sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Mentes Distintas

Passa de forma rápida por aspectos da mente em Schopenhauer, James, Freud e Husserl de modo a marcar alguns pontos, apenas[i]

Sobre Schopenhauer, Vitor pontua a vontade como lei fundamental da realidade, algo metafísico. Nesse sentido, a realidade não é racional, embora tenhamos a capacidade intelectual de abstrair por conceitos, coisa que os animais não têm, por uma liberdade de criar conceitos e deliberar. Já o corpo é pura vontade, mas ele não é um dualista pois não considera que há sobrevivência após a morte. Ora, ao morrer os átomos continuarão a existir, mas compondo outras coisas e não como vontade mais.

James é considerado um dos pais da psicologia e dele Vitor destaca a sua teoria das emoções, um contrassenso porque elas viriam depois dos estímulos. Se, pelo senso comum, um estímulo causa uma reação como em: 1.) Vejo urso, 2.) sinto medo, 3.) tremo e 4.) corro, para James um estímulo gera mudança corporal e pela percepção dessa alteração física temos emoção. A fórmula fica assim: 1.) vejo urso, 2.) tremo, 3.) corro e 4.) sinto medo. Há primazia do corpo, temos medo porque trememos e as emoções não são estados mentais isolados, James propõe uma experiência integrada. Vitor ainda cita Blaise Pascal: você quer ter fé? Vá a igreja durante uns meses e terá. Mental e corporal se relacionam assim: a mudança de uma crença ocorre pela mudança do hábito.

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No caso de Freud e Husserl, há uma redefinição do que é do âmbito do mental e a intencionalidade surge como relação indissociável entre mente e mundo.

Freud postula a fragmentação da mente entre consciente e inconsciente. Inconsciente, nesse caso, não se confunde com algo que não é dado à consciência nesse momento, ou seja, algo consciente. Vitor lembra que Aristóteles já tinha tratado de uma primeira atualidade, isto é, algo inconsciente que trazemos a baila e a segunda atualidade, que é o consciente[ii]. Já o inconsciente freudiano é fugidio, ele escapa, mas ele comanda as ações e a consciência.

Ocorre que, na clínica, Freud tinha muitas dúvidas a respeito de sintomas dos pacientes sem causa aparente, nem psíquica e nem física. Mas, de onde isso vinha? Do inconsciente. Ora, eles agiam de forma inconsciente e para chegar a ele, Freud usava de relatos de sonhos, atos falhos e sintomas neuróticos.

Então, ele elabora determinadas categorias para localizar determinados comandos que tem ações na realidade: id, sempre inconsciente e ego e superego que podem ser conscientes ou inconscientes. O primeiro é nossa parte animal, representar a pulsão e prazeres, não seguindo princípios lógicos. Já o ego é a parte que tem contato com a realidade, do âmbito do possível e gerencia o id. O superego é a voz da consciência, que julga e pune o ego.

Por fim, ressalta Vitor, Anthony Kenny compara a divisão freudiana com a platônica, id herdeiro do apetite e o ego do racional. O superego seria a parte impulsiva, mas remetendo à divisão da república, onde a parte impulsiva é representada pelos soldados da cidade.

Mudando de tópico, lembremos que a fenomenologia tenta descrever a estrutura da experiência consciente tal como ela é vivida. Intencionalidade é a característica principal da consciência de sempre se dirigir para fora de si. Então não ficamos resguardados no cogito, como Descartes, mas há uma mistura da mente com o mundo, não de uma perspectiva dualista. Mas, se a ciência freudiana era impulsionada pela observação empírica, a ciência que Husserl pleiteia é de um discurso que fala sobre a realidade a partir de juízos universais e necessários, sobre a consciência.

A fenomenologia suspende o juízo sobre a realidade e investiga as estruturas da mente, de como ela opera intencionalmente. Visa compreender como captamos o mundo, o percebemos e o imaginamos.



[i] São temas trazidos por Victor Lima (https://www.youtube.com/istonaoefilosofia), mas que não temos visto com mais destaque na literatura da mente.

