Tese: A causalidade segundo as leis da natureza não é a única de onde podem ser derivados os fenômenos do mundo no seu conjunto. Há ainda uma causalidade pela liberdade que é necessário admitir para os explicar (B472).
Antítese: Não há liberdade, mas tudo no
mundo ocorre unicamente em virtude das leis da natureza (B474).
A antinomia é cosmológica, isto é, se
refere ao mundo enquanto fazendo parte do sensível, algo imanente. Não há
problema com uma ideia psicológica (alma) ou teológica (Deus) visto que já são
essas ideias próprias transcendentes e não se referem a um dado da natureza sensível.
O problema da ideia de mundo é que ela envolve uma totalidade que, quando
investigada, não se da na experiência[ii]. Como podemos pensar na
totalidade de um mundo em sua séria infinita (ou indefinida) de eventos?[iii]
Segundo Kant, nem tese e nem antítese, já que
o problema da antinomia é o realismo transcendental que acredita que as coisas
são subsistentes por si mesmas. A solução crítica se da pelo idealismo
transcendental que trata de fenômenos que são representações sem existência fundamentada
em si. Ou seja, o erro é considerar fenômenos como coisas em si e a liberdade
transcendental[iv]
é resultado dessa falácia.
Então, a antinomia ocorre por essa busca
da razão por condições incondicionadas dos fenômenos da experiência, quando ela
vai além cria ideias transcendentais. Sobre as antinomias cosmológicas:
· As teses são dogmáticas, com elas podemos
nos pensar livres e ela pressupõem um ser originário, postulado também pelo
entendimento comum.
· As antíteses são empiristas, eliminam a força
da moral e da religião e pautam o regresso infinito, se limitando à experiência,
pois é uma posição dogmática com relação às ideias.
O idealismo transcendental tenta resolver
a antinomia tratando o sensível pela sua causalidade natural e o inteligível
pela causalidade por liberdade. No erro da antinomia que, fora da crítica, supõe
apenas um âmbito (fenômeno é coisa em si) há uma tendência para a antítese.
Porém, para o idealismo transcendental, o fenômeno não existe fora do pensamento.
Como a liberdade é uma ideia transcendental pura não extraída da experiência, não
conseguimos efetivá-la, ela não acontece porque tudo na experiência tem causa.
O idealismo transcendental põe um sujeito
do mundo dos sentidos com caráter sensível (fenômeno) e caráter inteligível
(não sujeito ao fenômeno). Esse sujeito pertence a dois mundos: determinado e
livre, esse último saindo do campo especulativo, onde não há conhecimento. Há o
sentido “ter que” da natureza e o “dever” que traz a liberdade (ação possível), possibilidade de não seguir imperativos da razão (não de estímulos naturais como em Hobbes ou Spinoza)[v].
A solução crítica compatibiliza "a
possibilidade" da liberdade e causalidade por natureza (tese e antítese) e
abre caminho para a filosofia prática (e ir além do empirismo[vi]) pois só existirá
liberdade prática se existir liberdade transcendental. Pinzani ainda traz na
argumentação que essa noção é o cerne do pensamento kantiano, pois ele vinculara
toda a sua filosofia ao interesse da razão pela liberdade. Mas que o próprio
Kant adverte na CRP:
“Além disso, nem
sequer pretendemos demonstrar a possibilidade da liberdade; nem tal se
conseguiria, porquanto não se pode conhecer em geral nem a possibilidade de qualquer
princípio real, nem de qualquer causalidade, mediante simples conceitos a
priori: a liberdade é aqui tratada apenas como ideia transcendental mercê da
qual a razão pensa iniciar absolutamente, pelo incondicionado do ponto de vista
sensível, a série das condições no fenômeno.”
Então, não há como provar positivamente a
liberdade transcendental, porém sem uma ideia ao menos teórica dela, o homem
não pode se responsabilizar por suas ações. Mas Kant consegue criar uma ponte
entre os usos da razão, vista como um sistema único.
[i] Conforme 3 em https://www.academia.edu/8116094/SOBRE_A_TERCEIRA_ANTINOMIA,
Alessandro Pinzani, acessado em 28/01/2021. Já falamos disso em Um caminho para
a liberdade em Kant (https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/06/um-caminho-para-liberdade-em-kant.html).
[ii] Marquemos o ponto que na antinomia
não aparecem nem fenômeno e nem coisa em si.
[iii] Ajuda a esclarecer os termos: http://www.periodicos.ufc.br/argumentos/article/download/39788/95769/,
em 31/01/2021.
[iv] Transcendental 1: análise da razão
a priori, sem objeto. Transcendental 2: distinção crítica que separa o que
conhecemos como fenômeno e o que pensamos como coisas em si.
[v] Na nota 83, Pinzani aponta para problemas
advindos quando se pensa em uma estrutura racional humana, problemas da filosofia
da consciência. Em A queda: quando o sujeito se torna interlocutor (https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/01/a-queda-quando-o-sujeito-se-torna.html)
falamos do aspecto linguístico, mas ele cita ainda questões neurológicas que podem
interferir na estrutura racional de produção de moral. Conforme nota 83: “O
raciocínio kantiano pelo qual “se devo praticar a ação X, então sou livre de
praticá-la ou não” e pelo qual, portanto, o indivíduo é sempre plenamente
responsável de suas ações, não sobrevive ao ataque conjunto das éticas
intersubjetivas e das neurociências.”
[vi] Olha o dogma aí gente! O mundo é
dado de maneira X (empírica) mas, para Kant, essa empiria é muita cética, acaba
com o dogma. Daí criar a coisa em si para resguardar o inteligível. Mas é pelo menos
louvável a atitude de esclarecer esses pontos.