quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O pragmatismo de Putnam[1]


O pragmatismo de Putnam resulta ser uma crítica ao positivismo lógico que, poucas linhas adiante, iremos esclarecer.
A respeito da ciência, Putnam descreve duas perspectivas: externalista e internalista. A externalista aproxima-se de um realismo metafísico: há um mundo de objetos que compõem uma totalidade fixa independente da mente [humana]. Sendo assim, há uma descrição única e completa do mundo que devemos buscar, partindo de um ponto de vista do Olho de Deus (se isso fosse possível um dia então seríamos Deus e apreenderíamos toda a verdade do mundo).
Já a perspectiva internalista, que ele defende, não admite tal verdade independente da mente. Assim, a ciência descreve objetos que são circunscritos em uma teoria, de modo é mais importante que as suas ideias sejam condizentes entre si do que a procura pela descrição da realidade do mundo. Não se trata, então, de um único ponto de vista (Olho de Deus), mas de pontos de vista de diferentes pessoas reais que têm interesses próprios e particulares.
A perspectiva internalista de Putnam é fortemente influenciada pelo holismo de Quine[2], já que não visa uma análise de cada sentença, mas a coerência do conjunto de crenças. Esse é o critério de aceitabilidade racional e, diferente de Quine, não é livre de valor. Portanto, fatos e valores[3] estão intrinsicamente ligados na base do conhecimento científico e esse é um grande golpe na estrutura que sustenta o positivismo lógico (que trata, por exemplo, enunciados éticos sem conteúdo cognitivo).



[1] Uma pequena nota extraída de “Uma breve história da filosofia analítica de Russell a Rawls”. Schwartz, Stephen P. São Paulo: Edições Loyola, 2017, p. 106.
[2] O Holismo de Quine diz que a unidade de significância empírica é a ciência como um todo. No mesmo livro, no debate do critério de verificabilidade de significação.
[3] Fatos e valores estiveram presentes em nossa quinta reflexão: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2013/12/possibilidade-possibilidade-reside.html.

sábado, 5 de janeiro de 2019

Fé na Festa*

Gostaríamos de mostrar como Byung-Chul Han valoriza a festa em prol do trabalho, em um caminho contrário ao que pesa hoje no senso comum **. Não é o aperfeiçoamento técnico, mas a celebração que nos trará uma vida que valha a pena ser vivida.
Festa. Han constata que não vivemos em um tempo de festividade. Segundo ele, uma celebração festiva é desprovida de tempo, é onde demoramos. Citando Gadamer, ele compara a festa com o belo, pela temporalidade: o tempo da arte é a eternidade, o tempo não passa. E a relaciona com o divino: os deuses se alegram quando os homens brincam e jogam e lhes devotam rituais. Se hoje não há festa é porque estamos longe do divino. E mais, deveríamos copiar os deuses, pois eles não se importam em produzir. Mas o tempo do trabalho hoje roubou todo o tempo da festa e se tornou totalitário: “A própria pausa se conserva implícita no tempo de trabalho. Ela serve apenas para nos recuperar do trabalho, para poder continuar funcionando.” (p. 113). A vida perde intensidade pairando entre tédio e ocupação. As festas de hoje são eventos: eventuais, acontecem, apenas.
Crise de Liberdade. Han então trata da autoexploração que se dá na sociedade de desempenho: não somos explorados pelo outro, nós somos senhor e escravo de nós mesmos nos aproximando do sentimento de liberdade. De posse do smartfone e dos laptops trabalhamos continuamente de qualquer lugar acreditando que o trabalho nos realizará. Porém, tal liberdade acaba se transformando em coação porque nos leva a nos explorarmos sem limites e é onde surgem as enfermidades como a depressão e a síndrome de Burnout, resultados dessa crise da liberdade. Mesmo que busquemos o sadio na histeria de saúde atual (fitness, botox, etc.), nada mais fazemos que sobreviver. Negando a morte em prol da vida nos tornamos zumbis e estamos “por demais mortos para viver, e por demais vivos para morrer.” (p. 119).
Beleza. Han afirma que o homem que trabalha não é livre. Citando Aristóteles, ele nos diz que o homem livre está em busca das coisas belas, da realização de belos atos e da contemplação da beleza perene. Citando Arendt, ele refere o homem livre ao belo, que é o que não é útil. Mesmo os políticos deveriam se aproximar do belo, nesse sentido aristotélico de uma ação livre da necessidade e utilidade e buscando um bios politikos que promova a justiça e a felicidade.
Uso livre. Han aborda o “uso livre” de Agamben como uma “profanação” do uso dos objetos, chegando ao ponto de ilustrar uma passagem em que crianças acharam dinheiro e na brincadeira, as notas foram rasgadas. A profanação do uso do dinheiro é a profanação do ídolo, transformando-o em brinquedo. Segundo Han: “há que se profanar o trabalho, a produção, o capital, o tempo de trabalho, transformando-os em tempo de jogos e festa.” (p. 123).
Beleza e festa. A beleza também se aproxima da festa que é quando nos preparamos para ficarmos bonitos e belos. As próprias obras de arte retratam momentos felizes que seriam intermináveis, obras que poderiam ser fruídas nas ruas e celebrações culturais, porém hoje as obras estão trancafiadas em bancos e museus perdendo o valor de arte e culto para o valor comercial. As obras que retratam a intensidade da vida se perdem. As coisas só têm valor quando expostas, assim como nós que nos expomos nas redes sociais. Nossa produção nas redes é pela visibilidade e é quando nos tornamos mercadorias, porém na festa não produzimos, mas gastamos. Comercializamos os momentos de nossa vida e o valor do ser humano se transforma em valor de mercado.
Han conclui dizendo que o festivo e o divino ficaram obsoletos. Há essa produção desenfreada de mercadorias fazendo de nosso mundo um local de utilidades e povoado de coisas que não permitem o silêncio, o vazio e a contemplação. Já é hora de romper esses laços comerciais e voltarmos para a festa.



* Alusão ao álbum de Gil, sempre muito festeiro.
** Fichamento de “Tempo de celebração - a festa numa época sem celebração”. Em Han, Byung-Chul - Sociedade do Cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.