sábado, 19 de novembro de 2022

Introdução ao Significado

Sobre o significado e conceitos correlatos[i]

Entendemos o significado da frase “Aristóteles é sábio”, ao passo que a frase “praticum ble” não o tem. De “Aristóteles é sábio”, sabemos tanto o significado da frase como de cada expressão subfrásica que a compõe e a filosofia da linguagem procura saber qual significado desta ou daquela expressão linguística, ou melhor, de cada tipo de expressão linguística. Se podemos procurar no dicionário o significado de uma palavra para nosso uso cotidiano, há desacordo no significado dos tipos de expressões, como nomes próprios, por exemplo, que podem ser descrições ou o próprio objeto referido (como temos visto).

Então, como esse tipo de expressão (um nome próprio) significa o que significa? Em virtude de quais fatos? E, assim como feito com a referência, Sagid traz os problemas descritivos e fundacionais também para o significado, conforme o quadro abaixo.

Problema

Descritivo

Fundacional

Referência

Qual item da realidade a expressão pretensamente seleciona?

Como essa expressão refere?

Significado

Qual significado desse tipo de expressão?

Em virtude de quais fatos essas expressões significam o que significam?

Isso posto, uma teoria do significado deveria tratar de fatos básicos a cerca do significado, como por que certos tipos de frases têm o significado que têm e casos específicos como a ambiguidade, que é o caso da mesma expressão ter significados diferentes (como em “Cheguei ao banco” – da praça ou instituição financeira?) e a sinonímia, abordando expressões diferentes com mesmo significado (como solteiro e não casado.. em virtude de que?). E, assim como o método usado na investigação da referência, no qual classes diferentes apresentam mecanismos diferentes para a resolução dos problemas, para o significado também se faz necessário dividir as expressões em classes específicas.

Conceitos

Sagid explica que a palavra significado é ambígua, apresentando diferentes sentidos como significado linguístico e conteúdo, e exemplifica. Supondo que encontremos um diário com a frase “Eu estou triste”. Embora não saibamos quem escreveu essa frase, sabemos que a frase significa que a pessoa que escreveu está triste. Sabemos porque conhecemos as convenções linguísticas, como “eu”, que tem sempre como referente quem proferiu a expressão, etc. Porém, não conhecemos o significado em certo sentido, qual seja, qual informação particular é transmitida: é João ou Maria quem está triste?

No primeiro caso, trata-se do significado linguístico, no segundo do conteúdo, que será o foco de Sagid nesse curso. Conforme dito, o significado linguístico é convencional por meio de regras; não varia com o contexto, isto é, a regra é sempre a mesma, embora o conteúdo possa variar; restringe o conteúdo impondo limites (por exemplo, “Eu estou triste” não quer dizer “A neve é branca”); pode não ser rico o suficiente para determinar o conteúdo[ii].

Ora, mesmo o conteúdo também apresenta diferentes sentidos, sendo 1.) o que é dito pela frase e 2.) o que é implícito pela frase. Pois bem, o significado linguístico restringe o conteúdo que é dito pela frase, embora uma parte do conteúdo possa escapar. A pergunta “Como você está se sentindo?” pode trazer o conteúdo dito “Eu estou triste.”. Já a pergunta “Você vai à festa?”, se tiver como resposta “Eu estou triste”, traz a informação adicional “Eu não vou à festa.”. Já a pergunta “Como você está se sentindo?” pode trazer o conteúdo dito “Eu estou triste.” acompanhado de um piscar de olhos e aí significando que a pessoa não está triste. Então, os dois conteúdos são importantes, já que o implícito pode, por exemplo, envolver cinismo, sendo fundamental no uso cotidiano.

A distinção entre o conteúdo dito e o implícito tem, provavelmente, forte relação com certo significado literal e não literal, assim como a semântica e a pragmática, respectivamente. A semântica, que será alvo da abordagem de Sagid, está sujeita a menor variação contextual, já a pragmática abrange todos os detalhes contextuais e as intenções que são relevantes para a comunicação[iii][iv].

Princípio da Composicionalidade

Seguindo com o arcabouço conceitual, finalizaremos com o PC. Não há dúvidas de que entendemos expressões subfrásicas (gato, cachorro, Platão, etc..) e parece que assim é porque aprendemos quando criança e temos esse conhecimento prévio. O mesmo com frases, cujos significados nos foram introduzidos e a eles recorremos por força da memória. Mas, se é assim, como podemos conhecer frases novas instantaneamente, frases nunca ouvidas como “João Rafael escreveu um bilhete com caneta tinteiro azul-turquesa?” Vejamos.

As frases “João é sábio” e “Marcos é sábio” têm significados diferentes já que, pelo menos, uma expressão é diferente entre elas. Do mesmo modo, “João é sábio” e “João é barbudo” atribuem predicados diferentes a João. Logo, tem-se a impressão de que o significado da frase é parcialmente determinado pelas expressões que a compõem. Mas, as frases tanto podem ter expressões linguísticas diferentes e significado igual, como “A neve é branca” e “Snow is white”, quanto podem ter as mesmas expressões e significados diferentes, como “João chegou ao banco” (instituição financeira) e “João chegou ao banco” (assento da praça). Desse modo, nossa hipótese inicial se invalida, e podemos enunciar a primeira parte de PC como "o significado da frase é determinado pelo significado das expressões subfrásicas".

Mas, há frases que podem ter as mesmas expressões com os mesmos significados e mesmo assim terem significados diferentes. É o caso de “João ama Maria” e “Maria ama João”. Destarte, teríamos que acrescentar a ordem no PC, isto é, o modo como as expressões estão organizadas, sua estrutura. E o princípio da composicionalidade é formulado por Sagid como se segue: “O significado de uma frase é determinado pelo significado de suas partes e pelo modo como estas estão estruturadas”. Segundo ele, o princípio é popular entre os filósofos e mostra que o significado das expressões é valioso na contribuição das frases, de maneira que será explorado por Russell no caso da teoria das descrições definidas.

Finalizamos ressaltando que o PC nos ajuda a esclarecer o fenômeno da produtividade da linguagem, isto é, nossa capacidade de formular e entender frases inteiramente novas pela composicionalidade, que permite criar um universo infinito de frases baseadas em um conjunto finito de regras.



[i] Recortes feitos das aulas 04, 05 e 06 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.

[ii] Sagid informa que tanto o significado linguístico quanto o conteúdo também levantam os problemas descritivo e fundacional.

[iii] Assim como a nota anterior, os problemas se aplicam tanto ao conteúdo dito quanto ao implícito.

[iv] Sobre pragmática, Sagid indica Grice, a conferir: https://criticanarede.com/lds_conversas.html.