Trata-se de um sobrevoo sobre os impactos da virada linguístico-pragmática no modelo de conhecimento que vinha do século XVII.
Abordaremos os aspectos iniciais do artigo de Inês[i], referente à virada
linguística e pragmática do início do XIX.
Primeiro degrau: a virada linguística.
A virada linguística derruba a filosofia da consciência, que começa no XVII,
principalmente com Descartes e o cogito, Locke e as ideias oriundas da experiência
e Kant e sua razão pura. Inês chama o período de modelo fundacionalista,
em que há uma busca da verdade e certeza baseada na relação do sujeito
cognoscente com o mundo dado como objeto conhecido, relação mente-mundo, no
qual linguagem e comunicação tinham papel secundário.
Com Frege e o primeiro Wittgenstein,
conforme já expusemos em “Wittgenstein e a teoria da figuração”[ii], a relação do pensamento
com a proposição supera a representação do objeto que estava restrita à mente.
Nesse sentido, a proposição materializa (termo meu) o pensamento e permite ser
compartilhada, ultrapassando os limites da consciência individual. A estrutura
simbólica do pensamento passa da consciência para a linguagem.
A virada linguística, então, conforme
Inês, dá novo sentido ao problema epistemológico, no qual a razão imperial cede
lugar às proposições dizendo o mundo. O velho dualismo, que opunha inteligência
e sensibilidade, res cogitans e res extensa, razão pura e razão prática é superado,
na virada, pelo pensamento expresso em proposições do tipo “algo é o caso”, que
tem valor de verdade. O significado é a verdade.
Segundo degrau: a virada pragmática. Já
a virada pragmática vem com a influência de Peirce e do segundo Wittgenstein[iii] e a revisão da semântica
veritativa da virada linguística. Se o esquema fregeano é o da referência
sentido-significado, Peirce traz o esquema triádico composto do signo, objeto e
interpretante, onde há contexto de fala e fatores pragmáticos de comunicação. É
aqui que nem mesmo a proposição tem sua garantia, mas ela precisa ser
manifestada e avaliada pela comunidade. A linguagem não se constitui de
proposições assertóricas, mas do “entender-se entre si sobre algo no mundo”.
Da semântica para a pragmática, desloca-se
o valor de verdade do real (proposições veritativas) para a validade epistêmica.
A virada linguístico-pragmática traz a justificação baseada na
aceitabilidade racional, em discussões e aprendizado. A pragmática adiciona
ação e a idealidade da validade do juízo deve ser avaliada, ou seja, a referência
não mais detém o monopólio veritativo.
Se o primeiro Wittgenstein via a pureza da
lógica da linguagem, o salto de 29/30 para o segundo Wittgenstein e os jogos de
linguagem trazem a multiplicidade, a proposição lógica passa a ser só mais uma.
Conforme Inês: “A proposição bipolar, que figura estados de coisa no mundo, cede
lugar à multiplicidade dos usos linguísticos, com suas múltiplas gramáticas.”[iv]
Com o segundo Wittgenstein, conforme Inês,
não há mais um significado que paira na cabeça dos indivíduos e nos jogos de linguagem
a representação do objeto deixa de ser o centro, pois importa a apresentação das
coisas. A referência, a proposição e o correlato pensamento-linguagem perdem espaço
para o modo de apresentação em cada jogo e aos empregos de termos, no uso
comum.
O modelo do Tractatus trazia consigo um
fundamento [transcendente] que já não cabe mais na práxis do aprendizado para
que seja feito um uso correto da linguagem, que permita compreensão. Então, nesse
paradigma pós-metafísico, não cabe perguntar como captamos a realidade, pois a consciência
passa a ser uma “disposição” (termo meu) ou comportamento compreendido em um
contexto. Para o segundo Wittgenstein até mesmo a certeza é um comportamento e
não um estado mental ou consciência psicológica pessoal. A certeza vem de razões
fundamentadas e é de onde vem a dúvida também e ambas duelam no terreno da compreensão
e da interpretação não sendo possível um único critério que teria sido
vislumbrado na virada linguística.
* * * * *
Concluímos dizendo que pretendemos, nessa breve análise apoiada no
artigo de Inês, situar o papel que a linguagem passa a ter na filosofia e na
teoria do conhecimento no início do século XIX e de como isso significa uma
tentativa de afastamento da metafísica, porém trazendo também as contradições
dentro da filosofia analítica.
De todo o modo, nos parece importante
ressalta que o polo do sujeito perde força, na primeira virada significando que
já não é mais a consciência por si só que tem a primazia no conhecimento, mas a
linguagem que mostra o mundo. No segundo momento, até mesmo as proposições ou
os enunciados devem ser justificados perante uma segunda pessoa para terem
validade, e aí o sujeito passa a ser um mero interlocutor que deve se esmerar na
comunicação correndo o risco de simplesmente não fazer parte da conversa.
[i] Acesso no link https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/1483/1414, em 14/01/2021. A NATUREZA DO
CONHECIMENTO APÓS A VIRADA LINGÜÍSTICO-PRAGMÁTICA, Inês Lacerda Araújo. Não
abordaremos o principal: Habermas e sua teoria de ação comunicativa e a ênfase
na intersubjetividade presente nos atos de fala.
[ii] Conforme https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/09/wittgenstein-e-teoria-da-figuracao.html.
[iii] Ibidem.
[iv] Inês. Op cit., p. 111.
O fato da materialização da linguagem pode ser central no tratamento da referência, isso porque traz uma necessidade de objetividade
ResponderExcluirVislumbramos a passagem da relação dual linguagem mundo para uma tríade onde aparece o interlocutor. É ele que da o valor de verdade que se encontra no contexto
ResponderExcluirVale reforçar que a virada linguística é semântica e depois ocorreu a pragmática além do sujeito
ResponderExcluirIsso afasta a transcendência que havia no primeiro Wittgenstein