quarta-feira, 29 de julho de 2015

Lixo

Tem tanto lixo nesse mundo. Tantas preocupações desnecessárias. Lixo! Tantas críticas a serem feitas. Lixo! Tanto pudor. Lixo! Existe uma virtude a ser demonstrada. Lixo! Existem muitos canais na TV. Lixo! Muitas campanhas publicitárias. Lixo! Temos que comprar! Lixo! Tanto noticiário... Lixo! Notícias importantes. Notícias importantes? Aonde? Lixo! Reclamações, reclamações, lixo! Acordo e vou para a rua e vejo muito lixo: nas atitudes, nos escapamentos, de fato.

Não, o mundo não é só lixo, a vida não é um lixo. Mas temos que reciclar o que há de lixo no mundo e em nossas vidas. O lixo nos afeta, o lixo é algo que não deveria estar, não deveria aparecer, mas é uma das coisas que mais fazemos. Como produzimos lixo! Como conservamos lixo! Como presenteamos lixo!

Se a fala não fosse tão necessária e automática, poderíamos selecionar a nossa emissão de lixo. Mas há um impulso, toda uma vibração interna presa precisando ser extirpada. O lixo escorre pela boca, babamos lixo. Babamos lixo porque não temos nada melhor para babar. Cuspimos lixo em todo mundo, sem saber. Mas achamos que temos um tesouro guardado. Esse tesouro é lixo. Te desejo muito lixo nessa vida, seja feliz.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Crença cética*

  Hume extermina qualquer relação de causa e efeito necessária. Expliquemos: nada garante que uma maçã ao se desprender de uma árvore cairá para baixo. Nada garante que o sol vai se por hoje e nascer amanhã - seja na orientação ptolomaica ou copernicana. Não há lei na natureza, a natureza é. Os fenômenos, os fatos se repetem ou não, enfim. Da mesma forma, não há uma relação de causa e efeito necessária entre nossas idéias, no nosso pensamento. Elas são. Cada uma, separadamente. Não há garantia de que o pensamento A leve ao pensamento B.

  De acordo com Hume, podemos estabelecer crenças que advém de fenômenos que se repetem, por exemplo, a crença que o sol vai se por hoje à noite. Só tenho essa crença porque isso aconteceu todos osa dias de minha vida, mas isso não está associado à minha racionalidade. Nada garante a correlação como necessária, os fatos e eventos estão apenas justapostos, sem lei.

  Estamos então dentro da abordagem cética: nada garante o que vai acontecer, ou seja: não somos videntes!! O que garante que o sol vai se por mais tarde? Uma lei da física? Da física de um nobre senhor chamado Copérnico? Ou Newton, ou Luís... Enfim, nada garante.

  Mas, então, como eu me movo no mundo, com que garantias? Sem elas, mas a partir de crenças que vamos selecionando, nas quais acreditamos mais ou as quais prometem um caminho mais longo. Como Hume: naquelas que nos marcam mais, que apresentam maior força e vivacidade. Recordemos o exemplo clássico: imagine um ET recém chegado na terra que avista uma jogada em uma partida de sinuca. O jogador move o taco em direção à bola... O que irá acontecer, como saber? A bola vai se mover? Para onde? Sabemos porque vemos e acreditamos, cremos, tem sempre uma primeira vez para aprendermos. Aprendemos X, depois Y, então pode ser que X se choque com Y e selecionamos, sem lei, sem raciocínio, sem necessidade: é puro gosto! E gosto não se discute, cada um com o seu.
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* Trazendo Hume de volta ao debate a partir de uma primeira leitura rápida do texto: "D. Hume para além da epistemologia" de Carlos Alberto Ribeiro de Moura.

sábado, 18 de julho de 2015

Como economizar energia mental*

  1. A economia da ciência
É objeto da ciência substituir ou guardar experiências pela reprodução ou antecipação dos fatos no pensamento. A memória é mais acessível do que a experiência e frequentemente responde ao mesmo propósito.
A linguagem, que é o instrumento de comunicação das instruções da ciência, é ela mesma um aparelho econômico e a linguagem escrita está se transformando gradativamente em um sinal universal ideal.