[ii] Capacidade de falar uma língua: primeira atualidade; falar uma língua: segunda atualidade.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Heterofenomenologia

Aborda o procedimento de Dennett para escapar do peso ontológico do cogito cartesiano[i]

Para caracterizar sua abordagem sobre a consciência, Dennett parte de uma constatação: não sabemos o que se passa na mente das outras pessoas. Mesmo que um aparelho de neuroimagem seja capaz de mostrar áreas do cérebro associadas a determinados comportamentos, ainda assim não podemos saber o conteúdo mental. Entretanto, de posse de uma perspectiva intencional[ii], podemos criar um relato subjetivo dos estados e emoções sobre a mente de outrem. Tal procedimento dennettiano é a heterofenomenologia, já que se utiliza da fenomenologia[iii] (observação), a partir de uma terceira pessoa e, nesse sentido, retira a autoridade da primeira pessoa como tendo acesso privilegiado aos seus conteúdos mentais.

Concordando com Skinner[iv] e superando a perspectiva cartesiana do cogito, mesmo a primeira pessoa é mediada pela linguagem para expô-los, porque o “eu” surge de uma narrativa. Ocorre que há uma herança cartesiana na contemporaneidade que pleiteia o acesso imediato aos dados da consciência, sejam por meio de qualias[v] ou experiências conscientes. Thomas Nagel, sustentando a irredutibilidade do mental ao discurso, procura mostrar que a linguagem não capta a experiência subjetiva, o “ponto de vista do morcego”[vi]. Citando Teixeira: “Dizer que os qualia não existem significaria dizer que não temos sentimentos acerca de nós próprios ou de experiências vividas pelo nosso corpo.” (p. 85).

Na sua crítica aos qualias, Dennett não os nega ontologicamente, mas epistemologicamente. Esse ponto é interessante: se não podemos “falar dos qualias”, é como se eles não existissem, como se fossem quimeras. Se são irredutíveis ao discurso, inefáveis, então que sentido teriam ao se fazerem privados, com acesso somente em primeira pessoa? É quando falamos de um sentimento que ele passa a existir[vii]. Se são intangíveis, não podem ser explorados pela fenomenologia e podem ser descartados. Ou seja, Dennett nega que sejam inefáveis pois deles se pode dizer, mas em segunda e terceira pessoa.

Teixeira, por seu lado, lança um desafio: nós conseguimos, por meio da linguagem, dizer o que é uma coisa salgada, a sensação do sal, de uma comida salgada? Shoemaker também sustenta que, se assim fosse, não precisaríamos provar o vinho para saber o seu gosto, bastaria ler o rótulo da garrafa, o que desempregaria muitos sommeliers...  Ora, a discussão é controversa. Tomemos o exemplo do vermelho que Teixeira apresenta. Dá para falar de algo vermelho sem apontar para algo vermelho? Lembremos que Wittgenstein, no argumento da linguagem privada, também atesta que o sentido só aparece pela linguagem, pelo uso dos termos por meio de regras gramaticais. Aqui Teixeira cita os livros Azul e Marrom e sublinha que a experiência de ver algo vermelho só faz sentido se compartilhada com os outros.

Outro opositor de Dennett é Chalmers[viii], que também salienta a irredutibilidade do caráter consciente da experiência, tratando como característica do mundo. Isso porque ele quer preservar a subjetividade que pode emergir da base física embora não necessariamente dela derive. Ele diz que uma mente é algo último e as experiências conscientes são fenômenos únicos e inimitáveis na natureza. Aí cita como exemplo dinheiro e Mona Lisa, mas de ambos podemos criar imitações perfeitas que ainda assim teriam valor.

Lembremos que Chalmers se questiona sobre o problema difícil, que é explicar como a experiência consciente é autorreflexiva, isto é, independente de uma base material. Sem ela, no limite, seríamos zumbis[ix]. Teixeira associa os zumbis aos autômatos citados por Descartes e que não teriam alma. De toda forma, já estamos no campo da metafísica, de suposições. COG[x], robô humanoide do MIT citado por Teixeira também poderia ser considerado um zumbi. Se conversamos com COG ou um zumbi, podemos atribuir estados mentais a eles, do ponto de vista intencional, eles seriam capazes de passar no teste Turing. Se têm comportamento humano, por que não lhes atribuir consciência?

