Gostaríamos
de mostrar como Byung-Chul Han valoriza a festa em prol do trabalho, em um
caminho contrário ao que pesa hoje no senso comum **. Não é o aperfeiçoamento
técnico, mas a celebração que nos trará uma vida que valha a pena ser vivida.
Festa. Han
constata que não vivemos em um tempo de festividade. Segundo ele, uma
celebração festiva é desprovida de tempo, é onde demoramos. Citando Gadamer, ele compara a festa com o belo, pela
temporalidade: o tempo da arte é a eternidade, o tempo não passa. E a relaciona
com o divino: os deuses se alegram quando os homens brincam e jogam e lhes
devotam rituais. Se hoje não há festa é porque estamos longe do divino. E mais,
deveríamos copiar os deuses, pois eles não se importam em produzir. Mas o tempo
do trabalho hoje roubou todo o tempo da festa e se tornou totalitário: “A
própria pausa se conserva implícita no tempo de trabalho. Ela serve apenas para
nos recuperar do trabalho, para poder continuar funcionando.” (p. 113). A vida
perde intensidade pairando entre tédio e ocupação. As festas de hoje são
eventos: eventuais, acontecem, apenas.
Crise de Liberdade. Han
então trata da autoexploração que se dá na sociedade de desempenho: não somos
explorados pelo outro, nós somos senhor e escravo de nós mesmos nos aproximando
do sentimento de liberdade. De posse do smartfone e dos laptops trabalhamos
continuamente de qualquer lugar acreditando que o trabalho nos realizará.
Porém, tal liberdade acaba se transformando em coação porque nos leva a nos
explorarmos sem limites e é onde surgem as enfermidades como a depressão e a síndrome
de Burnout, resultados dessa crise da liberdade. Mesmo que busquemos o sadio na
histeria de saúde atual (fitness, botox, etc.), nada mais fazemos que
sobreviver. Negando a morte em prol da vida nos tornamos zumbis e estamos “por demais
mortos para viver, e por demais vivos para morrer.” (p. 119).
Beleza. Han
afirma que o homem que trabalha não é livre. Citando Aristóteles, ele nos diz
que o homem livre está em busca das coisas belas, da realização de belos atos e
da contemplação da beleza perene. Citando Arendt, ele refere o homem livre ao
belo, que é o que não é útil. Mesmo os políticos deveriam se aproximar do belo,
nesse sentido aristotélico de uma ação livre da necessidade e utilidade e
buscando um bios politikos que
promova a justiça e a felicidade.
Uso livre. Han
aborda o “uso livre” de Agamben como uma “profanação” do uso dos objetos,
chegando ao ponto de ilustrar uma passagem em que crianças acharam dinheiro e
na brincadeira, as notas foram rasgadas. A profanação do uso do dinheiro é a
profanação do ídolo, transformando-o em brinquedo. Segundo Han: “há que se
profanar o trabalho, a produção, o capital, o tempo de trabalho,
transformando-os em tempo de jogos e festa.” (p. 123).
Beleza e festa. A
beleza também se aproxima da festa que é quando nos preparamos para ficarmos bonitos
e belos. As próprias obras de arte retratam momentos felizes que seriam intermináveis,
obras que poderiam ser fruídas nas ruas e celebrações culturais, porém hoje as
obras estão trancafiadas em bancos e museus perdendo o valor de arte e culto
para o valor comercial. As obras que retratam a intensidade da vida se perdem. As
coisas só têm valor quando expostas, assim como nós que nos expomos nas redes
sociais. Nossa produção nas redes é pela visibilidade e é quando nos tornamos
mercadorias, porém na festa não produzimos, mas gastamos. Comercializamos os
momentos de nossa vida e o valor do ser humano se transforma em valor de
mercado.
Han
conclui dizendo que o festivo e o divino ficaram obsoletos. Há essa produção
desenfreada de mercadorias fazendo de nosso mundo um local de utilidades e
povoado de coisas que não permitem o silêncio, o vazio e a contemplação. Já é
hora de romper esses laços comerciais e voltarmos para a festa.
* Alusão ao álbum de Gil, sempre
muito festeiro.
** Fichamento de “Tempo de celebração
- a festa numa época sem celebração”. Em Han, Byung-Chul - Sociedade do Cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.