sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O que você tem na mão?

O que você tem na mão significa. Significa, por um lado, que sempre teremos algo na mão e, por outro, que aquilo que temos na mão significa o que somos, o que podemos ser.

O primeiro significado faz parte da essência humana. O homem é fazer pois sem o fazer o homem não existe. O homem precisa criar seu território, sua habitação e assim por diante. Somos filhos da pedra lascada. “Parece” que nossa condição física não nos permite viver sem instrumentos.

Então isso vem. Vem de um processo às vezes mais acelerado, às vezes mais distendido, o fato é que desde a pedra lascada não deixamos de produzir, de criar. Não por escolha, mas por necessidade. Diante disso, será que em algum momento isso deixou de ser uma necessidade? Foi sempre uma “escolha inconsciente”?

Entretanto, isso é menos importante agora do que pensar na significação. Saltemos ao nosso tempo: o que você tem na mão? Há sempre algo na mão e aqui não estamos falando de técnica ou tecnologia, em um primeiro momento. O que você tem na mão significa o que o você é ou ao menos a maneira como você quer ser visto. Um rosa, um telefone celular, uma arma ou um livro? O que você tem na mão?

Se pensarmos tecnologicamente, o que temos na mão significa o quão tecnologicamente estamos avançados. Ou possuídos. E significa, também, o reflexo do que somos. Porque, sem entrar no mérito das condições, a tecnologia é criação nossa. E, no sentido de ser um facilitador ou um potencial de mudança pessoal, o acesso à tecnologia é meta, não só de equidade social mas de desenvolvimento de um povo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Curto panorama da Filosofia da Tecnologia

Panorama da Filosofia da Tecnologia: contemporânea e história[i]

Origem e evolução do conceito de tecnologia. Os autores resgatam a téchne aristotélica como o conhecimento necessário para a produção de artefatos (poiesis) úteis a partir da transformação da natureza pelo homem, em oposição à physis, onde a natureza é autônoma per se.

A téchne é o trabalho manual do artesão como fim em si mesmo, que depois passa a ser o trabalho do técnico como conhecimento transmitido pelo ensino caraterizado por ser repetitivo e como meio para atingir um fim desejado. Segundo os autores, a tecnologia surge com a revolução científica do XVII como conjunto organizado de conhecimento para produção de bens e serviços até chegar a ser instrumento necessário da nossa civilização contemporânea.

Discutem brevemente a neutralidade da ciência enquanto instrumental[ii], se isenta de valores e independente de um fim ou do que o homem faz dela, por outro lado as alterações que a tecnologia gera na sociedade, sejam elas boas ou ruins.

Racionalidade tecno científica e prática. Segue-se ligeiro debate do conhecimento do senso comum que acredita na realidade do mundo que vê, mas cuja resposta só é confiável pelo uso da razão e do já bem conhecido debate filosófico entre racionalistas (ex. Platão, conhecimento dos sentidos é doxa) e empiristas com a visão oposta.

Mas será mostrado que houve uma mudança de abordagem na história. A racionalidade prática, oriunda de Aristóteles, está relacionada à ética e ao agir humano pela virtude, gerando bem geral na polis. Entretanto, o advento da racionalidade tecnológica (tecno científica), voltada ao progresso e controle da natureza, estratificou a sociedade não permitindo o acesso de todos e se distanciou dos valores humanos e sociais trazendo degradação ambiental, entre outros.

Essa abordagem tecnológica contemporânea é criticada por Heidegger que, presenciando o uso das bombas nucleares prevê um futuro terrível no uso da tecnologia, criticando, por exemplo, o uso das hidrelétricas e inteligência artificial. Também há críticas à racionalidade instrumental pela Escola de Frankfurt. Então os autores vão discutir a questão tecnológica desde os pontos de vista do determinismo e da autonomia tecnológica.

Determinismo e autonomia tecnológica. Para o esquema determinista, a tecnologia condiciona nosso modo de vida. Proveniente de Marx, segundo os autores, a tecnologia seria o motor do progresso e transformação social, seja através das forças ou relações de produção. Já na perspectiva da autonomia, defendida por Ellul, o avanço tecnológico independe do ser humano e sua evolução, por mais que traga problemas, trará soluções.

Dentro desse debate, os autores trazem também a questão da neutralidade, com a visão de Weber de uma racionalidade instrumental destituída de valores e desinteressada e a posição contrária da Teoria Crítica de que não existem artefatos neutros, pois são criados pelo homem com uma finalidade. Mas eles defendem o ponto de vista de Monterroza Ríos que trata os objetos com uma dupla natureza: material (elementos que compõem os objetos) e intencional, quando o home imprime significado aos artefatos e usos em determinados contextos.

