terça-feira, 22 de setembro de 2020

Wittgenstein: o paradigma e os usos empírico e analógico[i]

O paradigma

1. Wittgenstein introduz o conceito de paradigma por volta de 1930 em um contexto fenomenológico de apreender um dado imediato, imune à predicação, pela linguagem fenomenológica (uma linguagem primária) que tinha sido inviabilizada pelo simbolismo linguístico primário.

2. Visando incorporar esse dado simples à linguagem, o paradigma não é algo metafísico ou suprassensível, mas uma convenção normativa, condição de possibilidade como, por exemplo, regras linguísticas ou modelos padrão para cores e unidades de medida.

3. Através da ideia de práxis de linguagem, com rotinas de ação, hábitos linguísticos ou convenções sociais, Wittgenstein tenta, por um lado, ampliar as ligações de sentido excluídas do Tractatus e abordar o paradigma como elo entre linguagem e domínios extralinguísticos.  É o paradigma que permite extrapolar o uso lógico e referencial do Tractatus para diversas ações presentes na linguagem que constituem sentido, como uso de gestos ostensivos ou tabela de cores.

Os usos empírico e analógico

4. Se o paradigma tem a função de expressar a natureza ante predicativa dos dados da percepção no nível fenomenológico, ao se aplicar as palavras (nomes lógicos do Tractatus) teremos as predicações através dos conceitos.

5. Os paradigmas predicativos, considerados gramaticais, tem um uso descritivo externo quanto trata de propriedades empíricas de objetos, p.ex. "Esta mesa possui tais propriedades físicas" e outro analógico interno que corresponde a semelhança entre objetos., p.ex., "Esta mesa é como uma poltrona", não relacionado às propriedades.

6. No caso das analógicas, nós damos sentido à comparação, p.ex. "Esta mesa é como um elefante" e isso depende do tipo de comparação que fazemos bem como do grau de familiaridade do interlocutor, para que ele possa aceitar ou recusar. Não previamente existentes, elas se dão na prática linguística que pode ressaltar semelhanças não percebidas entre objetos e ter poder de persuasão.

7. Novos paradigmas sempre surgem trazendo conceitos como a psicanálise de Freud que traz um novo sistema de referência, porém corre-se o risco de tornarem-se normas definitivas. Wittgenstein ressalta que os jogos de linguagem são apenas objetos de comparação que trazem novas perspectivas, procurando evitar o dogmatismo. Assim ele inaugura uma filosofia terapêutica que busca desfazer confusões conceituais. Movendo-se do lógico para o analógico afasta-se de ideais trazendo outros pontos de vista.

Conclusões

8. Então os paradigmas são a base sobre o qual serão produzidos os enunciados descritivos e comparativos, ou seja, preparações para a construção de sentido. Os paradigmas são, antes de tudo, instrumentos linguísticos e apriorísticos, portanto não sensíveis pois são eles que definem as propriedades sensíveis. P.ex., sobre um paradigma de vermelho são descritas situações avermelhadas e comparações entre cores, isto é, se organiza a experiência para aplicação da linguagem.

9. É o paradigma que determina que é legitimo de ser usado na linguagem e a partir de convenções como as descrições e analogias. E, daí que novos paradigmas são novas maneiras de descrever e comparar objetos, criando novas possibilidades de semelhança nos jogos de linguagem.


[i] Conforme: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302001000200002, acessado em 19/09/2020. Itens 1.3 e 1.4.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Wittgenstein e a teoria da figuração

Das divergências do último e do primeiro Wittgenstein acerca da linguagem.

É comum um pensador ter rupturas ou divergências no cômputo geral de sua obra. Esse é o caso de Wittgenstein que, de acordo com Cavassane[i], tem uma abordagem diametralmente oposta a respeito da linguagem entre o Tractatus e as Investigações Filosóficas. Ao fim do Tractatus, redigido sob a influência de Russell e que aborda a natureza da proposição e da linguagem, Wittgenstein acreditou ter solucionado os problemas de filosofia [então suscitados por Russell]. Porém, após algum tempo afastado da filosofia, ele percebe que estava orientado a uma perspectiva da tradição filosófica pela via de Russell e que ali os problemas não estavam postos de maneira correta, portanto, decide criticar seu velho modo de pensar [e a tradição], agora nas Investigações.