  1. Sensações
Outra tendência econômica é que a reprodução de fatos no pensamento é invariavelmente feita de abstrações.
A natureza é composta de sensações como seus elementos e nela não existe coisa que não se altere. O mundo não é composto de coisas como seus elementos, mas de cores, tons, pressões, espaços, tempos que são as sensações individuais.
Na reprodução dos fatos nós começamos com os compostos mais duráveis e familiares e depois complementamos com as coisas mais incomuns por meio de correções. Todos os nossos julgamentos são ampliações e correções de ideias já admitidas.

  1. Causa e efeito
Não há causa e efeito na natureza; a natureza só tem uma existência individual; a natureza simplesmente é. A conexão entre causa e efeito somente existe na abstração que fazemos para reproduzir os fatos mentalmente. Basta um fato se torna familiar e não pensamos mais na conexão de causa e efeito, nossa atenção se volta para coisas novas.
Hume rejeita a causalidade e reconhece somente uma sucessão habitual no tempo. Kant corretamente notou que a conexão necessária entre A e B não poderia ser descoberta pela simples observação. Ele assume uma ideia inata ou categoria da mente, um conceito intelectual, sobre os quais os casos da experiência são subordinados. Schopenhauer, que adota substancialmente a mesma posição, distingue quatro formas do “princípio de razão suficiente”: física, lógica e matemática e a lei de motivação. Mas essas formas diferem somente quanto ao que são aplicadas, pertencendo à experiência interna ou externa.
As ideias de causa e efeito brotam de um empenho da reprodução de fatos em pensamentos. Novas experiências são iluminadas com base no acúmulo de experiências antigas. Como um fato, então, realmente existe na mente uma ideia sobre a qual novas experiências são subordinadas, mas a própria ideia foi ela mesma desenvolvida da experiência. A noção de necessidade da conexão causal é, provavelmente, criada pelos nossos movimentos voluntários no mundo e pelas mudanças que eles indiretamente produzem, como Hume havia suposto, mas Schopenhauer contestou. Muito das ideias de causa e efeito é devido ao fato que elas são desenvolvidas instintivamente e involuntariamente, e esse senso de causalidade não é algo individual, mas desenvolvido pela nossa raça. Causa e efeito são, portanto, coisas do pensamento e tem uma função econômica. Não podemos dizer por que elas surgem. Pois é precisamente pela abstração das uniformidades que nós conhecemos a questão por que.

  1. Ciências descritivas
As ciências descritivas, por reconstruir uma grande quantidade de fatos, tentam agrupá-los em uma expressão única. Na natureza não há lei de refração, somente casos individuais de refração. A lei de refração é uma regra sucinta, inventada por nós para a reconstrução mental de um fato, e somente para sua reconstrução em parte, isto é, sobre seu aspecto geométrico.

  1. Matemática economiza energia mental
As ciências mais economicamente desenvolvidas são aquelas que resumem fatos em um pequeno número de elementos, como a mecânica que se baseia em espaço, tempo e massa. Ao utilizar a matemática se aproveitam das noções de contagem, seja pelas operações numéricas ou aritméticas, seja pelas reduções obtidas pela álgebra. A matemática é o método de substituir, de maneira mais compreensiva e econômica possível, novas operações numéricas por antigas que já tenham os resultados conhecidos.
Frequentemente operações envolvendo intenso esforço mental podem ser substituídas pela ação de rotinas mecânicas, com grande ganho de tempo e evitando fadiga. Através de operações matemáticas pode ocorrer um completo relaxamento da mente que pode ser poupada para tarefas importantes. A ciência deve se aplicar em utilizar o trabalho científico sempre que possível, evitando esforço mecânico dispendioso, poupando energia.