Movimentos anti tecnológicos. Se a sociedade contemporânea é tecnológica, há críticas a seu uso. Romantismo do XVIII, contra uso excessivo da razão e racionalidade iluminista baseada na matemática e cujo representante é Rousseau[iii] e seu bom selvagem que ser perverte ao ter contato com a civilização. Luddismo[iv], contra o desemprego advindo do uso de máquinas e que gerou a destruição delas e rejeição tecnológica. Movimento ecológico abordando impactos no ambiente, uso de recursos naturais em excesso, combustíveis fósseis, entre outros. Eles fecham com a questão de Heidegger sobre até quando estaremos no controle.

Considerações finais. Por fim, para os autores desde o domínio do fogo até a tecnociência, a humanidade evolui para uma sociedade melhor e com mais conforto. Seja na medicina, globalização ou internet. Entretanto, há que se conciliar tecnologia e valores, ciência e ética. Nesse ponto, a filosofia contribui na formação e na conscientização do uso prudente da tecnologia. Ao ver de fora a atividade cientifica e tecnológica ela permite crítica, reflexão e, pela sua natureza multidisciplinar, o diálogo com os outro domínios e na busca de respostas às questões mais angustiantes do nosso tempo.



[i] FILOSOFIA DA TECNOLOGIA: UMA NOVA ÁREA DE INTERESSE DE ESTUDO DA FILOSOFIA. Geraldo das Dôres de Armendane e Adenilson Felipe Sousa Silva, na Revista Complexitas. Conforme acessado pelo link a seguir: https://periodicos.ufpa.br/index.php/complexitas/article/view/3980, em 15/02/2021.

[ii] Racionalidade instrumental cunhada por Horkheimer afirma que a razão, cedida em sua autonomia, tornou-se instrumento, e o seu valor operacional e papel de domínio dos homens e da natureza tornou-se o único critério para avaliá-la. Weber relaciona o surgimento da modernidade ao predomínio de um tipo de ação racional que orienta o indivíduo aos fins.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Filosofia da Tecnologia: três enfoques

Três modos de investigar filosoficamente a tecnologia: perspectiva analítica, uma abordagem fenomenológica e um exame inspirado na Escola de Frankfurt. [i]

Introdução. Se a filosofia da tecnologia é recente e a definição de seu objeto não é unânime, em parte pela relação com a técnica e estilos de pensamento, sua unidade se dá pela atividade eficiente e racional do fazer. Cupani trará a visão analítica de Bunge, o enfoque fenomenalista de Borgmann e Feenberg trazendo a Escola de Frankfurt.[ii]

A perspectiva analítica de Mario Bunge

Bunge associa a técnica (tradicional) ou tecnologia (científica) ao artefato, ou seja, produção de algo artificial transformando a natureza, seja ele uma coisa ou um sistema, como mudar o leito de um rio e até social e a uma planificação, isto é, atingir um objetivo eficientemente a partir de instruções e tarefas sequenciadas. Porém, o progresso humano se acelera com a inovação trazida pela tecnologia, através do “estudo científico do artificial”, conforme Bunge.

A tecnologia busca um conhecimento específico, embora a partir do método geral de pesquisa hipotético-dedutivo, seja com teorias substantivas, que fornecem conhecimento sobre os objetos da ação ou operativas, que versam sobre as ações de que depende o funcionamento dos artefatos, por exemplo nas interações homem-máquina. Uma teoria científica se torna teoria tecnológica ao visar a prática e previsão dos eventos, tendendo a simplificá-la e segundo Bunge, se não é ciência pura é a concretização de uma ação plenamente racional seguindo a tradição iluminista e possibilitando uma engenharia social que de conta de problemas como fome, superpopulação, entre outros.

Por fim, Bunge ressalta que há sabidas consequências negativas no avanço tecnológico, muito devido ao mau uso pelo ser humano e quando ele se isenta de responsabilidade ou quando se considera que a tecnologia é neutra, tais aspectos devem ser tratados por uma ética que ponha a tecnologia a serviço de todos, verdadeiramente.

A abordagem fenomenológica de Albert Borgmann

Borgmann vê a tecnologia como padrão de vida da modernidade e limitador da existência, trazendo um enfoque fenomenológico que capte suas especificidades[iii] a partir da filosofia e ciências sociais. Para ele, a chave da tecnologia são os dispositivos que usamos, muitas vezes sem compreender seu funcionamento, para nos trazer conforto. Dispositivos que devem estar disponíveis ao nosso alcance e ao mesmo tempo são descartáveis e substituíveis.

Remontando a Bacon e Descartes e o domínio da natureza, a tecnologia visou libertar o homem dos seus problemas, constituindo o modo de vida europeu que supera o uso da técnica concreta para trazer os dispositivos como meio sem fins últimos, ou seja, trazem uma função descontextualizada ao mesmo que tempo que nos desengaja em nossa relação com eles. Impulsionado pela propaganda, cria-se uma cultura de consumo tecnológico que, se por um lado traz a promessa de uma vida melhor, por outro se impõe como paradigma.

