terça-feira, 16 de maio de 2023

Prefácio Livro Azul

Dúvida que os jogos de linguagem sejam explicação suficiente para refutar o conceito de sentido proposicional no uso da linguagem[i]

O prefácio do Livro Azul aparenta indicar que, quando Wittgenstein refuta o significado de uma proposição, sua teoria de jogos de linguagem é insuficiente para dar conta do uso da linguagem. Na verdade, o autor do prefácio questiona se os jogos de linguagem podem ser considerados uma linguagem primitiva, isto é, uma simplificação da linguagem, ou seria considerado uma outra linguagem, ainda que haja um conceito aproximado ao de jogo de linguagem que é o de notação. Entretanto, tudo isso se mistura, na argumentação de R.R., do que seria uma concepção do Livro Azul, do Livro Castanho[ii] ou das Investigações.

Mas, o ponto central é se, e como, se poderia abrir mão do significado, ainda que fosse possível se comunicar e se entender, independentemente de que se possa explicar o significado daquilo do que se fala, conforme citação: “podemos falar e compreender o que é dito – sabendo o que significa – sem que isso queira dizer que podemos dizer o que significa” (p. xi). Essa ideia é de uma aprendizagem da linguagem como treino e iria de encontro a proposta de Santo Agostinho de que já haveria uma estrutura de linguagem pronta e que o ensino da língua se daria pela explicação do significado de expressões.

Entretanto, ressalta o autor, também há em Wittgenstein uma busca pela natureza da linguagem que se opõe a sua logicização, como quando, de novo em referência a Agostinho, ele mostra haver a consideração dos demonstrativos isto e aquilo como nomes autênticos, ao passo que os nomes próprios seriam inexatos. Porém, ele não teria explicitado de onde vem essa tendência de análise lógica, se de um modelo de linguagem que usa regras exatas similares as da ciência ou de uma origem de uso metafisico, embora sempre ressaltando que o sentido que as palavras têm é o sentido que lhes damos.

Por fim, é um pouco disso que se trata, se a natureza da linguagem está baseada no uso, seria possível utilizar a linguagem e seus signos nos jogos independentemente da noção de sentido? Se esse é o caso, conforme R.R., “...o método tem de ser aí um tanto diferente. Não se pode esperar tanto dos jogos de linguagem” (p. xx).



[i] WITTGENSTEIN, L. O Livro Azul. Lisboa: Edições 70, 2018.

[ii] Esses dois foram ditados aos seus alunos.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Anotações Livro Azul

Visa trazer anotações iniciais sobre uma primeira leitura d’O Livro Azul[i]

Substantivação: Wittgenstein nos chama a atenção, na primeira página (p 21), para uma prática que leva a erros filosóficos, qual seja, ao tratar de um substantivo procurar por um objeto associado. Aqui parece uma espécie de crítica à ostensão[ii], quando uma palavra é significada apontando para uma coisa e também visa marcar um objeto, defini-lo de forma fixa e não pelo dinamismo da linguagem. Um antídoto a essa prática seria reformular perguntas que se referem ou buscam por coisas por perguntas que buscariam por uma explicação de palavras ou conceitos para fugir do objeto. Na verdade, mesmo a ostensão não garante o significado, já que a interpretação pode variar. (Por exemplo, eu aponto para algo no céu que chamo avião, mas você pode chamar disco voador.) Por outro lado, há um uso mistificador da linguagem (p 29) que nos confunde quando tratamos de certos substantivos, como o tempo e queremos verificar a sua natureza[iii] tendendo-se a diviniza-lo.

Frege: entendemos que há uma crítica ao conceito de sentido posto por Frege, que seria algo que daria vida à linguagem, ao invés de meros signos inertes, porém que pareceriam direcionar a algo imaterial, quando Wittgenstein entende que o sentido vem da utilização da linguagem. Aí teria uma referência implícita a Occam, ao se questionar por que a adição de um sentido animaria aquele signo. Evita-se o sentido pela utilização e a frase ganha vida pela linguagem. Na verdade, os mais variados sentidos são descobertos pelo uso em cada caso particular, em cada contexto e é pela gramática que o sentido pode ser explicado.

Depois de falar sobre dificuldades na compreensão gramatical, jogos de linguagem aparecem como simplificações de linguagem (p 44), próximos de uma linguagem primitiva ou daquela usada pela criança e que não envolveriam pensamentos complexos, permitindo desnudar o uso da linguagem habitual e que se mostrarão, a bem da verdade, similares ao de uma linguagem mais complicada.

Ele trará um método de análise linguística (p 61) que não se aterá a qualquer tipo de significado verdadeiro para uma palavra, mas que mostra que seu sentido é sempre dado por alguém e que são expressos pela linguagem comum, mas perfeita que uma linguagem ideal. E também um método que rejeita que há um processo mental de pensamento como uma instância além do seu mero caráter de expressar o pensamento, isto é, o ato mental não passa de manipulação dos símbolos pela linguagem. Ele remete a velha distinção entre um mundo mental e um mundo físico, sem que nos esqueçamos de que nossas certezas pessoais ou mesmo estados psíquicos podem nos levar a um excesso de subjetivismo, ao passo que proposições sobre objetos físicos pode sem comprovadas pela experiência.

Temos certeza de quão rasas são essas primeiras notas da obra e o quão incerto meu entendimento, o que nos instiga a futura leitura detida, mas falemos dos tão polêmicos dados dos sentidos que nosso autor traz ressaltando a atitude metafisica e que parece desmistificar o idealismo / solipsismo. Para ele, o metafísico aproxima os dados dos sentidos e que seriam privados, aos corpos físicos, tratando ambos como verdades científicas, como que expressando aquela indubitável certeza. Mas, não seriam eles, os dados dos sentidos e o objeto físico uma e a mesma coisa? Isso ele parece dizer (p 114), quando compara os dados visuais de uma árvore com a árvore física. Ora, sem os dados visuais dela, a árvore deixaria de existir? Finalizemos com a citação: “Ora, o perigo que corremos quando adotamos a notação dados dos sentidos é o de esquecermos a diferença entre a gramática e uma declaração sobre dados dos sentidos e a gramática de uma declaração, exteriormente semelhante, sobre objetos físicos.” (p 123). 



[i] WITTGENSTEIN, L. O Livro Azul. Lisboa: Edições 70, 2018. Anotações expressas..

[ii] Como sendo o sentido.

[iii] Santo Agostinho recebe uma crítica mais a frente por querer “medir o tempo” (p 58) – tempo que é sempre fugidio....