Aborda o procedimento de Dennett para escapar do peso
ontológico do cogito cartesiano[i]
Para caracterizar sua abordagem sobre a
consciência, Dennett parte de uma constatação: não sabemos o que se passa na
mente das outras pessoas. Mesmo que um aparelho de neuroimagem seja capaz de
mostrar áreas do cérebro associadas a determinados comportamentos, ainda assim
não podemos saber o conteúdo mental. Entretanto, de posse de uma perspectiva
intencional[ii], podemos criar um relato subjetivo
dos estados e emoções sobre a mente de outrem. Tal procedimento dennettiano é a
heterofenomenologia, já que se utiliza da fenomenologia[iii] (observação), a partir
de uma terceira pessoa e, nesse sentido, retira a autoridade da primeira pessoa
como tendo acesso privilegiado aos seus conteúdos mentais.
Concordando com Skinner[iv] e superando a perspectiva
cartesiana do cogito, mesmo a primeira pessoa é mediada pela linguagem para
expô-los, porque o “eu” surge de uma narrativa. Ocorre que há uma herança
cartesiana na contemporaneidade que pleiteia o acesso imediato aos dados da
consciência, sejam por meio de qualias[v] ou experiências
conscientes. Thomas Nagel, sustentando a irredutibilidade do mental ao discurso,
procura mostrar que a linguagem não capta a experiência subjetiva, o “ponto de
vista do morcego”[vi].
Citando Teixeira: “Dizer que os qualia não existem significaria dizer que não
temos sentimentos acerca de nós próprios ou de experiências vividas pelo nosso
corpo.” (p. 85).
Na sua crítica aos qualias, Dennett não os
nega ontologicamente, mas epistemologicamente. Esse ponto é interessante: se
não podemos “falar dos qualias”, é como se eles não existissem, como se fossem
quimeras. Se são irredutíveis ao discurso, inefáveis, então que sentido teriam
ao se fazerem privados, com acesso somente em primeira pessoa? É quando falamos
de um sentimento que ele passa a existir[vii]. Se são intangíveis, não
podem ser explorados pela fenomenologia e podem ser descartados. Ou seja,
Dennett nega que sejam inefáveis pois deles se pode dizer, mas em segunda e
terceira pessoa.
Teixeira, por seu lado, lança um desafio: nós
conseguimos, por meio da linguagem, dizer o que é uma coisa salgada, a sensação
do sal, de uma comida salgada? Shoemaker também sustenta que, se assim fosse,
não precisaríamos provar o vinho para saber o seu gosto, bastaria ler o rótulo
da garrafa, o que desempregaria muitos sommeliers... Ora, a discussão é controversa. Tomemos o
exemplo do vermelho que Teixeira apresenta. Dá para falar de algo vermelho sem
apontar para algo vermelho? Lembremos
que Wittgenstein, no argumento da linguagem privada, também atesta que o
sentido só aparece pela linguagem, pelo uso dos termos por meio de regras
gramaticais. Aqui Teixeira cita os livros Azul e Marrom e sublinha que a
experiência de ver algo vermelho só faz sentido se compartilhada com os outros.
Outro opositor de Dennett é Chalmers[viii], que também salienta a
irredutibilidade do caráter consciente da experiência, tratando como característica
do mundo. Isso porque ele quer preservar a subjetividade que pode emergir da
base física embora não necessariamente dela derive. Ele diz que uma mente é
algo último e as experiências conscientes são fenômenos únicos e inimitáveis na
natureza. Aí cita como exemplo dinheiro e Mona Lisa, mas de ambos podemos criar
imitações perfeitas que ainda assim teriam valor.
Lembremos que Chalmers se questiona sobre o
problema difícil, que é explicar como a experiência consciente é autorreflexiva,
isto é, independente de uma base material. Sem ela, no limite, seríamos zumbis[ix]. Teixeira associa os zumbis
aos autômatos citados por Descartes e que não teriam alma. De toda forma, já
estamos no campo da metafísica, de suposições. COG[x], robô humanoide do MIT
citado por Teixeira também poderia ser considerado um zumbi. Se conversamos com
COG ou um zumbi, podemos atribuir estados mentais a eles, do ponto de vista
intencional, eles seriam capazes de passar no teste Turing. Se têm comportamento
humano, por que não lhes atribuir consciência?
Por fim, Teixeira aborda a conceituação de
superveniência da consciência de Chalmers, como algo que está para além do
cérebro. Mas, uma consciência não seria algo como a saúde, por exemplo? Se temos
saúde é porque todos nossos órgãos estão em perfeito estado. Dizer que não
temos saúde, nesse caso, não faria sentido.