Então, Cupani traz o conceito de foco, que vem do latim focus ou seja, lareira, que era o centro de calor nas casas e onde se praticavam grande parte das atividades. Mesmo ainda nas lareiras atuais há o fogo vivo queimando. Há “práticas focais” que realizamos, como comer em família ou pescar, que são fim em si mesmas e têm significado e se opõem ao olhar tecnológico onde as coisas são meios, por exemplo, uma vaca como máquina que produz carne e leite, submetidos à lei da eficiência[iv].

Segundo Borgmann, nisso consiste a atitude tecnológica: a perda das coisas ou práticas focais para um universo de consumo, como meios para fins circunstanciais. O trabalho deixa de ser atividade social para ser atividade de produção de artifícios. A tecnologia, ao mesmo tempo que nos traz alívio, traz uma comodidade frívola e de instrumentalização da vida, mas também uma implicação que nos faz manter esse modo de vida.

Se a promessa tecnológica está em acordo com os padrões de liberdade e auto realização da democracia liberal é justamente ao trazer a questão de uma vida boa que poderemos reconstruir nossa relação com a tecnologia, conforme Borgmann.  É quando percebemos a importância das coisas e práticas focais, usando uma descrição dêitica[v], que nos contrapomos à tendência tecnológica. Uma vida boa com práticas em si mesmas e que seja favorecida pela tecnologia, que ela realce essas práticas ao invés de soterrá-las naquele modo cúmplice. Interesse focal como fim, tecnologia como meio. Mais qualidade de vida e com algum dispositivo. Diminuir o consumo dos ricos para melhor as condições dos pobres.

A perspectiva crítica de Andrew Feenberg

Feenberg, que segue a linha da Teoria Crítica, vê a tecnologia como a estrutura material da modernidade capitalista, operando em termos do controle da natureza e dos seres humanos, eficiência e recursos. Seu desenvolvimento pode ser determinado por critérios técnicos ou sociais de progresso, mas ela se torna a principal forma de poder nas mãos de empresários e tecnocratas que, visando sua autopreservação, ignoram condições comunitárias e ambientais em prol da perpetuação da racionalidade que se justifica pela eficiência.

Entretanto, movida por interesses sociais específicos, trata-se de uma eficiência que visa o lucro e a venda de mercadorias em uma sociedade consumista que não observa as exigências da vida humana como igualdade de oportunidades e direito de lazer, por exemplo.  A mediação tecnológica se generaliza em todos os setores (trabalho, educação, esportes) obedecendo interesses privilegiados que, em nome da eficiência, restringem as possibilidades e aumenta a disciplina e a padronização. Nesse sentido, as realizações tecnológicas são praticadas por sujeitos que não se responsabilizam pelos produtos, se reificam[vi].

Mas, segundo Feenberg há limitações que podem ser contestadas quando os dominados subvertem o uso para se protegerem ou trazerem inovações informais. É a ambivalência da tecnologia que permite que ela seja contestada e siga um desenvolvimento divergente saindo de uma realidade instrumentalizada em direção à realização humana quando as pessoas assumem uma responsabilidade política.

Entretanto, Feenberg propõe uma transformação gradual a uma civilização onde as potencialidades humanas, hoje negadas, caminhem em direção ao público, uma evolução de bem-estar social. A mudança civilizatória que permitiria um avanço social além do capitalismo atual pode se dar com o foco cada vez maior nas necessidades humanas dentro dos códigos técnicos.

*   *   *   *   *

Trazemos as reflexões de Cupani sobre a contribuição de cada enfoque.

Bunge traz a confiança na tecnologia para aprimorar nossa existência superando modos de vida atrasados, reconhecendo que não é neutra, mas se alinhando a sua ação racional oriunda do Iluminismo sem esquecer a ação ética e política, embora Cupani ressalte sua falta de apreço a culturas não científicas e nesse caso, as visões de Ladrière e Lacey poderiam ajudar.

Borgmann mostra como paradigma tecnológico nos perpassa e traz uma abordagem dêitica para nos alertar de nossa cumplicidade com a tecnologia. Entretanto, enfatiza Cupani, ele subestima fatores sociais e rejeita a visão marxista alegando que traça um cenário de incapacidade de mudanças que viria de sua proposta de nossa relação ambivalente com a tecnologia. A saída é pelo cultivo dos interesses focais, entretanto, argumenta Cupani, em países periféricos a possibilidade de boa parcela da população mudar a relação com a tecnologia é quase nula se tornando inócua e ingênua.

Feenberg faz a análise no âmbito sociopolítico e critica a eficiência que não é inerente à tecnologia, mas guiada por interesses sociais. Diferentemente de uma proposta marxista clássica, Cupani reforça que ele busca uma relação com a tecnologia que a instrumentalize para transformar o modo de vida e uma transição difícil ao socialismo pelos estratos médios da sociedade, como por exemplo ocorreu em maio de 1968.

Por fim Cupani, cita Feenberg na função heurística da tecnologia, de “quebrar a ilusão de necessidade de que o mundo quotidiano está recoberto”, que talvez valha para os três autores, como forma de abordar os desafios da análise tecnológica na busca por um mundo melhor.



