domingo, 13 de setembro de 2015

Como reconhecer o estruturalismo*

     Quem é estruturalista em 1967: o linguista R. Jakobson, o sociólogo Lévi-Strauss, o psicanalista J. Lacan, o filósofo M. Foucault, o filósofo marxista L. Althusser, o crítico literário R. Barthes, entre tantos outros. Eles se valem de um espírito do tempo e usam a estrutura (ou sistema) nos mais variados domínios. Ela se origina na linguística de Saussure: só há estrutura do que é linguagem. Nos domínios temos a estrutura do inconsciente: ele fala e é linguagem; a estrutura dos corpos que falam com a linguagem dos sintomas; das coisas através do discurso silencioso da linguagem dos signos.
     A primeira descoberta do estruturalismo é a dimensão do simbólico que rompe a oposição (ou fusão) entre real e imaginário – jogo dialético que vem da filosofia clássica e, depois, é abarcado pela psicanálise. Seu começo na linguística reporta, por um lado, para a palavra que tem realidade e partes sonoras, imagens e conceitos, mas, por outro, existe o elemento simbólico, o objeto estrutural. A estrutura encarna-se na realidade e nas imagens a partir de séries determinadas e os perturba porque é mais profunda que eles; a estrutura é o subsolo. Havia o pai real e imagens do pai na psicanálise, Lacan descobre um terceiro pai: o Nome-do-pai. O terceiro elemento é o simbólico, mas a própria estrutura é pelo menos triádica porque há um terceiro irreal, mas não imaginável. A ordem simbólica nada tem a ver com uma forma sensível que se exerceria no real ou na percepção, nem com uma figura da imaginação e nem tanto com alguma essência inteligível, seus elementos formais não tem forma, representação, significação, conteúdo, realidade, enfim. Pode-se haver um desconhecimento da ordem simbólica por um lado, por outro o estruturalismo permite uma reinterpretação de obras e teorias.
     Os elementos de uma estrutura só tem o sentido de posição, dentro de um espaço topológico e inextenso os elementos estão em uma relação de vizinhança em seu interior. São primeiros em relação a coisas e seres que os virão a ocupar e mesmo aos papéis imaginários que daí surge. Portanto os lugares são mais importantes de quem os preenche, pai, filho, esposa, são lugares a serem ocupados nas estruturas, entramos na fila e chegaremos lá, um dia ocuparemos o papel de morto. O elemento simbólico, sendo sentido de posição sem designação extrínseca ou significação intrínseca, é um sentido que resulta da combinação de elementos não significantes. Combinação excessiva dos elementos, elementos sobrepostos, sobre determinados. O estruturalismo se vale do jogo: no baralho o coringa circula pela estrutura; pensar é lançar os dados. Estruturalismo que aponta para um anti-humanismo ao valorizar a posição e não quem a ocupa...
     As unidades de posição entram em relações diferenciais. Há a relação real: 2/3, 3+2, com elementos e relações reais. Há a relação imaginária: 2x+y=0, valor não especificado, mas que deve ser determinado caso a caso. E as simbólicas: dx/dy=x/y, os elementos não têm qualquer valor determinado, mas se determinam na relação diferencial, ela sim determinada. A natureza simbólica é definida nesse processo de determinação recíproca no seio da relação. E surgem singularidades na determinação recíproca (dos pontos forma-se a curva), da determinação recíproca temos a determinação completa. As estruturas apresentam, então, os aspectos: um sistema de relações diferenciais segundo as quais os elementos simbólicos se determinam reciprocamente (pai só é pai se tem filho; filho só é filho se tem pai) e um sistema de singularidades correspondendo a essas relações e traçando o espaço da estrutura. Com Althusser, as relações diferenciais se dão entre elementos simbólicos, são categorias, designações: força de trabalho e meios de produção em relações de propriedade. Já as singularidades se referem a funções, atitudes: cada modo de produção é uma singularidade que corresponde aos valores das relações. O verdadeiro sujeito não é o homem, mas a definição dos lugares e funções. A