quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Genealogia e Arqueologia [i]


“Portanto, os dois pontos propostos para essa discussão sobre o estatuto da diferença e da síntese correspondem ao pressuposto genealógico da diferença, identificado por meio de uma analítica, e ao universo metodológico da arqueologia, que transpõe a síntese para a esfera discursiva de uma “gramática casual”” (p. 256, grifo nosso).

Comecemos do fim, a partir da citação acima, porque queremos fazer um pequeno recorte desse breve, porém denso, ensaio. Há um procedimento em Foucault, inicial, de olhar a história analiticamente, como sucessão temporal de fatos e eventos, chamado de genealogia[ii]. Segundo Monica, esse procedimento assemelha-se à associação de Hume, através da qual a experiência é a base do entendimento humano na medida em que há uma série de eventos que vão se correlacionando e formando uma experiência complexa. Abstratamente, mas temporalmente, uma maçã é a soma da cor, sabor, cheiro, forma, etc.
Isso posto, entretanto, não há em Hume um sujeito unificador dessa experiência. A associação começa pela experiência do sujeito (analítica) capaz de distinguir ideias partindo em direção a uma síntese dessa experiência, porém não arbitrária ou necessária, mas que é realizada pela mente de forma imediata e, mais do que isso, temporal e que tende a regular as próximas experiências.
Porém, voltando à citação inicial e a Foucault, Monica argumenta que, depois que Foucault “difere” pequenos eventos históricos (assim como a mente, em Hume, difere as ideias na imaginação), em certo momento um grande período histórico se sintetiza no método arqueológico[iii]. Essa união, claramente, deixa de ser um processo analítico para buscar uma episteme de época que, segundo Monica, se baseia em um “a priori” de possibilidade no sentido kantiano comprometendo a diferença da genealogia. Foucault está entre a possibilidade de uma história contingente[iv] e sua tendência a um possível irracionalismo e lança mão do expediente kantiano para vislumbrar uma história possível em contraparte à história concreta da genealogia.
Daí que, se Hume e Foucault se valem de um expediente analítico baseado na diferença, a síntese em Hume se dá a posteriori pelo caminho percorrido pela analítica ao passo que Foucault retoma Kant, o que “significa recobrir a diferença com uma síntese que não é da ordem da temporalidade e da experiência, como em Hume, mas da ordem de um “a priori histórico” discursivo” (p. 256). Isso comprova que a história da filosofia não é progressiva e evolutiva e que Hume pode estar à frente de Foucault, em alguns aspectos. Resta a questão de saber se seria possível uma história puramente contingente e ainda racional, sem lançar mão de qualquer expediente kantiano, ou seja, que inclua um sujeito no comando.




[i] Ensaios de Filosofia em homenagem a Carlos Alberto R. de Moura. Débora Cristina Morato Pinto, Luiz Damon Santos Moutinho, Marcus Sacrini, Monica Loyola Stival (Orgs.). Curitiba: Editora UFPR, 2015. Diferença e Síntese em Hume e Foucault – Monica Loyola Stival.
[ii] Genealogia é o mapa das ligações biológicas entre diferentes indivíduos e gerações. Como ciência, é uma auxiliar da história, estudando a origem, evolução e dispersão das famílias e respectivos sobrenomes ou apelidos. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia, visitado em 20/12/18.
[iii] Arqueologia é a ciência que estuda as culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas - do passado e presente - a partir da análise de vestígios materiais. (...) A ciência arqueológica pode envolver trabalhos de prospecção e escavação (...) para assim traçar os comportamentos da sociedade que as produziu. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arqueologia, visitado em 20/12/18.
[iv] Foucault recorre ao expediente de olhar cada evento nominalmente em si evitando o uso de universais que normatizariam a narrativa.

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