[i] Conforme https://www.scielo.br/pdf/ss/v2n4/a02v2n4.pdf, acesso em 15/02/2021. Alberto Cupani, na Revista Scientiae Studia (2004).

[ii] Os dois últimos com Technology and the character of contemporary life (1984) e Transforming technology (2002).

[iii] Cupani caracteriza: teorias instrumentais veem a tecnologia como um meio ao serviço dos propósitos humanos; teorias substancialistas acreditam que a tecnologia seja autônoma; teorias pluralistas insistem na multiplicidade de fatores aos quais responde a tecnologia.

[iv] Esse nos parece ser o conceito central da tecnologia e o mais artificial e impositivo. O que não serve a esse fim é indiferente.

[v] Ou mostrativa, ou seja, baseada naquelas experiências de coisas que possuem valor e direito de existir em si mesmas (e não como meros meios) e no testemunho que se pode dar delas.

[vi] Reificado é como estou, é como estava até acordar do sono dogmático, do qual ainda desembaço a vista.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Introdução panorâmica à filosofia e sociologia da ciência do século XX

Aspectos do positivismo de Carnap, sociologia de Merton, Kuhn e outras abordagens.[i]

Filosofia da Ciência: a lógica e o papel normativo.

Pessoa trata aqui basicamente das noções do Círculo de Viena e suas linhagens. Parte-se, na raiz da ciência principalmente na concepção de Carnap, da lógica [simbólica] correspondendo à observação, ou seja, uma postura empirista. Já o positivismo pleiteia condições para se verificar o significado das sentenças demarcando a ciência e a metafísica, que não teria sentido. Entretanto, se opondo à referência aos dados sensoriais (fenomenalismo), Neurath defendeu o fiscalismo trazendo dificuldades para Carnap que mudou sua abordagem verificacionista para uma de confirmação.

Pessoa cita brevemente a ideia de ciência unificada[ii], mas volta ao positivismo lógico para trazer a concepção de falseacionismo de Popper que, ao invés de buscar por sentenças válidas com o método de generalização indutiva de fatos em leis, deveria ser hipotético dedutivo, ou seja, partir de hipóteses para ver sua validade empírica que pode ser falseada e continuar a busca ou corroborada. Por fim, trazendo a visão de Reichenbach, conclui que o papel dessa corrente da Filosofia da Ciência, chamada “visão recebida” é do deve ser, qual seja, normativa, não focalizando a prática de como a ciência era feita.

Sociologia da Ciência: a institucionalização da ciência.

Pessoa localiza a busca de Merton pela origem da prática científica no século XVII, na Inglaterra, associada à ética puritana. Merton elenca as principais normas éticas da ciência desse ponto de vista: universalismo (deixar de lado o pessoal), comunalidade (colaboração), desinteresse (não visar interesse próprio) e ceticismo organizado (duvidar de tudo), embora também haja contra normas implícitas. Abordando o etos científico, Merton conceitua o efeito Mateus na universidade: aos mais citados, mais citações, ou seja, gera-se uma estratificação dentro da academia. Por fim, Pessoa conjuga essa sociologia funcionalista à tradição lógica tratada acima, pois ambas não questionam efetivamente o conteúdo da ciência.

Filosofia da Ciência: além da lógica.

Reações das teorias globalistas no fim dos 50, que não se prendiam aos aspectos teóricos, entre outras coisas, misturavam a abordagem empírica com a teoria do observador e não se restringiam aos procedimentos lógicos de confirmação ou falseamento, pois traziam o contexto histórico e social. Elas rejeitam o fundacionalismo trazido pelos dados da observação e passam a focar na teoria, embora tanto a “visão recebida” como as teorias globalistas desprezassem a prática experimental.

O expoente é Kuhn com o “paradigma”, quer dizer, as crenças e valores dos cientistas e o modelo de sua atividade ficam vigentes enquanto tratam dos problemas de determinada visão de mundo, até que entram em crise e uma revolução estabelece um novo paradigma. Nesse sentido, mais do que uma acomodação aos fatos do mundo, vale resolver os problemas.

Lakatos apresenta o “programa de pesquisa”, trazendo elementos de Popper e Kuhn, em que teorias se filiam a uma tradição com um núcleo duro, cujo sucesso depende de fazer previsões novas, mesmo explicando menos fatos[iii]. Já Feyerabend vê a ciência como anarquia, onde “Tudo Vale!”: vale mais persuasão, criatividade individual do que racionalidade.

Nova Sociologia e Relativismo.

Sociologia do conhecimento marxista com Mannheim e escola de Frankfurt com três pontos: inclusão do conteúdo científico, rompendo a distinção entre social e científico; preocupação internalista de como o conteúdo da ciência é construído; análise linguística do significado no discurso científico. Essa sociologia traz do globalismo uma noção de negociação de consenso, com a concepção de que a visão científica depende do contexto social do observador e de que pode haver mais de uma teoria sobre determinados fatos.