  1. Física e economia mental
A física também fornece exemplos dessa economia de pensamentos. No pequeno tempo de vida do homem e com sua capacidade limitada de armazenar conhecimentos, o papel da ciência é associar o menor numero possível de pensamentos que abarquem os fatos possíveis, propiciando máximo de economia mental.

  1. Teoria e experiência
Assim, a função da ciência é substituir a experiência, porém, a ciência não deve se ocupar de questões onde não é possível nem uma confirmação nem uma refutação. A comparação entre teoria e experiência deve ser prolongada mais e mais, na medida em que se refinam os meios de observação. Somente a experiência desassociada das ideias sempre será estranha para nós.

  1. Economizando as lacunas da experiência
Também é importante utilizar as ideias para cobrir as lacunas que a experiência possa deixar e, de acordo com ela, podemos associar ideias com sensações que não podemos perceber.

  1. Artifícios mentais
Átomos não podem ser percebidos pelas sensações; como todas as substâncias, eles são coisas do pensamento. Além do mais, eles contradizem atributos que podem ser observador nos corpos. Porém, algumas teorias atômicas podem ser usadas para reproduzir certos grupos de fatos. A teoria atômica usada na física é similar a certos conceitos matemáticos auxiliares; é um modelo matemático que facilita a reprodução mental dos fatos.

  1. Economia na história
Todos que já se utilizaram da investigação científica de alguma forma trabalharam com os aspectos econômicos de fazer ciência, como Copérnico, Galileu e Newton, embora não os mencionassem explicitamente.

  1. Adequação empírica
Dirigir a atenção para um fenômeno individual: a adaptação das ideias aos fatos, adaptação das ideias umas com as outras, economia mental.
Mesmo quando a análise lógica de todas as ciências estiver completa, a investigação biológico-psicológica do seu desenvolvimento continuará a ser uma necessidade. A economia mental é, entretanto, independente disso, um ideal lógico muito claro que preserva seu valor mesmo depois que toda a análise logica estiver completa.

A economia mental supera o estudo escolar, podendo ser enraizada na vida da humanidade e respondendo poderosamente sobre ela.

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Resenha – texto “The Science of Mechanics – A Critical & Historical Account of its Development” – Ernst Mach.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Dois condicionantes para uma pseudo análise social

  Gostaríamos de explicitar dois condicionantes ou dois fatores que orientem ou permitam conduzir-nos em um viés de análise de comportamentos sociais.

  O primeiro deles se enuncia da seguinte forma: nunca devemos sobrecarregar qualquer pessoa em uma situação em que ela está com o sistema, ou seja, se devemos apontar um culpado devemos sempre nos atentar para a ascendência do sistema sobre o cidadão comum. Isso não significa relevar sua responsabilidade, mas que em cada caso há que se averiguar quais possibilidades de ação ocorreriam levando-se em consideração a desvantagem inerente a essa correlação de forças. A influência do sistema é tal que certos casos somente podem ser analisados dada a correlação às vezes não declarada. A conclusão de modo algum significa omissão ou isenção de responsabilidades, mas sim uma análise coerente com uma época em que o sistema é tão abstrato e implacável que nos cerceia e conduz covardemente nossas ações.

  O segundo ponto diz respeito à falta de informação ou dificuldade de acesso à informação, ou seja, o quanto nossa possível culpabilidade pode ser reconsiderada levando-se em conta que o sistema privilegia a competição. Nesse sentido, a informação que adquiro me serve, me orienta, isso é o bastante. Transmitir a informação vai além de nossas possibilidades e desejos, precisamos nos armar. Não está no estímulo sistêmico uma transferência aberta e irrestrita, não por desonestidade, mas por finalidade. Simplesmente porque não é do nosso feitio, é avesso às regras do jogo.

