“Portanto, os dois pontos
propostos para essa discussão sobre o estatuto da diferença e da síntese
correspondem ao pressuposto genealógico
da diferença, identificado por meio de uma analítica, e ao universo metodológico da arqueologia,
que transpõe a síntese para a esfera discursiva de uma “gramática casual”” (p. 256, grifo nosso).
Comecemos
do fim, a partir da citação acima, porque queremos fazer um pequeno recorte
desse breve, porém denso, ensaio. Há um procedimento em Foucault, inicial, de
olhar a história analiticamente, como sucessão temporal de fatos e eventos,
chamado de genealogia[ii]. Segundo Monica, esse
procedimento assemelha-se à associação
de Hume, através da qual a experiência é a base do entendimento humano na
medida em que há uma série de eventos que vão se correlacionando e formando uma
experiência complexa. Abstratamente, mas temporalmente, uma maçã é a soma da cor,
sabor, cheiro, forma, etc.
Isso
posto, entretanto, não há em Hume um sujeito unificador dessa experiência. A associação
começa pela experiência do sujeito (analítica) capaz de distinguir ideias partindo
em direção a uma síntese dessa experiência, porém não arbitrária ou necessária,
mas que é realizada pela mente de forma imediata e, mais do que isso, temporal
e que tende a regular as próximas experiências.
Porém,
voltando à citação inicial e a Foucault, Monica argumenta que, depois que
Foucault “difere” pequenos eventos históricos (assim como a mente, em Hume,
difere as ideias na imaginação), em certo momento um grande período histórico se
sintetiza no método arqueológico[iii]. Essa união, claramente, deixa
de ser um processo analítico para buscar uma episteme de época que, segundo
Monica, se baseia em um “a priori” de possibilidade no sentido kantiano comprometendo
a diferença da genealogia. Foucault está entre a possibilidade de uma história
contingente[iv] e sua tendência a um
possível irracionalismo e lança mão do expediente kantiano para vislumbrar uma
história possível em contraparte à história concreta da genealogia.
Daí
que, se Hume e Foucault se valem de um expediente analítico baseado na
diferença, a síntese em Hume se dá a posteriori pelo caminho percorrido pela
analítica ao passo que Foucault retoma Kant, o que “significa recobrir a
diferença com uma síntese que não é da ordem da temporalidade e da experiência,
como em Hume, mas da ordem de um “a priori histórico” discursivo” (p. 256). Isso comprova
que a história da filosofia não é progressiva e evolutiva e que Hume pode estar
à frente de Foucault, em alguns aspectos. Resta a questão de saber se seria possível uma história puramente contingente e ainda racional, sem lançar mão de qualquer expediente kantiano, ou seja, que inclua um sujeito no comando.
[i] Ensaios de Filosofia em homenagem a Carlos Alberto R. de Moura.
Débora Cristina Morato Pinto, Luiz Damon Santos Moutinho, Marcus Sacrini,
Monica Loyola Stival (Orgs.). Curitiba: Editora UFPR, 2015. Diferença e Síntese em Hume e Foucault –
Monica Loyola Stival.
[ii] Genealogia é o mapa das ligações
biológicas entre diferentes indivíduos e gerações. Como ciência, é uma auxiliar
da história, estudando a origem, evolução e dispersão das famílias e
respectivos sobrenomes ou apelidos. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia,
visitado em 20/12/18.
[iii] Arqueologia é a ciência que estuda
as culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas - do passado e
presente - a partir da análise de vestígios materiais. (...) A ciência
arqueológica pode envolver trabalhos de prospecção e escavação (...) para assim
traçar os comportamentos da sociedade que as produziu. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arqueologia,
visitado em 20/12/18.
[iv] Foucault recorre ao expediente de olhar cada evento nominalmente em si evitando o uso de universais que normatizariam a narrativa.
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