O
filósofo sul-coreano Byung-Chul Han faz um diagnóstico de nossa época pela
enfermidade, caracterizando o século XXI como das doenças neuronais. Isso não é
nenhuma novidade, mas se filósofos dizem muitas obviedades, temos que observar
como as dizem e de que maneira tal pensamento é construído. Sua argumentação
começa com dois pontos que destacaremos aqui e que se referem a como nosso
tempo se contrapõe ao anterior: a mudança na abordagem das doenças fundamentais
e a superação do conceito foucaultiano de sociedade da disciplina.
Han
enquadra o tratamento das patologias [bacteriológicas e virais] do último
período na abordagem imunológica, ou seja, que se utiliza da negatividade no combate ao corpo estranho.
A terminologia imunológica se utiliza de um vocabulário de guerra: combate a
vírus invasores, criação de anticorpos de defesa, etc. Essa perspectiva de
eliminação do estranho, segundo Han, orienta discursos sociais que se utilizam
desse modelo imunológico, mas que já estaria superado no século XXI. Há uma
mudança de paradigma e, se agora já não há mais intolerância ao estranho, há um
excesso de positividade. Han cita, por exemplo, a questão dos imigrantes que
atualmente deixam de ser uma ameaça para se tornarem um peso aos países que os
recebe. Conforme Han: “O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de
globalização. A alteridade, que provocaria uma imunorreação atuaria
contrapondo-se ao processo de suspensão de barreiras” (cap. 1, p. 13). A dialética
da positividade das doenças neuronais não significa que não haja violência na
sua atuação. Se o viral era repelido pela negação[ii], a
violência da doença neuronal não é em relação ao estranho, mas ela é imanente,
faz parte do sistema e é resultante da superprodução e do superdesempenho. Por
isso, essa violência não se “revela” na estranheza que vem da inimizade do
diferente, mas de positiva se dá em uma sociedade permissiva e pacificada.
Por
outro lado, a sociedade disciplinar proposta por Foucault, aquela das
instituições que “encarceram”, já não se aplica[iii].
Ela era baseada na negatividade, mas agora adentramos a sociedade do desempenho
e reina a positividade. Dito pelo filósofo: “A sociedade disciplinar ainda está
dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do
desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados” (cap. 2, p. 24). Han
argumenta que há uma continuidade da produção, lá os corpos produtivos não
serviam e eles deveriam ser tratados, aqui se deve produzir sempre mais. Estamos,
pois bem, em tempos de sociedade do desempenho e temos que nos ver com nós
mesmos e carregamos a marca da produtividade. Se parece que somos livres para
fazer de acordo com o que queremos, na verdade estamos presos no fazer, sem
pensar e temos que nos assumir como empreendedores, mas isso cansa. Conforme
Han: “A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível” (cap. 2, p. 29).
Podemos
perceber, pelo diagnóstico de Han, seu pessimismo em relação ao nosso tempo. A
positividade que se mostra tanto na violência sistêmica que gera doenças neuronais,
como na sociedade de desempenho, acontece em um mundo saturado e não parece apontar saída.
Essa não é a ética de Terra Dois[iv]
que apresenta um mundo contemporâneo estimulado pela criatividade e onde a
positividade pode ser encarada em novo modo de vida horizontalizado
e leve. Entre um e outro, precisamos viver bem no século XXI.
[i] HAN, BYUNG-CHUL. Sociedade do Cansaço. Trad. Enio Paulo
Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017.
[ii] Negação da negação: um vírus é
um corpo estranho que me invade para me negar e eu nego esse corpo estranho.
[iii] Sociedade disciplinar pode ser
vista em http://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/02/corpos-doceis-e-rentaveis.html.
[iv] Sobre Terra Dois: http://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/04/aparato-terra-dois.html.
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