sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Lé com cré

Gostaríamos de falar um pouco sobre os momentos da vida e como eles nos tocam e influenciam como, por exemplo, as datas comemorativas, festivas ou marcantes, já que estamos no período das festas... Obviamente, tais acontecimentos nos mobilizam e sensibilizam. Muitas vezes temos que nos planejar com antecedência e nos preparar para viajar, encontrar parentes e amigos, etc. Esse é um dado de realidade que nos permeia desde os primeiros anos de vida e assim somos constituídos.
Importantes ou não, chatos ou legais, eles são inevitáveis e extremamente relevantes, quer participemos ou não, afinal há uma possibilidade de fuga e ela não é descartável. Porém, durante tais períodos, ainda há rotina, mesmo que tutelada pelo evento principal. Há o dia e a noite, a segunda-feira, terça-feira, etc., o fim de semana. Há o dia a dia, o início e o fim do mês, etc. Há ciclos: horários, diários, semanais. E o que sobressalta nessa rotina é o repentino, já que dentro do previsto há o imprevisível que nos traz a novidade que deve ser administrada.
Então, por mais que haja rotina, há situações inusitadas e, na repetição, há a diferença. Um hábito, independentemente de sua frequência, é um hábito onde se pretende retomar uma experiência passada que nele é projetada. Um hábito é um fazer reiterado onde cada reiteração não é a mesma. De certa forma, uma rotina é sempre a garantia de que haverá a repetição, independentemente de quão diferente seja ou não, ou até que atinja certo limite, etc.
Se de dia falo lé e de noite falo cré, lé com cré são linguagens suplementares. Mas tanto lé influencia cré como cré influencia lé. Afinal somos um, embora nem sempre o mesmo. É dessa interação e dessa interminável e dinâmica sucessão que vamos construindo os momentos de nossa vida, ainda mais em período de festas, pois as variáveis se multiplicam. Embora anestesiados pela multiplicidade de tais situações sempre nos haveremos com nossos lés e nossos crés. E se não falo lé com cré é porque eu num qué.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Genealogia e Arqueologia [i]


“Portanto, os dois pontos propostos para essa discussão sobre o estatuto da diferença e da síntese correspondem ao pressuposto genealógico da diferença, identificado por meio de uma analítica, e ao universo metodológico da arqueologia, que transpõe a síntese para a esfera discursiva de uma “gramática casual”” (p. 256, grifo nosso).

Comecemos do fim, a partir da citação acima, porque queremos fazer um pequeno recorte desse breve, porém denso, ensaio. Há um procedimento em Foucault, inicial, de olhar a história analiticamente, como sucessão temporal de fatos e eventos, chamado de genealogia[ii]. Segundo Monica, esse procedimento assemelha-se à associação de Hume, através da qual a experiência é a base do entendimento humano na medida em que há uma série de eventos que vão se correlacionando e formando uma experiência complexa. Abstratamente, mas temporalmente, uma maçã é a soma da cor, sabor, cheiro, forma, etc.
Isso posto, entretanto, não há em Hume um sujeito unificador dessa experiência. A associação começa pela experiência do sujeito (analítica) capaz de distinguir ideias partindo em direção a uma síntese dessa experiência, porém não arbitrária ou necessária, mas que é realizada pela mente de forma imediata e, mais do que isso, temporal e que tende a regular as próximas experiências.
Porém, voltando à citação inicial e a Foucault, Monica argumenta que, depois que Foucault “difere” pequenos eventos históricos (assim como a mente, em Hume, difere as ideias na imaginação), em certo momento um grande período histórico se sintetiza no método arqueológico[iii]. Essa união, claramente, deixa de ser um processo analítico para buscar uma episteme de época que, segundo Monica, se baseia em um “a priori” de possibilidade no sentido kantiano comprometendo a diferença da genealogia. Foucault está entre a possibilidade de uma história contingente[iv] e sua tendência a um possível irracionalismo e lança mão do expediente kantiano para vislumbrar uma história possível em contraparte à história concreta da genealogia.
Daí que, se Hume e Foucault se valem de um expediente analítico baseado na diferença, a síntese em Hume se dá a posteriori pelo caminho percorrido pela analítica ao passo que Foucault retoma Kant, o que “significa recobrir a diferença com uma síntese que não é da ordem da temporalidade e da experiência, como em Hume, mas da ordem de um “a priori histórico” discursivo” (p. 256). Isso comprova que a história da filosofia não é progressiva e evolutiva e que Hume pode estar à frente de Foucault, em alguns aspectos. Resta a questão de saber se seria possível uma história puramente contingente e ainda racional, sem lançar mão de qualquer expediente kantiano, ou seja, que inclua um sujeito no comando.




[i] Ensaios de Filosofia em homenagem a Carlos Alberto R. de Moura. Débora Cristina Morato Pinto, Luiz Damon Santos Moutinho, Marcus Sacrini, Monica Loyola Stival (Orgs.). Curitiba: Editora UFPR, 2015. Diferença e Síntese em Hume e Foucault – Monica Loyola Stival.
[ii] Genealogia é o mapa das ligações biológicas entre diferentes indivíduos e gerações. Como ciência, é uma auxiliar da história, estudando a origem, evolução e dispersão das famílias e respectivos sobrenomes ou apelidos. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia, visitado em 20/12/18.
[iii] Arqueologia é a ciência que estuda as culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas - do passado e presente - a partir da análise de vestígios materiais. (...) A ciência arqueológica pode envolver trabalhos de prospecção e escavação (...) para assim traçar os comportamentos da sociedade que as produziu. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arqueologia, visitado em 20/12/18.
[iv] Foucault recorre ao expediente de olhar cada evento nominalmente em si evitando o uso de universais que normatizariam a narrativa.