domingo, 6 de setembro de 2020

Trazendo a segunda pessoa para o debate

A questão da comunicação é algo que sempre me preocupou. Eu falo e você me escuta, mas entende? Sim, somos feitos da mesma estrutura física e racional, então isso é bem possível. Mas há dois problemas essenciais: 1.) o problema cultural e 2.) “como” a compreensão de fato ocorre dentro de nós, do ouvido para o cérebro, para os neurônios etc. Além disso, entendo que, sim, é um problema fortemente relacionado à filosofia de mente e afins.

Dito isto, vamos falar da segunda pessoa. O ensaio que Waldomiro J. Silva Filho nos traz trata dessa concepção em Donald Davidson[i] e explora algumas condições na qual dois agentes interagem em uma conversa e a justificação de um dos lados no sentido de afirmar um bem epistêmico. A questão chave da conversa é: “nós queremos entender as declarações [utterances] reais dos outros e nós queremos que nossas declarações sejam entendidas”.

Então, na dinâmica de uma interação conversacional, trata-se de entender a “segunda pessoa” como interlocutor com o qual não compartilhamos uma regra ou convenção linguística de antemão. Davidson parte de uma questão empírica de quantos falantes são necessários para que haja uma interação, ao invés da questão abstrata das condições de uso da linguagem. Seu “ponto de vista da segunda pessoa”, segundo Waldomiro, é o do intérprete que é interpelado pelo falante e que concebe que aquele tem a intenção de se fazer entender de modo significativo. Isso quer dizer que são necessárias pelo menos duas pessoas para haver a linguagem.

Waldomiro recupera a argumentação de Wittgenstein de que o significado não é algo interno à nossa mente. A partir daí, Davidson traz a triangulação onde os conteúdos semânticos estão no meio-ambiente, mas o falante deve crer [epistemicamente] no significado do que diz. Na conversação, há a determinação de um objeto triangulado por duas (ou mais) pessoas – e aí não se concebe a interação de uma pessoa consigo mesma. Segundo Davidson, é dessa triangulação que surge a objetividade: há crenças que designam objetos no espaço público, ou seja, pensamentos que são individualizados. E é só com a segunda pessoa que sabemos que um objeto pode ser enunciado como verdade, solapando o solipsismo.

Bem, se não é necessária uma convenção linguística de antemão, o que trará certeza no compartilhamento de uma verdade objetiva entre os falantes é a "interpretação radical". Com ela, há uma interpretação a partir do zero, sem conhecimento prévio de linguagem e o acordo de crenças vai se estabelecendo em uma dialética eu-tu, em que cada um fornece ao outro algo de compreensível. A condição da conversa é se fazer intencionalmente interpretável e não seguir uma regra linguística. Outro ponto importante é que a produção de enunciados requer a diferenciação entre "o que é acreditado" e "o que é o caso". Por isso, mais do que um processo empírico, a conversa é um processo investigativo de produção do conhecimento que caminha entre acordos e desacordos sobre o que é o caso.[ii]

No início da conversa, se os interlocutores não sabem se seus signos possuem mesmo valor semântico e de verdade, há necessidade de investigação. Isto é, há um movimento dialético no diálogo onde crenças divergentes vão sendo justificadas e se decide o que é epistemicamente justo fazer. Assim, o conceito de segunda pessoa, na abordagem de Davidson, nos parece central no uso da linguagem e na investigação de disputas epistêmicas onde se é imprescindível esclarecer “o que é o caso”, ponto esse ainda a ser explorado mais detidamente.



[i] Conforme Ensaio sobre a segunda pessoa. Acessado do site em 25/08/2020 pelo link: https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica/article/view/247945.

[ii] Sobre proposições e o que é o caso, em Wittgenstein, o pouco que sei, trata-se de uma mediação no que creio que e falo e no que se dá no mundo. A ser investigado.

Um comentário:

  1. Ver Witt: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/09/wittgenstein-e-teoria-da-figuracao.html

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