O Tractatus Logico-Philosophicus. De acordo com Cavassane, a teoria da figuração é a que receberá a crítica mais contundente, posteriormente. Nela, Wittgenstein busca responder “Como é possível falar sobre o mundo?”. A teoria da figuração é uma teoria do significado linguístico, e Wittgenstein postula que é possível porque linguagem e mundo compartilham uma mesma estrutura lógica [a priori].

Ou seja, a linguagem afigura os fatos compartilhando a forma lógica, que é a forma do pensamento. Porém as frases da linguagem ordinária podem conter erros e, da análise lógica de uma frase, pode se extrair o pensamento nela contido. Daí surge a tese do indizível: somente podemos expressar fatos do mundo (sejam possíveis ou reais), conteúdos objetivos. Isso não vale para o subjetivo (ética, religião) nem formal (lógica, matemática), considerados místicos por Wittgenstein que crava: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”.

A crítica ao Tractatus nas Investigações Filosóficas. Segundo Cavassane, Wittgenstein abrirá mão de dois pontos principais de sua teoria da figuração: o referencialismo para o qual uma palavra possui significado se ela corresponde a um objeto e o perfeccionismo lógico, trazendo a crença de que a linguagem representa o mundo fielmente e nisso consiste a verdade. Wittgenstein vai criticar o referencialismo argumentando que não é possível reduzir todas as palavras a nomes. Sobre o perfeccionismo lógico, o uso no Tractatus se se dá por palavras simples se referindo a objetos e isso traz a univocidade do significado que garante certa imutabilidade e evitando a perda de referência. Porém, Wittgenstein vai rever essa posição nas Investigações considerando a exatidão absoluta do significado um ideal inalcançável, já que dependente do contexto. E é essa impossibilidade de exatidão que implode a lógica como estrutura do pensamento, do mundo e da linguagem, colocando abaixo a teoria da figuração do Tractatus Logico-Philosophicus.

Wittgenstein localiza a correspondência entre objetos e palavras em Platão, que no Teeteto cita que nos referimos a elementos primitivos por seus nomes e que ela forçaria o isomorfismo. Ainda, a correspondência se da a partir dos substantivos, parte pequena das palavras. Mais além, a ideia do objeto simples parece ser criada a priori para se encontrar por conseguinte a proposição e sua análise.

Considerações finais. Ao se perguntar sobre como é possível falar sobre o mundo, Wittgenstein responde com a teoria da figuração, onde as palavras afiguram objetos e há um isomorfismo lógico entre frases e fatos. Porém, posteriormente, Wittgenstein percebe o viés orientativo da teoria da figuração baseado na tradição e que sua resolução não contribuiu para a verdadeira compreensão dos fenômenos da linguagem, então ele faz a crítica do pensamento inicial. Agora, não há uma exatidão entre mundo e linguagem e isso implode a possibilidade de mapeamento lógico. Deste modo, o que constitui a ruptura entre o primeiro e o segundo Wittgenstein é uma mudança de método: “O método puramente apriorístico do Tractatus é submetido a crítica e agora recomenda (em certo sentido) o método a posteriori de investigar os fenômenos reais da linguagem.”. Se afastando de Platão e da tradição, o segundo Wittgenstein se afasta de conceito e se aproxima do uso cotidiano.



[i] O que se segue é conforme A crítica de Wittgenstein ao seu Tractatus nas Investigações Filosóficas, acessado em 07/09/2020 no link: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/ric/article/view/337. Artigo de Ricardo Peraça Cavassane.

domingo, 6 de setembro de 2020

Trazendo a segunda pessoa para o debate

A questão da comunicação é algo que sempre me preocupou. Eu falo e você me escuta, mas entende? Sim, somos feitos da mesma estrutura física e racional, então isso é bem possível. Mas há dois problemas essenciais: 1.) o problema cultural e 2.) “como” a compreensão de fato ocorre dentro de nós, do ouvido para o cérebro, para os neurônios etc. Além disso, entendo que, sim, é um problema fortemente relacionado à filosofia de mente e afins.

