domingo, 27 de maio de 2018

Paradigmas do século XXI[i]

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han faz um diagnóstico de nossa época pela enfermidade, caracterizando o século XXI como das doenças neuronais. Isso não é nenhuma novidade, mas se filósofos dizem muitas obviedades, temos que observar como as dizem e de que maneira tal pensamento é construído. Sua argumentação começa com dois pontos que destacaremos aqui e que se referem a como nosso tempo se contrapõe ao anterior: a mudança na abordagem das doenças fundamentais e a superação do conceito foucaultiano de sociedade da disciplina.
Han enquadra o tratamento das patologias [bacteriológicas e virais] do último período na abordagem imunológica, ou seja, que se utiliza da negatividade no combate ao corpo estranho. A terminologia imunológica se utiliza de um vocabulário de guerra: combate a vírus invasores, criação de anticorpos de defesa, etc. Essa perspectiva de eliminação do estranho, segundo Han, orienta discursos sociais que se utilizam desse modelo imunológico, mas que já estaria superado no século XXI. Há uma mudança de paradigma e, se agora já não há mais intolerância ao estranho, há um excesso de positividade. Han cita, por exemplo, a questão dos imigrantes que atualmente deixam de ser uma ameaça para se tornarem um peso aos países que os recebe. Conforme Han: “O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização. A alteridade, que provocaria uma imunorreação atuaria contrapondo-se ao processo de suspensão de barreiras” (cap. 1, p. 13). A dialética da positividade das doenças neuronais não significa que não haja violência na sua atuação. Se o viral era repelido pela negação[ii], a violência da doença neuronal não é em relação ao estranho, mas ela é imanente, faz parte do sistema e é resultante da superprodução e do superdesempenho. Por isso, essa violência não se “revela” na estranheza que vem da inimizade do diferente, mas de positiva se dá em uma sociedade permissiva e pacificada.
Por outro lado, a sociedade disciplinar proposta por Foucault, aquela das instituições que “encarceram”, já não se aplica[iii]. Ela era baseada na negatividade, mas agora adentramos a sociedade do desempenho e reina a positividade. Dito pelo filósofo: “A sociedade disciplinar ainda está dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados” (cap. 2, p. 24). Han argumenta que há uma continuidade da produção, lá os corpos produtivos não serviam e eles deveriam ser tratados, aqui se deve produzir sempre mais. Estamos, pois bem, em tempos de sociedade do desempenho e temos que nos ver com nós mesmos e carregamos a marca da produtividade. Se parece que somos livres para fazer de acordo com o que queremos, na verdade estamos presos no fazer, sem pensar e temos que nos assumir como empreendedores, mas isso cansa. Conforme Han: “A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível” (cap. 2, p. 29).
Podemos perceber, pelo diagnóstico de Han, seu pessimismo em relação ao nosso tempo. A positividade que se mostra tanto na violência sistêmica que gera doenças neuronais, como na sociedade de desempenho, acontece em um mundo saturado e não parece apontar saída. Essa não é a ética de Terra Dois[iv] que apresenta um mundo contemporâneo estimulado pela criatividade e onde a positividade pode ser encarada em novo modo de vida horizontalizado e leve. Entre um e outro, precisamos viver bem no século XXI. 



[i] HAN, BYUNG-CHUL. Sociedade do Cansaço. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017.
[ii] Negação da negação: um vírus é um corpo estranho que me invade para me negar e eu nego esse corpo estranho.