Por fim, Teixeira aborda a conceituação de superveniência da consciência de Chalmers, como algo que está para além do cérebro. Mas, uma consciência não seria algo como a saúde, por exemplo? Se temos saúde é porque todos nossos órgãos estão em perfeito estado. Dizer que não temos saúde, nesse caso, não faria sentido.

Na conclusão desse capítulo sobre a consciência, Teixeira passará pelos sonhos, como se por eles pudéssemos ter um acesso privilegiado ao mental, a experiências subjetivas. Haveria, por meio do sono REM, uma correlação entre sonhos (estados mentais) e movimentos, mas sua simetria não foi ainda comprovada e ficamos na dependência do relato introspectivo, algo que a filosofia da mente chama de explanatory gap, conforme argumenta Teixeira, a passagem de um relato de primeira pessoa para um de terceira pessoa.

Dennett retira qualquer função dos sonhos, tratando-os como fenômenos alucinatórios e, na sua visão, instantâneos quando acordamos, na transição do sono para a vigília. Conforme Teixeira, sobre os sonhos: “um processo mental que deve ter sido selecionado pela evolução, mas que não serve a nenhuma finalidade” (p. 101). Conclui-se que a teoria dos sonhos de Dennett é deflacionária e, do ponto de vista da heterofenomenologia, nega a certeza da experiência subjetiva.

Por fim Teixeira traz críticas a Dennett, como Searle que trata sua teoria da consciência como uma “simplificação tosca”, pois pouco explica sobre a consciência. Também há críticas sobre a pouca caracterização da máquina virtual que operaria no cérebro, mas sobre o modelo do pandemonium haveria certa semelhança com as disputas que acercam os neurônios.



[i] Notas das páginas 82 a 94. TEIXEIRA, João de Fernandes. A mente segundo Dennett. São Paulo: Perspectiva, 2008.

[x] http://www.ai.mit.edu/projects/humanoid-robotics-group/cog/.


Gemini (2.0 Flash) em 15 de janeiro de 2025

Daniel Dennett é um filósofo conhecido por sua abordagem materialista e eliminativista da consciência. Ele argumenta que a experiência subjetiva, ou "qualia", como muitas vezes é chamada, não é um fenômeno real da maneira como é comumente entendida.

Em vez de concordar com o caráter subjetivo da experiência, Dennett o nega. Ele não acredita que haja uma "sensação interna" ou um "conteúdo fenomenal" privado e inacessível a outros, que constitua a essência da experiência consciente. Ele argumenta que:

  • A experiência subjetiva é uma ilusão: Para Dennett, a sensação de ter uma experiência subjetiva é o resultado de processos cerebrais complexos, mas não corresponde a uma entidade real e distinta. É uma espécie de "truque da mente" que nos faz acreditar que há algo mais do que apenas atividade neuronal.

  • Não há "teatro cartesiano": Dennett critica a ideia de que existe um "eu" central, um "homúnculo" dentro de nossas cabeças, que é o palco onde as experiências conscientes se desenrolam. Ele argumenta que essa visão é equivocada e leva a problemas insolúveis sobre como a consciência surge.

  • A explicação materialista é suficiente: Ele defende que todos os fenômenos mentais, incluindo a consciência e a experiência subjetiva, podem ser explicados em termos puramente materiais e físicos, sem recorrer a entidades não físicas ou "qualidades internas".

Em resumo, Dennett discorda enfaticamente do caráter subjetivo da experiência, no sentido tradicional de que há algo "interno" e privado que constitui a essência da consciência. Ele propõe uma visão alternativa, que é baseada em uma abordagem materialista e funcionalista, onde a experiência subjetiva é vista como um conjunto de funções cerebrais e comportamentais, em vez de uma entidade metafísica.

Pontos importantes sobre a visão de Dennett:

  • Eliminativismo: Dennett é frequentemente associado ao eliminativismo, a visão de que conceitos como "qualia" e "experiência subjetiva" podem e devem ser eliminados da nossa linguagem e teoria da mente.