estrutura é inconsciente e virtual, é real sem ser atual e ideal sem ser abstrata. É uma virtualidade de coexistência que se atualiza em direções exclusivas. Somente determinadas relações e singularidades se atualizam aqui e agora. Diferenciação: conjunto das diferenças em uma estrutura, a nível vertical, fora do espaço e tempo. Diferenciação: conjunto atualizado num dado espaço e tempo da estrutura. A gênese e o tempo na estrutura vão do virtual ao atual, não há atualização forma-forma, sempre se remete ao virtual. Atualizam-se as relações diferenciais (espécies diferenciadas) e as singularidades (partes diferenciadas da espécie). A estrutura é diferencial não só nos efeitos que nela se atualizam, mas diferencial em si mesma. A imaginação opera sobre os efeitos de superfície que escondem o mecanismo diferencial de pensamento simbólico. Então, a estrutura sendo inconsciente (e diferencial) se confunde com seus efeitos. De acordo com o campo simbólico, o inconsciente se coloca, e coloca problemas e questões a serem resolvidos em cada domínio. 
     Qualquer estrutura é serial, multisserial, cada série composta de elementos simbólicos que se relacionam e só assim a série se põe em movimento. Séries de elementos e relações, sistemas, diferença. Não há regra geral para a organização das séries constitutivas de uma estrutura. O problema que o estruturalismo coloca objetivamente se resolve a partir dessas constituições seriais. As séries se deslocam umas em relação às outras, não é um deslocamento imaginário, é estrutural e simbólico, pertence aos lugares no espaço da estrutura e aciona os disfarces imaginários dos seres e objetos que secundariamente ocuparão esses lugares.
     A casa vazia, objeto = x paradoxal que aparece nas estruturas, é capaz de convergir séries divergentes, se move e circula em cada série. Como nas canções onde o refrão é relativo ao objeto = x e as estrofes as séries divergentes pelas quais ele circula. Objeto sempre deslocado a si mesmo, está onde não se procura. Não é real porque falta no seu lugar, não é imagem porque falta na sua própria semelhança, não é conceito porque falta na própria identidade. O objeto = x é o diferenciante da diferença. Como no jogo que só funciona com a casa vazia que muda de posição constantemente. É a palavra "coisa" que possui excesso de sentido, que significa nada ou qualquer coisa, ou que dota de sentido o significante e o significado. Ou o objeto = x é determinado como falo,  nem o falo real, nem as imagens a ele associadas, mas o falo simbólico que funda a sexualidade. O falo é uma questão e designa a casa vazia da estrutura sexual. Assim como na estrutura econômica a casa vazia é o valor, o não empírico atribuído ao trabalho em geral. Mas, o que vem primeiro, o valor ou o falo? Não há ordem nas estruturas, elas estão perpendiculares umas as outras e à experiência única do indivíduo.
     Então a estrutura é preenchida em si por elementos simbólicos e, atualizada, é preenchida por seres reais;  o que não se preenche é a casa vazia. Vazio positivo que não é lacuna, mas espaço a ser preenchido. O sujeito é a instância que segue o lugar vazio, menos sujeito e mais sujeitado, o estruturalismo dissipa o sujeito e o faz nômade, individual, mas impessoal. E podem ocorrer dois acidentes na estrutura: ou a casa vazia não é preenchida (vira lacuna) ou é preenchida e sua mobilidade perdida. Esses acidentes são aventuras da casa vazia suscitados por contradições internas à própria estrutura, acontecimentos que afetam a casa vazia (ou sujeito). O sujeito não preenche, mas deve acompanhar o deslocamento da casa vazia, deslocamentos que geram novas singularidades, e pela práxis essas singularidades são redistribuídas; novos dados são lançados. Portanto, há um processo de produção estrutural que produz efeitos nos diferentes níveis da estrutura, sejam eles: o real (os seres reais); o imaginário (as ideologias); o sentido e a contradição.
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*Resenha (e colagens, recortes) do texto homônimo de Gilles Deleuze.