Começa com Fleck, sob a influência de Kuhn, passando pela cienciometria dos índices das citações científicas entre outras. Dentre as abordagens, Pessoa destaca o relativismo epistêmico em oposição à crença verdadeira justificada chegando à influência social na cognição humana e interesse de grupos; a abordagem do construtivismo que se vale mais da descrição do processo científico que de sua explicação; e o estudo das práticas de laboratório com Latour & Woolgar onde há construção social em cima dos fatos científicos.



[i] Filosofia & Sociologia da Ciência, Osvaldo Pessoa Jr. Acesso em 15/02/2021: http://opessoa.fflch.usp.br/sites/opessoa.fflch.usp.br/files/Soc1.pdfAula ministrada na disciplina de HG-022 Epistemologia das Ciências Sociais do curso de Ciências Sociais da Unicamp a convite da profa. Fátima Évora. 

[iii] Há também a “tradição de pesquisa” de Laudan, mais focada na resolução de problemas, como Kuhn. 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Aufbau

Reavaliar leituras estereotipadas do Aufbau visando mostrar que se trata mais de um projeto lógico-linguístico do que somente epistemológico.[i]

O Aufbau[ii] tinha por fim lançar as bases para a construção da ciência unificada sobre um sistema lógico (linguístico)-epistemológico (psicológico) de conceitos (objetos) visando a redução de cognições umas às outras por uma linguagem fenomenalista com a certeza do imediatamente dado na experiência, mais certo que as coisas materiais.

Tentando desintrincar o lógico-psicológico, Pizzutti e Liston argumentam que as cognições básicas seriam derivadas não dos dados dos sentidos, mas metodologicamente tidas com válidas. O próprio Carnap afirmara que a epistemologia era de base metodológica visando justificar as cognições relacionadas. Assim, a premissa do Aufbau é de ordenação lógica dos conceitos, visando o sistema construcional, mas que teria um base auto psicológica, na medida em que essa ordenação também dependeria do conhecimento dos objetos inferiores, trazendo uma primazia epistêmica.

Conforme citações de Carnap, o sistema construcional é baseado em conceitos sobre conceitos e transitivo, ou seja, os conceitos superiores podem ser reduzidos a enunciados sobre os fundamentais, etc. É fundado na lógica e teoria dos tipos do Principia Mathematica, ou seja, conforme os autores, projeto lógico-linguístico. Haveria quatro domínios base para construção dos conceitos das ciências empíricas em um único sistema:

i.  Auto psicológico: formam a base do sistema de reconstrução racional do conhecimento pela sua redutibilidade lógica e têm primazia epistêmica. São os objetos do mundo subjetivo do sujeito.

ii. Físico: se baseiam nos anteriores para construir os objetos do mundo da física. Se reduzem pela percepção.

iii. Hetero psicológico: outras mentes e sujeitos dotados de consciência. Se reduzem por meio da externalização dos estados psicológicos (comportamento).

 iv. Cultural: mundo dos objetos culturais. Se reduzem através de manifestações psicológicas e suas documentações físicas.

Se a base foi auto psicológica em função da base lógica construcional e epistêmica e por possuir poucos objetos básicos, envolveu dificuldades:

1. Aparente solipsismo, mas que teria apenas essa forma pois trata-se de um solipsismo metodológico e não somente experiências particulares de um indivíduo.

2. Se a base subjetiva permitiria objetividade e, segundo Carnap, sim, por propriedades estruturais análogas a todos os sujeitos e que perpassam qualquer fluxo de experiência.

3. A base formada por percepções, que são experiências elementares não sujeitas a análise, seria superada por meio da descrição das relações das propriedades individuais das experiências, num processo de quase-análise.

A partir desses pontos Carnap estabelece como sustentação das relações o reconhecimento de similaridade, comparando a imagem memorética de duas percepções para considerá-las semelhantes e construir o domínio auto psicológico subindo para os outros níveis.

Pizzutti e Liston mostram que as críticas de Quine e outros foram enviesadas e criaram uma visão caricatural do movimento de Viena. Para Quine, Carnap traria um empirismo clássico seguindo a lógica de Frege e Russell, ou seja, uma versão ingênua de empirismo fundacionista e reducionismo fenomenalista. Segundo Quine, teria havido fracasso na busca pelos fundamentos da matemática, ou seja, no logicismo, dentro do campo conceitual das ciências exatas, de um significado teórico.

Entretanto, haveria o campo doutrinal nas ciências naturais, reduzindo o significado à experiencia sensorial e daí, a verdade do conhecimento através de leis. O pai do projeto era Russell e sua proposta de dados dos sentidos como construto lógico do mundo exterior que, segundo Quine, teria quase obtido êxito por Carnap no Aufbau, mas a busca de uma certeza cartesiana teria fracassado via experiência imediata.

