* Louis Althusser, Os Aparelhos Ideológicos de Estado.