  • Intencionalidade: Apesar de negar a experiência subjetiva no sentido tradicional, ele não nega que os seres humanos e outros animais tenham estados intencionais, ou seja, que se relacionam com o mundo através de crenças, desejos e intenções.

  • O papel da linguagem: Ele enfatiza a importância da linguagem na construção da nossa compreensão da experiência. Ele argumenta que a nossa tendência de atribuir a nós mesmos e aos outros uma "vida interior" é uma construção linguística, que pode nos induzir em erro.

É crucial notar que a visão de Dennett é controversa e muitas vezes mal compreendida. Ele não está negando que as pessoas sentem ou que têm consciência, mas sim que a forma como tradicionalmente pensamos sobre a experiência subjetiva é errônea.

Em vez de concordar com a visão tradicional da subjetividade, Dennett propõe uma nova maneira de pensar sobre a consciência, uma maneira que elimina a necessidade de "qualidades internas" ou "conteúdo fenomenal". Sua posição é fundamental para o debate sobre a natureza da consciência e continua a ser uma fonte de discussão e debate na filosofia da mente.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Disputa de narrativas

Explora o modelo distribuído de disputa de narrativas no cérebro[i]

Dennett faz uma teoria empírica da consciência a partir do modelo cognitivo de pandemonium desenvolvido por Selfridge no MIT, em 1950. É um modelo de inteligência distribuída que permitiria reconhecer padrões mal definidos através de um conjunto de miniprogramas (demônios) sem um coordenador central, mas que deveria ser treinado para aprender e melhorar.

 Similarmente, no cérebro, dada sua plasticidade, haveria milhares de agentes produzindo versões que seriam escolhidas por um tipo de máquina virtual. Isso passa a sensação de uma narrativa, mas o que ocorre, de acordo com Dennett, é que circuitos especialistas trabalham em paralelo produzindo narrativas que ganham minutos de fama. “Conteúdos mentais conscientes tendem a se fixar por mais tempo na mente das pessoas e é por isso que Dennett afirma que a consciência mais se parece com a fama de quem com a televisão” (p. 74).

Skinner. Postulando que não há eu-central, Dennett se aproxima da visão epifenomenalista de Skinner de que o pensamento é um acompanhante do comportamento. Segue-se que não se pode falar de um ego concreto – isso incorreria em erro categorial. O ego é um constructo, um abstracta, conforme já vimos. Ambos também veem a natureza do pensamento associada à teoria da evolução, o próprio modelo de pandemônio seria um exemplo.

Calvin. A ideia de seleção natural intracerebral é oriunda do neurobiólogo William Calvin. Por ela, o cérebro cria uma representação do ambiente externo e gera possíveis cenários de ação que são, então, escolhidos pelo pensamento que emerge do comportamento reflexo. Isto é, não há um homúnculo no cérebro, como parece nos iludir, mas uma competição frenética de cenários que são selecionados pelo cérebro.

Memética. Porém, argumenta Teixeira, há conteúdos mentais que não são oriundos externamente, como linguagem e cultura, que não foram tratados por Calvin. De acordo com Dennett, eles são o software do cérebro e são tratados pelo conceito de meme[ii] que ele empresta de Dawkins. Memes são unidades de informação que são passadas de uma geração para outra, análogos aos genes físicos, e que se conectam com a comunidade formando memeplex, como, por exemplo a religião. Assim, o pensamento se difunde entre as pessoas, como doença contagiosa, sendo que a memética poderia até utilizar modelos de epidemiologia.

Objeções. Não obstante, Teixeira objeta que há dificuldade em definir ontologicamente o meme, considerando que as mentes são como centros de gravidade (abstracta[iii]) como hospedariam memes? Além disso, não podemos observá-los, como fazemos com os genes e daí a dificuldade em aprofundar a sua análise.



[i] Trecho I do segundo capítulo de A mente segundo Dennett, de, João de Fernandes Teixeira. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.

[ii] Haddad trata do termo em “O terceiro excluído”. Lemos, mas não tivemos compreensão suficiente para resenhar.

[iii] Problema do realismo que vimos aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/10/comprimindo-sistemas-complexos.html.