  Assim sendo, os dois pontos concatenados, o primeiro proveniente de um marxismo embrionário e o segundo de uma vertente que privilegia liberdades individuais, sugerem que nossa abordagem ou julgamento de atitudes alheias deve estar bem embasado, deve se ajustar a cada situação.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

A necessidade da filosofia

  Meirieu defende que o aprendizado se dá em níveis de representação e gostaríamos de concordar com essa tese. Cada criança que chega à escola traz consigo certas noções de casa, da convivência familiar, etc., cada criança traz um nível de representação diferente das outras; é um olhar para o mundo e um conhecer o mundo individualmente e pessoalmente. A escola, então, procura fazer com que as crianças superem seu nível de representação e atinja outro, em teoria, superior, mais promissor: isso seria o aprendizado. Mais ainda, cada criança tem um ritmo de aprendizagem próprio que é único e diferente das demais. 
  Esse processo de aprendizagem por representações remete à proposta de Khun sobre os paradigmas da ciência: em certos momentos acontecem saltos que estabelecem um outro conjunto de proposições diferentes do anterior, existem rupturas aí. Parece que há uma irracionalidade operando por trás do salto, afinal é um salto. É diferente, por exemplo, do modelo de educação bancária, onde a criança se torna um depósito de conhecimentos, mas que vai se dando por acréscimos, de forma mais plástica e contínua. Esse último quantitativo e o primeiro qualitativo: como um quebra cabeças, cada peça nova vai configurando o quadro, ele vai aparecendo. No primeiro há um estalo, é quando retiramos a trave que estava nos olhos e enxergamos com clareza.
  A qualidade se evidencia dada a dificuldade e o dispêndio de tempo necessários para subir um degrau, até porque não se tem muita certeza se o degrau novo foi atingido em parte ou inteiramente: não dá para ser certificado, apenas podemos ter indicações de que a direção é a correta. A transmissão de conteúdos permite medir, a intenção é outra e pode ser aplicada em algumas situações. Podemos apontar para uma possível utilidade dessa transmissão mais pragmática em detrimento da capacidade crítica que se daria pela nova representação.
  Diferentes representações, diferentes ritmos de aprendizagem, impossibilidade de verificação do conhecimento: características que retiramos desse método pedagógico. Abordagem construtivista sem receita, prática desafiadora. Por outro lado, sabemos que não há uma filosofia, mas uma para cada filósofo, sabemos que há diversas correntes filosóficas que abordam determinados problemas e agregam soluções dentro de um mesmo plano de imanência. Não há acordo sobre qual utilidade da filosofia ou de cada filosofia, os debates se multiplicam sobre os métodos pedagógicos de ensino de filosofia. Não há consenso nem mesmo sobre o que é a filosofia. Diante disso, dessa amplitude da filosofia e das peculiaridades das representações individuais, podemos fazer uma aproximação dessas e daquela. A filosofia como forma do conteúdo representativo, como orientação que permite a abrangência necessária ao material prático. Seria através de uma orientação filosófica que se poderia chegar ao método prático construtivista porque haveria sempre um questionamento capaz de reorientar as rotas. A multiplicidade de abordagens filosóficas que se dirigem a resolver problemas de forma sistemática, investigativa, crítica e reflexiva é a pedra de toque do método. Não se parte de um pressuposto único e avaliativo, não se formula perguntas a partir de respostas, mas se constroem pensamentos e soluções, sem saber de antemão aonde se vai chegar. Suprime-se a competição, retira-se a finalidade para ir em busca de uma simples busca construtiva. Cada passo fecha e abre o campo de investigação, há várias direções que levam a diferentes representações. Nortear cada consciência nessa investigação, apresentar outras concepções surpreendentes, questionar, subverter conceitos e dogmas estabelecidos, enfim, quebrar paradigmas e estabelecer relações, ansiar sempre por um novo patamar de compressão transformar possibilidades em atitudes e resultados por um caminho consistente que tragam estalos, para tudo começar novamente. Essa necessidade é filosófica e pedagógica.