Dito isto, vamos falar da segunda pessoa. O ensaio que Waldomiro J. Silva Filho nos traz trata dessa concepção em Donald Davidson[i] e explora algumas condições na qual dois agentes interagem em uma conversa e a justificação de um dos lados no sentido de afirmar um bem epistêmico. A questão chave da conversa é: “nós queremos entender as declarações [utterances] reais dos outros e nós queremos que nossas declarações sejam entendidas”.

Então, na dinâmica de uma interação conversacional, trata-se de entender a “segunda pessoa” como interlocutor com o qual não compartilhamos uma regra ou convenção linguística de antemão. Davidson parte de uma questão empírica de quantos falantes são necessários para que haja uma interação, ao invés da questão abstrata das condições de uso da linguagem. Seu “ponto de vista da segunda pessoa”, segundo Waldomiro, é o do intérprete que é interpelado pelo falante e que concebe que aquele tem a intenção de se fazer entender de modo significativo. Isso quer dizer que são necessárias pelo menos duas pessoas para haver a linguagem.

Waldomiro recupera a argumentação de Wittgenstein de que o significado não é algo interno à nossa mente. A partir daí, Davidson traz a triangulação onde os conteúdos semânticos estão no meio-ambiente, mas o falante deve crer [epistemicamente] no significado do que diz. Na conversação, há a determinação de um objeto triangulado por duas (ou mais) pessoas – e aí não se concebe a interação de uma pessoa consigo mesma. Segundo Davidson, é dessa triangulação que surge a objetividade: há crenças que designam objetos no espaço público, ou seja, pensamentos que são individualizados. E é só com a segunda pessoa que sabemos que um objeto pode ser enunciado como verdade, solapando o solipsismo.

Bem, se não é necessária uma convenção linguística de antemão, o que trará certeza no compartilhamento de uma verdade objetiva entre os falantes é a "interpretação radical". Com ela, há uma interpretação a partir do zero, sem conhecimento prévio de linguagem e o acordo de crenças vai se estabelecendo em uma dialética eu-tu, em que cada um fornece ao outro algo de compreensível. A condição da conversa é se fazer intencionalmente interpretável e não seguir uma regra linguística. Outro ponto importante é que a produção de enunciados requer a diferenciação entre "o que é acreditado" e "o que é o caso". Por isso, mais do que um processo empírico, a conversa é um processo investigativo de produção do conhecimento que caminha entre acordos e desacordos sobre o que é o caso.[ii]

No início da conversa, se os interlocutores não sabem se seus signos possuem mesmo valor semântico e de verdade, há necessidade de investigação. Isto é, há um movimento dialético no diálogo onde crenças divergentes vão sendo justificadas e se decide o que é epistemicamente justo fazer. Assim, o conceito de segunda pessoa, na abordagem de Davidson, nos parece central no uso da linguagem e na investigação de disputas epistêmicas onde se é imprescindível esclarecer “o que é o caso”, ponto esse ainda a ser explorado mais detidamente.



[i] Conforme Ensaio sobre a segunda pessoa. Acessado do site em 25/08/2020 pelo link: https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica/article/view/247945.

[ii] Sobre proposições e o que é o caso, em Wittgenstein, o pouco que sei, trata-se de uma mediação no que creio que e falo e no que se dá no mundo. A ser investigado.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Muita live

É muita live: são muitas lives

Eu muito live, eu pouco livre

É muita morte: são muitas mortes

Eu que não morro e nem peço socorro

 

É a obesidade: muita comida, pouco exercício

É a fome: não tem trabalho e nem compaixão

 

É o fascista e o ódio, é arma é tiro

É tudo tido empedernido, é todo tipo embrutecido

É comunista, socialista, ativista, feminista, anticapitalista

Maculelê pa nois faze auê

 

Vai para rua ou fica em casa: pode sim, escolhe então

Não vai pra casa, fica na rua: precisa do din din, colhe o pão

Eu ligo, eu peço; eu levo não me meço

Tem ruído vejo o app; vejo vídeo, vejo zap

 

Se tem vacina, eu não quero

Se não tem vacina, me desespero

Pandemia?  Mentira!

Novo normal? Pior: velho normal.