Mostra as abordagens das teorias tradicionais do significado e de como elas reportam a um "algo"[i]
Partindo-se da premissa de que uma teoria referencial
do significado não é satisfatória[ii], Lycan traz pontos que
devem ser respondidos por uma teoria do significado, como explicar por que
alguns objetos físicos têm significado, por que expressões distintas podem ter o mesmo
significado, por que uma única expressão pode ter mais de um significado e o por que significado de uma expressão pode estar contido em outra.
Tende-se, então, a se tratar o significado
como coisa individual, seja como ideias particulares em uma mente[iii] ou como proposições.
Nesse segundo aspecto, a frase “a neve é branca” significa uqe (ou expressa a proposição
de que) a neve é branca. Um sinónimo dela, por exemplo, “la neige est blanche”,
também expressa a mesma proposição, mas seria possível explicar o significado como
sendo uma proposição?
Bem, uma teoria do significado, que visa
esclarecer por que uma sequência de ruídos pode ser considerada uma frase com significado,
tem que elucidar os sinônimos, a ambiguidade, um significado contido em outro e
a consequência lógica. No rol das teorias tradicionais do significado, Lycan enumera as teorias
de entidade que tomam os significados por coisas individuais, entre elas, a
que trata significados como entidades mentais, e a que os trata como entidades
abstratas, mas não mentais, que seriam as proposições, postuladas por Bertrand
Russell.
Teoria ideacional: a mais intuitiva
Remete a John Locke (1690) e define que os
significados das expressões linguísticas são ideias na mente. Daí que uma sequência
que significa algo exprime semanticamente um estado mental particular
que é portador de conteúdo, como podendo ser uma ideia, uma imagem, um
pensamento ou uma crença.
Dessa definição pode se objetar que tipo
de coisa é essa ideia. Se é uma imagem, há o problema de ela ser mais
pormenorizada que o significado, isto é, imagens são muito particulares para serem
tomadas como significados de frases, por exemplo. Já se pensarmos em um conceito
mental, cairíamos em circularidade pois seria difícil definir um conceito sem
referir ao significado. Sendo um pensamento completo, tem-se que nem toda a
frase exprime o pensado.
Uma segunda objeção diz que há palavras
que não tem imagem, conceito associado (por exemplo, “é”, “de”). Outra objeção enfatiza
o caráter do significado de ser público e intersubjetivo, ao passo que imagens,
ideias e sentimentos são subjetivos, quer dizer, estão em uma mente e diferem
de pessoa para pessoa. Por fim, objeta-se que há frases que terão significado,
mas que nunca foram pensadas por alguém, daí que não têm entidade mental.
Teoria proposicional: a principal
Proposições são itens abstratos
independentes da linguagem e das pessoas, são gerais e eternas. Elas vêm na
esteira das ideias, em outras palavras, se pensarmos em uma ideia não como atual,
mas possível, então ela acaba sendo uma proposição... A definição de Russell e
Moore, conforme apresentada por Lycan, é mais ou menos assim: seja F uma
sequencia de palavras com significado, P uma proposição (um conteúdo abstrato)
e g uma sequencia sem significado, F tem relação com P e g não tem relação com
P, sendo essa relação uma expressão.
Resumindo, F tem significado em virtude de
exprimir a proposição particular P. Essa teoria resolve os fatos do
significado, como o sinônimo, quando F1 e F2 exprimem a mesma
proposição e a ambiguidade, se F exprime P1 e P2. Caracterizando um pouco
mais, as proposições são expressas por frases e identificáveis por meio de uma oração
- “que”, uma oração subordinada substantiva objetiva direta. Essa função, que é usada no discurso indireto, liberta a proposição de ser uma
expressão particular. E, também, proposições são estados mentais pois podemos
pensar que P[iv].
Lycan
ressalta que as proposições podem ser verdadeiras ou falsas, já que o seu valor
de verdade muda no tempo ou em determinados contextos, conforme a frase que a
expressa seja V ou F. Então, a elocução de uma frase pode expressar um P pode
ser V ou F, a depender de quem a diga e quando a diga. Desse tratamento, conclui-se que as frases
derivam seus valores de verdade das proposições.
Por fim, as proposições tem uma estrutura
interna que é composta por parte conceituais abstratas. Digamos, “neve” tem significado,
mas não é uma proposição, somente a frase é. Então “neve” é um constituinte da
proposição, um conceito. Mas, outro fato do significado é a questão de como um
ser humano compreende uma frase. Para Moore, uma pessoa tem uma relação com P e
sabe que F exprime P, sendo que essa relação é a de captar, apreender a
proposição.
Objeções
Contudo, se a teoria proposicional se
harmoniza com o senso comum, ela também levanta objeções que serão tratadas por
Lycan. As proposições são itens abstratos esquisitos que existem apesar dos
humanos e com eles se relacionam, mas não estão no espaço-tempo. Aqui podemos
lembram de Occam e sua máxima de não postular entidades além da necessidade, portanto,
seriam as proposições desnecessárias? Por outro lado, surge a dificuldade de como
nos relacionamos com elas, apesar da proposta de Moore de que podemos captá-las,
isso porquê parece haver um significado para “além das palavras”, que são as
tais proposições e mesmo frases diferentes tem significados diferentes. Além do
mais, sabe-se que elas são comuns na ciência e na filosofia, para explicar os fenômenos.
Já para Gilbert Harman a teoria proposicional nada explica de fato pois a
proposição se confunde com o significado, parecendo a mesma coisa.
Por fim, Lycan evidencia que o significado tem um papel social dinâmico, mas, se é assim, a proposição deveria ter um papel causal na explicação, mas não o tem, o que abre espaço para as teorias dos filósofos da linguagem dos anos 50 que explicam o significado em conexão com o comportamento humano. São as teorias do uso que Lycan (e nós) abordará no próximo capítulo, teorias semânticas do uso que explicam o significado em função do uso na da linguagem.
[i] Fichamento de Filosofia da
linguagem: uma introdução contemporânea. LYCAN, William. Tradução Desiderio
Murcho. Portugal: Edições 70, 2022. Capítulo 5: teorias tradicionais do
significado.
[ii] Conforme https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/09/significado-e-referencia.html - Significado e Referência.
[iii] Em um sentido mais abstrato, não
seria uma ideia individual, mas um tipo de ideia. Por exemplo, ao invés da ideia de um cão
específico, seria uma ideia de cão.
[iv]
Sobre proposições e a função - que, Ruffino e Costa terão mais a dizer, esperamos
que em breve.