Na conclusão desse capítulo sobre a
consciência, Teixeira passará pelos sonhos, como se por eles pudéssemos ter um
acesso privilegiado ao mental, a experiências subjetivas. Haveria, por meio do
sono REM, uma correlação entre sonhos (estados mentais) e movimentos, mas sua simetria
não foi ainda comprovada e ficamos na dependência do relato introspectivo, algo
que a filosofia da mente chama de explanatory gap, conforme argumenta
Teixeira, a passagem de um relato de primeira pessoa para um de terceira
pessoa.
Dennett retira qualquer função dos sonhos,
tratando-os como fenômenos alucinatórios e, na sua visão, instantâneos quando acordamos,
na transição do sono para a vigília. Conforme Teixeira, sobre os sonhos: “um
processo mental que deve ter sido selecionado pela evolução, mas que não serve
a nenhuma finalidade” (p. 101). Conclui-se que a teoria dos sonhos de Dennett é
deflacionária e, do ponto de vista da heterofenomenologia, nega a certeza da
experiência subjetiva.
Por fim Teixeira traz críticas a Dennett,
como Searle que trata sua teoria da consciência como uma “simplificação tosca”,
pois pouco explica sobre a consciência. Também há críticas sobre a pouca
caracterização da máquina virtual que operaria no cérebro, mas sobre o modelo
do pandemonium haveria certa semelhança com as disputas que acercam os neurônios.
[i] Notas das páginas 82 a 94. TEIXEIRA,
João de Fernandes. A mente segundo Dennett. São Paulo: Perspectiva,
2008.
[x] http://www.ai.mit.edu/projects/humanoid-robotics-group/cog/.
Gemini (2.0 Flash) em 15 de janeiro de 2025
Daniel Dennett é um filósofo conhecido por sua abordagem materialista e eliminativista da consciência. Ele argumenta que a experiência subjetiva, ou "qualia", como muitas vezes é chamada, não é um fenômeno real da maneira como é comumente entendida.
Em vez de concordar com o caráter subjetivo da experiência, Dennett o nega. Ele não acredita que haja uma "sensação interna" ou um "conteúdo fenomenal" privado e inacessível a outros, que constitua a essência da experiência consciente. Ele argumenta que:
A experiência subjetiva é uma ilusão: Para Dennett, a sensação de ter uma experiência subjetiva é o resultado de processos cerebrais complexos, mas não corresponde a uma entidade real e distinta. É uma espécie de "truque da mente" que nos faz acreditar que há algo mais do que apenas atividade neuronal.
Não há "teatro cartesiano": Dennett critica a ideia de que existe um "eu" central, um "homúnculo" dentro de nossas cabeças, que é o palco onde as experiências conscientes se desenrolam. Ele argumenta que essa visão é equivocada e leva a problemas insolúveis sobre como a consciência surge.
A explicação materialista é suficiente: Ele defende que todos os fenômenos mentais, incluindo a consciência e a experiência subjetiva, podem ser explicados em termos puramente materiais e físicos, sem recorrer a entidades não físicas ou "qualidades internas".
Em resumo, Dennett discorda enfaticamente do caráter subjetivo da experiência, no sentido tradicional de que há algo "interno" e privado que constitui a essência da consciência. Ele propõe uma visão alternativa, que é baseada em uma abordagem materialista e funcionalista, onde a experiência subjetiva é vista como um conjunto de funções cerebrais e comportamentais, em vez de uma entidade metafísica.
Pontos importantes sobre a visão de Dennett:
Eliminativismo: Dennett é frequentemente associado ao eliminativismo, a visão de que conceitos como "qualia" e "experiência subjetiva" podem e devem ser eliminados da nossa linguagem e teoria da mente.
Intencionalidade: Apesar de negar a experiência subjetiva no sentido tradicional, ele não nega que os seres humanos e outros animais tenham estados intencionais, ou seja, que se relacionam com o mundo através de crenças, desejos e intenções.
O papel da linguagem: Ele enfatiza a importância da linguagem na construção da nossa compreensão da experiência. Ele argumenta que a nossa tendência de atribuir a nós mesmos e aos outros uma "vida interior" é uma construção linguística, que pode nos induzir em erro.
É crucial notar que a visão de Dennett é controversa e muitas vezes mal compreendida. Ele não está negando que as pessoas sentem ou que têm consciência, mas sim que a forma como tradicionalmente pensamos sobre a experiência subjetiva é errônea.
Em vez de concordar com a visão tradicional da subjetividade, Dennett propõe uma nova maneira de pensar sobre a consciência, uma maneira que elimina a necessidade de "qualidades internas" ou "conteúdo fenomenal". Sua posição é fundamental para o debate sobre a natureza da consciência e continua a ser uma fonte de discussão e debate na filosofia da mente.