Sobre o significado e conceitos correlatos[i]
Entendemos o significado da frase “Aristóteles
é sábio”, ao passo que a frase “praticum ble” não o tem. De “Aristóteles é
sábio”, sabemos tanto o significado da frase como de cada expressão subfrásica
que a compõe e a filosofia da linguagem procura saber qual significado desta ou
daquela expressão linguística, ou melhor, de cada tipo de expressão linguística.
Se podemos procurar no dicionário o significado de uma palavra para nosso uso
cotidiano, há desacordo no significado dos tipos de expressões, como nomes
próprios, por exemplo, que podem ser descrições ou o próprio objeto referido (como temos visto).
Então, como esse tipo de expressão (um nome
próprio) significa o que significa? Em virtude de quais fatos? E, assim como feito
com a referência, Sagid traz os problemas descritivos e fundacionais também
para o significado, conforme o quadro abaixo.
Problema |
Descritivo |
Fundacional |
Referência |
Qual
item da realidade a expressão pretensamente seleciona? |
Como
essa expressão refere? |
Significado |
Qual
significado desse tipo de expressão? |
Em
virtude de quais fatos essas expressões significam o que significam? |
Isso posto, uma teoria do significado deveria tratar de fatos básicos a cerca do significado, como por que certos tipos de frases têm o significado que têm e casos específicos como a ambiguidade, que é o caso da mesma expressão ter significados diferentes (como em “Cheguei ao banco” – da praça ou instituição financeira?) e a sinonímia, abordando expressões diferentes com mesmo significado (como solteiro e não casado.. em virtude de que?). E, assim como o método usado na investigação da referência, no qual classes diferentes apresentam mecanismos diferentes para a resolução dos problemas, para o significado também se faz necessário dividir as expressões em classes específicas.
Conceitos
Sagid explica que a palavra significado
é ambígua, apresentando diferentes sentidos como significado linguístico
e conteúdo, e exemplifica. Supondo que encontremos um diário com a frase
“Eu estou triste”. Embora não saibamos quem escreveu essa frase, sabemos que a
frase significa que a pessoa que escreveu está triste. Sabemos porque conhecemos
as convenções linguísticas, como “eu”, que tem sempre como referente quem proferiu
a expressão, etc. Porém, não conhecemos o significado em certo sentido, qual
seja, qual informação particular é transmitida: é João ou Maria quem está
triste?
No primeiro caso, trata-se do significado linguístico,
no segundo do conteúdo, que será o foco de Sagid nesse curso. Conforme dito, o significado
linguístico é convencional por meio de regras; não varia com o contexto, isto
é, a regra é sempre a mesma, embora o conteúdo possa variar; restringe o conteúdo
impondo limites (por exemplo, “Eu estou triste” não quer dizer “A neve é branca”);
pode não ser rico o suficiente para determinar o conteúdo[ii].
Ora, mesmo o conteúdo também apresenta
diferentes sentidos, sendo 1.) o que é dito pela frase e 2.) o que é implícito
pela frase. Pois bem, o significado linguístico restringe o conteúdo que é dito
pela frase, embora uma parte do conteúdo possa escapar. A pergunta “Como você
está se sentindo?” pode trazer o conteúdo dito “Eu estou triste.”. Já a
pergunta “Você vai à festa?”, se tiver como resposta “Eu estou triste”, traz a
informação adicional “Eu não vou à festa.”. Já a pergunta “Como você está se
sentindo?” pode trazer o conteúdo dito “Eu estou triste.” acompanhado de um
piscar de olhos e aí significando que a pessoa não está triste. Então, os dois
conteúdos são importantes, já que o implícito pode, por exemplo, envolver
cinismo, sendo fundamental no uso cotidiano.
A distinção entre o conteúdo dito e o
implícito tem, provavelmente, forte relação com certo significado literal e não literal, assim como a semântica e a pragmática, respectivamente. A
semântica, que será alvo da abordagem de Sagid, está sujeita a menor variação
contextual, já a pragmática abrange todos os detalhes contextuais e as
intenções que são relevantes para a comunicação[iii][iv].
Princípio da Composicionalidade
Seguindo com o arcabouço conceitual, finalizaremos com o PC. Não há dúvidas de que entendemos expressões subfrásicas (gato, cachorro, Platão, etc..) e parece que assim é porque aprendemos quando criança e temos esse conhecimento prévio. O mesmo com frases, cujos significados nos foram introduzidos e a eles recorremos por força da memória. Mas, se é assim, como podemos conhecer frases novas instantaneamente, frases nunca ouvidas como “João Rafael escreveu um bilhete com caneta tinteiro azul-turquesa?” Vejamos.
As frases “João é sábio” e “Marcos é sábio”
têm significados diferentes já que, pelo menos, uma expressão é diferente entre
elas. Do mesmo modo, “João é sábio” e “João é barbudo” atribuem predicados
diferentes a João. Logo, tem-se a impressão de que o significado da frase é
parcialmente determinado pelas expressões que a compõem. Mas, as frases
tanto podem ter expressões linguísticas diferentes e significado igual, como “A
neve é branca” e “Snow is white”, quanto podem ter as mesmas expressões e
significados diferentes, como “João chegou ao banco” (instituição financeira) e
“João chegou ao banco” (assento da praça). Desse modo, nossa hipótese inicial
se invalida, e podemos enunciar a primeira parte de PC como "o significado da
frase é determinado pelo significado das expressões subfrásicas".
Mas, há frases que podem ter as
mesmas expressões com os mesmos significados e mesmo assim terem significados
diferentes. É o caso de “João ama Maria” e “Maria ama João”. Destarte, teríamos
que acrescentar a ordem no PC, isto é, o modo como as expressões estão
organizadas, sua estrutura. E o princípio da composicionalidade é formulado por
Sagid como se segue: “O significado de uma frase é determinado pelo significado de suas partes
e pelo modo como estas estão estruturadas”. Segundo ele, o princípio é popular
entre os filósofos e mostra que o significado das expressões é valioso na contribuição
das frases, de maneira que será explorado por Russell no caso da teoria das descrições definidas.
Finalizamos ressaltando que o PC nos ajuda a esclarecer o fenômeno da
produtividade da linguagem, isto é, nossa capacidade de formular e entender
frases inteiramente novas pela composicionalidade, que permite criar um
universo infinito de frases baseadas em um conjunto finito de regras.
[i] Recortes feitos das aulas 04, 05 e
06 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da
Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.
[ii] Sagid informa que tanto o
significado linguístico quanto o conteúdo também levantam os problemas
descritivo e fundacional.
[iii] Assim como a nota anterior, os
problemas se aplicam tanto ao conteúdo dito quanto ao implícito.
[iv] Sobre pragmática, Sagid indica Grice, a conferir: https://criticanarede.com/lds_conversas.html.