Segundo o próprio Carnap, uma base fiscalista seria mais interessante do ponto de vista científico, entretanto sua escolha foi pela ordenação auto psicológica privilegiando o aspecto epistemológico na esteira do realismo, idealismo e fenomenalismo e formação de uma base convencional.

Na visão de Carnap, a epistemologia, ao mesmo tempo em que justifica o conhecimento, é relativa porque relaciona cognições. No caso do Aufbau, a construção do sistema é ordenada pelo conhecimento partindo dos dados dos sentidos e cognições pressupostas como válidas. Mas a condição suficiente do sistema construcional é lógica e só metodologicamente é feita a análise epistemológica. A reconstrução racional é de inferência lógica partindo de cada um dos constituintes das experiências que podem ser epistemicamente independentes, mas a análise epistemológica para ser válida, deve permitir uma redução das cognições. Conforme os autores:

No projeto de sistemas construcionais de modo geral, a análise lógica é condição suficiente para construir um sistema, a análise epistemológica é condição necessária se o sistema proposto deve refletir, além de uma ordenação lógica, uma ordenação epistemológica do conhecimento.

Ao tratar do sistema, os autores acreditam que o Aufbau é fundacionista, mas não da maneira vista por Quine, qual seja, de que Carnap teria assumido o reducionismo como dogma da tradição empirista, isto é, a verdade “cartesiana” seria dada pela tradução do discurso significativo na linguagem dos dados dos sentidos, constatado diretamente da experiência. Na visão de Pizzutti e Liston, o sistema de Carnap é fundacionista com o domínio auto psicológico das percepções e enunciados fenomenalistas baseados em crenças básicas justificadas por si (irrevisáveis) e construcional pois permite a redução dos objetos do conhecimento científico à sua base, pela primazia epistêmica. Entretanto, se há esse justificacionismo epistemológico por enunciados básicos autoevidentes, ele não é infalível, tal como ocorre em Descartes, mas segue uma razão metodológica e, por isso, escolhida convencionalmente e substituível.

Por fim, os autores reforçam que, no Aufbau, o “projeto é guiado por uma reconstrução racional do conhecimento científico cuja base é uma ordenação lógica com elementos psicológicos” e que não está comprometido com a análise epistêmica do conhecimento.  Eles tentaram defender a tese de que Carnap não é dogmático por defender o convencionalismo e a tolerância linguística, desde que explicitada a clareza das regras o invés de argumentos filosóficos. Segundo ele, em lógica não há moral.


[i] Pedro Henrique Nogueira Pizzutti e Gelson Liston. O PROJETO LÓGICO-LINGUÍSTICO E EPISTEMOLÓGICO DO AUFBAU DE RUDOLF CARNAP. Na Revista Problemata, acessado em 10/02/2021 pelo link https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/44612/29117. Sem a marcação de em qual obra de cada autor está cada argumento, apenas uma tentativa de expor a visão panorâmica da discussão.

[ii] The logical structure of the world. Aufbau = construção.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A disseminação da atitude científica pelo Círculo de Viena

Trata-se de olhar duas propostas científicas do Círculo de Viena: o fiscalismo de Carnap e o movimento pela unificação da ciência, liderado por Neurath, dentro de um contexto social obscuro.[i]

Fiscalismo de Carnap. O fiscalismo de Carnap visava a criação de uma linguagem que tratasse dos objetos físicos que se dão no espaço-tempo, uma linguagem das coisas que seria utilizada por cada ciência em seu domínio. Nesse sentido, para Carnap a linguagem fisicalista unificaria a ciência através de um sistema lógico ligado ao conhecimento empírico dos objetos experienciados intersubjetivamente.

Dessa maneira, toda ciência falaria de objetos, traduziria seus enunciados em objetos formando uma unidade, sem as distinções entre ciência pura e aplicada ou ciências da natureza e do espírito. A compreensão dos objetos de maneira lógica seria própria da ciência, legando o que não se desse na experiência intersubjetiva para a metafísica, que ficaria com temas sem conteúdo cognitivo. E a tarefa da filosofia se daria analisando as relações entre o conhecimento e essa linguagem fisicalista, no campo da lógica.

Ciência unificada. Se houve críticas de que tal tarefa era muito restrita ao excluir, por exemplo, política ou ética, Ivan nos lembra que os participantes do Círculo de Viena eram humanistas, como é o caso de Otto Neurath. Carnap, Neurath e Hahn foram os principais elaboradores do Manifesto do Círculo de Viena (29) que pautava uma atitude científica orientada à pesquisa para obter uma ciência unificada e compartilhada, com conceitos comuns em um trabalho coletivo. Então, na medida em que essa ciência tentava se afastar das “profundezas”, a linguagem fisicalista surgia como resultado do manifesto.

