segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A queda: quando o sujeito se torna interlocutor.

Trata-se de um sobrevoo sobre os impactos da virada linguístico-pragmática no modelo de conhecimento que vinha do século XVII.

Abordaremos os aspectos iniciais do artigo de Inês[i], referente à virada linguística e pragmática do início do XIX.

Primeiro degrau: a virada linguística. A virada linguística derruba a filosofia da consciência, que começa no XVII, principalmente com Descartes e o cogito, Locke e as ideias oriundas da experiência e Kant e sua razão pura. Inês chama o período de modelo fundacionalista, em que há uma busca da verdade e certeza baseada na relação do sujeito cognoscente com o mundo dado como objeto conhecido, relação mente-mundo, no qual linguagem e comunicação tinham papel secundário.

Com Frege e o primeiro Wittgenstein, conforme já expusemos em “Wittgenstein e a teoria da figuração”[ii], a relação do pensamento com a proposição supera a representação do objeto que estava restrita à mente. Nesse sentido, a proposição materializa (termo meu) o pensamento e permite ser compartilhada, ultrapassando os limites da consciência individual. A estrutura simbólica do pensamento passa da consciência para a linguagem.

A virada linguística, então, conforme Inês, dá novo sentido ao problema epistemológico, no qual a razão imperial cede lugar às proposições dizendo o mundo. O velho dualismo, que opunha inteligência e sensibilidade, res cogitans e res extensa, razão pura e razão prática é superado, na virada, pelo pensamento expresso em proposições do tipo “algo é o caso”, que tem valor de verdade. O significado é a verdade.

Segundo degrau: a virada pragmática. Já a virada pragmática vem com a influência de Peirce e do segundo Wittgenstein[iii] e a revisão da semântica veritativa da virada linguística. Se o esquema fregeano é o da referência sentido-significado, Peirce traz o esquema triádico composto do signo, objeto e interpretante, onde há contexto de fala e fatores pragmáticos de comunicação. É aqui que nem mesmo a proposição tem sua garantia, mas ela precisa ser manifestada e avaliada pela comunidade. A linguagem não se constitui de proposições assertóricas, mas do “entender-se entre si sobre algo no mundo”.

Da semântica para a pragmática, desloca-se o valor de verdade do real (proposições veritativas) para a validade epistêmica. A virada linguístico-pragmática traz a justificação baseada na aceitabilidade racional, em discussões e aprendizado. A pragmática adiciona ação e a idealidade da validade do juízo deve ser avaliada, ou seja, a referência não mais detém o monopólio veritativo.

Se o primeiro Wittgenstein via a pureza da lógica da linguagem, o salto de 29/30 para o segundo Wittgenstein e os jogos de linguagem trazem a multiplicidade, a proposição lógica passa a ser só mais uma. Conforme Inês: “A proposição bipolar, que figura estados de coisa no mundo, cede lugar à multiplicidade dos usos linguísticos, com suas múltiplas gramáticas.”[iv]

Com o segundo Wittgenstein, conforme Inês, não há mais um significado que paira na cabeça dos indivíduos e nos jogos de linguagem a representação do objeto deixa de ser o centro, pois importa a apresentação das coisas. A referência, a proposição e o correlato pensamento-linguagem perdem espaço para o modo de apresentação em cada jogo e aos empregos de termos, no uso comum.

O modelo do Tractatus trazia consigo um fundamento [transcendente] que já não cabe mais na práxis do aprendizado para que seja feito um uso correto da linguagem, que permita compreensão. Então, nesse paradigma pós-metafísico, não cabe perguntar como captamos a realidade, pois a consciência passa a ser uma “disposição” (termo meu) ou comportamento compreendido em um contexto. Para o segundo Wittgenstein até mesmo a certeza é um comportamento e não um estado mental ou consciência psicológica pessoal. A certeza vem de razões fundamentadas e é de onde vem a dúvida também e ambas duelam no terreno da compreensão e da interpretação não sendo possível um único critério que teria sido vislumbrado na virada linguística.

* * * * *

Concluímos dizendo que pretendemos, nessa breve análise apoiada no artigo de Inês, situar o papel que a linguagem passa a ter na filosofia e na teoria do conhecimento no início do século XIX e de como isso significa uma tentativa de afastamento da metafísica, porém trazendo também as contradições dentro da filosofia analítica.

De todo o modo, nos parece importante ressalta que o polo do sujeito perde força, na primeira virada significando que já não é mais a consciência por si só que tem a primazia no conhecimento, mas a linguagem que mostra o mundo. No segundo momento, até mesmo as proposições ou os enunciados devem ser justificados perante uma segunda pessoa para terem validade, e aí o sujeito passa a ser um mero interlocutor que deve se esmerar na comunicação correndo o risco de simplesmente não fazer parte da conversa.



[i] Acesso no link https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/1483/1414, em 14/01/2021. A NATUREZA DO CONHECIMENTO APÓS A VIRADA LINGÜÍSTICO-PRAGMÁTICA, Inês Lacerda Araújo. Não abordaremos o principal: Habermas e sua teoria de ação comunicativa e a ênfase na intersubjetividade presente nos atos de fala.

[iii] Ibidem.

[iv] Inês. Op cit., p. 111.

3 comentários:

  1. O fato da materialização da linguagem pode ser central no tratamento da referência, isso porque traz uma necessidade de objetividade

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  2. Vislumbramos a passagem da relação dual linguagem mundo para uma tríade onde aparece o interlocutor. É ele que da o valor de verdade que se encontra no contexto

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  3. Vale reforçar que a virada linguística é semântica e depois ocorreu a pragmática além do sujeito

    Isso afasta a transcendência que havia no primeiro Wittgenstein

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