De como noções cartesianas poderiam justificar a telepresença que é refutada pela atividade incorporada proposta por Merleau-Ponty.
Dreyfus
traz, inicialmente, a possibilidade de uma Máquina que nos permitisse viver envolvidos
eletronicamente uns com os outros à distância[ii]. Em
tal realidade, de uma vida dentro do quarto em contato com o mundo, nossos
corpos pareceriam irrelevantes e nossa atividade seria guiada pela mente.
A
seguir, então, Dreyfus move a questão para o nosso tempo onde a telepresença[iii] é
real e se encaminha ante duas visões: por um lado, apontando para uma vivência
ubíqua (e, por que não eterna, se desincorporada?)
e, por outro, mostrando que a mediação pela net traz isolamento e depressão,
segundo apontam pesquisas da Carnegie Mellon e Stanford. Isso leva os
pesquisadores a suscitarem questões sobre o tipo de mundo que teríamos a partir
dos progressos da telepresença.
Embora
alguns especialistas em tecnologia e infraestrutura apontem para a rede mundial
e a telepresença como propiciando uma vida melhor, para verificar essa questão
Dreyfus lança algumas perguntas, das quais nos ateremos sobre a se a relação
com o mundo pela tele tecnologia afeta nosso senso de realidade.
Pois
bem, Dreyfus remete a Descartes o surgimento da noção de nossa experiência
subjetiva e de mundo interior, separando a realidade externa dos conteúdos da
mente. Ele destaca o pioneirismo de Descartes na óptica e de como faríamos um
acesso indireto ao mundo pela representação no cérebro ou na mente. Mesmo
relatos de membros fantasmas (p.ex., uma perna amputada) indicariam que uma dor
não é proveniente do corpo.
Nesse
sentido, se para Descartes o acesso ao mundo se da pela mente e é pessoal e
subjetivo, para Dreyfus tal conclusão parece corroborar a telepresença.
Entretanto, mesmo que via uma experiência indireta, para Dreyfus o
questionamento dos pragmatistas é mais importante: se nossa relação é
incorporada e ativa ou desincorporada e distanciada. Do que eles concluem com a
primeira caracterizando nosso contato com o mundo através de um feedback perceptível.
Dreyfus
mostra que a tecnologia pode trazer esse feedback,
mesmo que remotamente, em tempo real. Mas, ainda assim, algo se perde na distância.
E é exatamente o senso de prontidão, o risco de estar no mundo, e sem tal
vulnerabilidade a experiência seria sentida como irreal. Ou será que a
possibilidade de controle pela tecnologia nos livraria de tal senso de prontidão?
Para
Merleau-Ponty, o corpo necessita de um senso de apreensão ótima do mundo e é
isso que traz o sentido de presença do mundo. Nem excesso, nem deficiência,
buscamos uma distância ótima dos objetos obtida quando o corpo se entrelaça com
o mundo. A experiência é indeterminada e pela percepção buscamos a melhor apreensão
que possa superar essa incerteza.
É
essa noção de prontidão incorporada que é nossa crença primordial na realidade
do mundo[iv]. Conforme Dreyfus:
“É
o que nos dá o nosso sentido da presença direta das coisas. Então, para haver
um sentido de presença na telepresença, alguém não apenas teria que ser capaz
de ter uma apreensão das coisas à distância; alguém precisaria ter um senso do
contexto ao solicitar prontidão constante para ter uma apreensão constante do
que vier pela frente”.
Por
fim, mesmo novas técnicas que trazem uma multicanalidade na interação visando complementar o senso de feedback,
como som ambiente ou canais de toque e cheiro, não seriam capazes de prover um
senso holístico da interação incorporada, crucial aos encontros humanos intercorporais.
[i] Dreyfus, Hubert L. A Internet – Uma crítica filosófica à
educação à distância e ao mundo virtual. 2. Ed. Belo Horizonte:
Fabrefactum, 2012. Capítulo 3.
[ii] Dreyfus se refere à obra The Machine stops escrita em 1909 por
Edward Morgan Forster.
[iii] Telepresença refere-se a um
conjunto de tecnologias que permitem a uma pessoa sentir-se presente, dar a
aparência de estar presente ou ter um efeito, via tele robótica, em um local
que não seja sua verdadeira localização. Conforme Wikipédia: https://en.wikipedia.org/wiki/Telepresence,
acesso em 21 de junho de 2020.
[iv] Nossa urdoxa, conforme Dreyfus. Urdoxa
é a doutrina primeira, advinda da noção de doxa
dos gregos, ou opinião. Depois Husserl, em seu projeto fenomenológico, trouxe a noção para a urdoxa da experiência,
contexto que estamos vendo aqui e que foi minimizado pelos estruturalistas,
posteriormente, por trazer conotação transcendental. Conforme Wikipédia: https://pt.qwe.wiki/wiki/Urdoxa.
Acesso em 28 de junho de 2020.