A ciência unificada englobaria ambos os projetos: por um lado, a linguagem fisicalista, ao se relacionar logicamente com os ramos da ciência, se liberta de obscuridades e, por outro, a atitude científica trazendo clareza na resolução dos problemas e se opondo a querelas metafisicas, como o conhecimento a priori na ciência e matemática. O manifesto refuta a filosofia como ciência fundamental acima das ciências empíricas, mas a situa em um estudo das relações lógicas entre objetos utilizando-se de definições e convenções e empiricamente, porém sem entidades que não podem ser conhecidas. Visava-se, nos parece, uma investigação que tenha utilidade para a vida humana e cotidiana.

Utopia de Neurath. Ivan traz então a visão utópica de Neurath de implementação de modelos sociais baseados em sociedades ideais, do quais ele participou, mas que não seriam implementados tecnocraticamente e sim através da participação e envolvimento dos afetados. Entretanto, Neurath sabe que o trabalho é coletivo e falível, assim como a ciência, que precisa ser reconstruída constantemente. Isso posto, vê-se que, na visão utópica de Neurath, a ciência construiria uma sociedade melhor, mas não sem discussão e colaboração.

Nesse contexto, Neurath deu início a construção de uma Enciclopédia da Ciência Unificada, aos moldes de d'Alembert e Diderot, mas trazendo uma visão plural de ciência, à maneira de um mosaico, mostrando diversas concepções de ciência que no total não formam um sistema uniforme. Ivan também traz o contexto de tendência ao misticismo que se abatia na Europa dos anos 30, de governos totalitários e uma sociedade entregue, contexto esse que o movimento pela unidade da ciência visava superar pela atitude científica perante os mistérios incognoscíveis. Conforme Ivan, pelo “esforço coletivo, contínuo, plural, e falível, como no mosaico da ciência.”.

Fiscalismo como ferramenta. A ferramenta do projeto científico de rejeição ao obscurantismo é o fiscalismo de Carnap, marcado pela articulação lógica que é livre de ambiguidades e referenciando os objetos do cotidiano intersubjetivo. Entretanto, na proposta lógica de Carnap, o que unifica o sistema é se referir a esses objetos, já que cada ciência tem sua teoria particular que forma o mosaico [lógico] proposto por Neurath. E, como é falível, o fiscalismo não é uma proposta estritamente racional e fechada e sim focado em soluções, como se estabelece no Princípio de Tolerância Linguística de Carnap, segundo o qual filósofos e lógicos não proíbem, mas ampliam e convencionam. Segundo Ivan, já no Aufbau Carnap apresentava um sistema lógico que não mapeasse exatamente todas as características do conhecimento, mas com um viés orientado a compreender cada ciência.

*  *  *  *  *

Por fim, Ivan elenca os principais pontos de unidade da ciência:

·         Promover a clareza científica através da divulgação da atitude científica;

·         Investigação lógica relacionada à experiência intersubjetiva cotidiana;

·         Filosofia se afastar da teologia e metafísica.

Com a vertente de Neurath associada aos aspectos políticos e a de Carnap marcada pela lógica, o manifesto tentou fracassadamente frear o totalitarismo, sem se limitar ao aspecto gélido da lógica, mas pela discussão científica. Para Ivan, a grande contribuição do projeto foi de como a lógica e a ciência podem iluminar a compreensão política e educacional.



[i] Conforme Ivan Ferreira Cunha. Acesso em 08/02/2021. Na Revista Educação e Filosofia mantida pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia. Link de acesso ao texto: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/41040.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Behaviorismo de Skinner[i]

Trata de pontos da diferença entre o behaviorismo metodológico de Watson e o behaviorismo radical de Skinner, dentro da concepção de comportamento na psicologia.

Behaviorismo metodológico. Embora o behaviorismo já tenha saído de pauta, conforme afirma Teixeira, é importante seu conhecimento pois a ele se oporá o cognitivismo. Portanto, de acordo com a psicologia popular[ii] e o behaviorismo metodológico, o comportamento é identificado como um “movimento muscular observável”. Essa é a visão de Watson, baseada no estímulo-resposta que retira a mente do discurso científico objetivo e experimental, bem como o vocabulário mentalista oriundo da introspecção e consciência.

Teixeira nota que, paradoxalmente, tal concepção o aproxima de Descartes, na medida em que separa e não estuda a mente. Na perspectiva do behaviorismo metodológico, o estudo de comportamento dos humanos se aproxima dos animais, embora reconhecendo o papel da linguagem ou da imaginação, mas pautando o estudo sensório-motor, estudo do comportamento em termos de reflexos, mesmo nem todos os comportamentos produzindo estímulos.

Crítica de Ryle. Teixeira traz as críticas de Ryle, através de situações onde, por uma observação apenas fenomenalista, não se consegue distinguir entre comportamentos involuntários, deliberados ou mesmo algum tipo de imitação ou fingimento. Segundo Ryle, isso só seria possível pela interpretação, pois somente pelo movimento muscular não se poderia conhecer o comportamento exato. Para Ryle, é preciso uma linguagem mentalista e atribuição de crenças e intenções a alguém, ou seja, o mental não se reduz ao comportamento.