Bando de loucos

     Eu vejo gente conversando na rua, dois homens indo para o trabalho. Eu passando pela calçada observo uma mesa com pessoas reunidas por detrás de uma porta de vidro. Eu vou ao bar e há grupos de amigos bebendo e trocando ideias. Eu vejo tudo isso e acho estranho... Sobre o que essas pessoas conversam? O que elas pretendem conversando? Será que elas pretendem emitir uma opinião, se resguardar, influenciar o interlocutor, enfatizar suas convicções, enfim, o quê? Eu me pergunto se, na verdade, elas sabem o que pretendem. Creio que não... Mas eu tenho a impressão que elas não sabem o que pretendem porque não sabem o que é possível. Não por elas próprias, mas pelas condições a que são submetidas.
    As pessoas se encontram e falam, falam. Falam e não sabem se são ouvidas, mas falam. Eu suspeito que elas não sejam ouvidas e que mal sabem o que falam e porque falam. De fato, surgimos nesse mundo de falar em que não se sabe se escutar e, muito menos, comunicar. Não examinamos essa condição[1] e acreditamos que é natural e que é o único meio que temos de viver. Porque quase tudo se faz falando ou se comunicando.
     Entretanto, estou certo que em um mundo com a quantidade enorme de ruídos que temos qualquer tipo de comunicação é inviável (senão impossível), pelo menos da forma que conhecemos atualmente. Por que nascemos assim, utilizamos a linguagem, tudo não passa de certa instrumentalização. A linguagem não é fim, ela é meio. Ela serve a interesses e, por isso, não é confiável. O objetivo do homem ao falar é se valer de uma necessidade que é criada. O objetivo do homem não é uma comunicação stricto sensu. O homem sabe que tem ruído na conversa e usa isso como moeda de manipulação. Está na hora de começarmos a desvelar essa forma de comunicação hipócrita e comezinha. 
     Embora me seja simpático, não quero propor aqui uma volta a um estado de natureza antissocial. Mas também não quero esse meio termo da linguagem que conhecemos. Não é viável tal tipo de comunicação em que falamos, falamos e, às vezes, escutamos, escutamos. E? E, nada! E falamos e escutamos, somente.
     Uma forma de comunicação só seria aceita se houvessem todas as garantias de um profundo entendimento. Oh, mas e a subjetividade, a relação de transferência, a liberdade que por aí se insere? Não há liberdade aí. O que há é um não saber disfarçado de liberdade. O que há é um contentar-se com pouco. Evoluamos! Não significa dominemos o mundo, não significa vida eterna. É somente uma busca por uma forma de comunicação mais elementar, básica, consistente e que também pode ser estimulante e surpreendente. Não sejamos um bando de loucos.
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[1] Aqui não entraremos no mérito da linguagem enquanto estrutura subjetiva partilhada historicamente por todos os homens.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Desconstruindo o sujeito*

    Vem da modernidade o projeto de recuperação do homem antigo e uma fundamentação da racionalidade. O eu revitalizado e revalorizado irrompe com suas ideias e sua consciência. O eu é autônomo, é possível falar ontologicamente de um eu que age, a subjetividade do eu é marcante na filosofia. 
    Os séculos se passam e o eu perde força até que Freud inventa o inconsciente. Há um algo além da nossa subjetividade, um desconhecido que não podemos explicar. Althusser propõe uma leitura de Marx pelo não dito, pelas lacunas. Mas o que é esse invisível? É o inconsciente, sempre presente, latente. Há o dito e o não dito, que às vezes diz mais. E ele ainda argumenta que o próprio Marx usou esse expediente na leitura dos economistas clássicos...
    De toda forma, o inconsciente é estruturado. O estruturalismo francês coloca o sujeito em estruturas predeterminadas, estruturas feitas de relações e de lugares que ocupamos, como sujeitos. Exemplifico, ontem fui a um casamento, havia uma noiva, um noivo, o pai da noiva, os amigos, etc. Em todo casamento existem esses lugares a serem ocupados, de pai, mãe, convidado, etc. E ocupamos em cada casamento, lugares diferentes. Estamos nessas estruturas existentes antes de nós. A subjetividade perde espaço em prol da estrutura dada. Para Althusser, o próprio capitalismo se vale da estrutura: relações de produção, modos de produção, a forma mercadoria, todo um aparato em que nós, sujeitos, apenas nos encaixamos.
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* A partir do que pude apreender em notas de aula de Teoria das Ciências Humanas, prof. Vladimir Safatle.