Behaviorismo radical. Já Skinner considera estados mentais, embora sem causa operante. Em seu behaviorismo radical, o comportamento operante pode não ser observável e não se reduz a causa e efeito[iii]. Ou seja, o comportamento operante não requer estímulo identificável, mas sua resposta produz um efeito no ambiente em que o organismo está inserido, mas que pode ser pautada por um estímulo discriminativo que pode ser inferido. Nesse caso, não há respostas idênticas, mas classes de estímulos e respostas genéricas e eventos reforçadores (consequências) responsáveis pelo condicionamento.

Interpretação. De acordo com Teixeira, Skinner rompe a barreira mecanicista do estímulo-resposta e, em seu behaviorismo radical, as frequências de respostas e reforços trazem a probabilidade, que vai além do tudo ou nada, e o comportamento supera o que é dado somente na percepção. Ao rejeitar a associação entre comportamento e movimento muscular perceptível, Skinner diz que “uma ciência do comportamento só pode oferecer uma interpretação”. Com essa ideia teórica, Skinner se afasta do empirismo e do neopositivismo extremamente fisicalista. Conforme Teixeira: “Não há observação do comportamento que não seja simultaneamente interpretação.”.

Assim, Skinner abre as portas para o estudo de fenômenos mentais inobserváveis, tratados como um comportamento encoberto. Seu behaviorismo é radical porque trata da psique, mesmo que aproximando a consciência da linguagem, mas fechando a porta ao dualismo. E segundo Teixeira, há um resíduo mental que não pode ser eliminado na descrição do comportamento humano, que se aproxima da interpretação tratada por Skinner. Isso porque, na visão fisicalista de Watson, não há lugar para o sentido e atinge-se o limite da psicologia experimental. Já com a proposta de Skinner, podemos suplantar os aspectos empíricos do comportamento e tratar dos aspectos funcionais.

Não Reducionismo. Teixeira também ressalta que os neopositivistas e behavioristas radicais leram Skinner erradamente, baseados na concepção da psicologia popular que visava o discurso fisicalista defendido por Carnap. Skinner só era antimentalista sendo anticartesianista e, nesse caso, concordaria com a visão de Fodor que compatibiliza mentalismo e materialismo.

No behaviorismo radical, não se pode reduzir a intencionalidade ao comportamento observável nem a ele filiar o neopositivismo, que seria herança do behaviorismo metodológico, linha essa que parece ganhar força com a neurociência cognitiva, a partir da busca de estímulos cerebrais. Contudo, nem a neurociência poderá escapar das retroações que o comportamento estabelece com o meio ambiente ou com a interpretação que um estudioso de uma imagem faz do que supostamente está ocorrendo no cérebro e estaria associado a determinado comportamento.



[i] Conforme TEIXEIRA, J. de F. Mente e comportamento, acessado em 06/02/2021 na Aurora Journal of Philosophy. Link: https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/2209

[iii] O de Watson é um comportamento reflexo ou respondente.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A mente algorítmica

Esse é um primeiro contato com Chomsky e mantendo nosso aspecto de pesquisa: textos online em revistas de universidades. Para esse caso, utilizaremos parte do texto de Nathália Luiz de Freitas, que está na Revista Percursos Linguísticos[i].

De acordo com Nathália, Chomsky entende a linguagem como um órgão do corpo humano, enfatizando o seu caráter biológico e genético. Nesse sentido, temos uma gramática interna responsável pela produção simbólica, o que associa a linguagem ao campo da psicologia, porém sem relegar o papel da linguística.

Chomsky postula um estado inicial da faculdade da linguagem, uma Gramática Universal, que possibilita um sem número de linguagens humanas. Isto é, trata-se de uma Gramática Gerativa, que é um aparato de caráter universal devido a uma necessidade biológica do nosso organismo.

Em resposta a Skinner e sua perspectiva behaviorista, que toma o comportamento como objeto científico para explicar a complexidade humana, Chomsky faz a Revolução Cognitiva (anos 50) cuja investigação se volta para nossos mecanismos internos, estudando um objeto real do mundo natural: o cérebro e suas funções, biologia, mente, etc.

Na perspectiva de Chomsky, então, há um viés racionalista que traz um conceito de representação e visa compreender as regras de processamento cognitivo que geram proposições linguísticas e que teriam um caráter inato. A perspectiva gerativista desloca o estudo dos produtos linguísticos para a capacidade humana de gerar linguagem, dentro da Linguística, localizando-o em consonância com a mente.

Avançando um pouco mais e finalizando, destaca-se o papel da sintaxe com caráter gerativo, ao invés da semântica e seu caráter interpretativo. É a sintaxe, antes de tudo, que permite formular regras para formar sentenças, combinar substantivos e verbos, etc., à maneira da estrutura cognitiva da mente e de uma configuração neuronal que teria natureza algorítmica.



[i] Conforme https://periodicos.ufes.br/percursos/issue/view/623, acesso em 31/01/2021.