terça-feira, 4 de julho de 2023

Significado relativo

Sobre a relatividade do significado nas propostas de Frege e do segundo Wittgenstein*

Nos parece que tanto Frege quanto o segundo Wittgenstein relativizam o significado em suas propostas de filosofia da linguagem. Quando Frege conceitua o significado como sendo o sentido de uma frase, chegando até a cortar o seu vínculo com a referência, ficamos no campo da subjetividade, isto é, o sentido é algo que nós atribuímos a um objeto. Ocorre que diferentes pessoas podem atribuir diferentes sentidos a um objeto e não partilharem esses sentidos de maneira que, na presença do objeto, eles podem não ser identificados daquelas diversas maneiras.

Nesse sentido fregeano, a forma como falamos do objeto é mais importante que o próprio, o sentido que damos é aquele sobre o qual o objeto é apresentado no discurso. A apresentação do objeto está intimamente ligada ao nosso processo cognitivo, pois quando um objeto tem um modo de apresentação diferente daquele que conhecíamos, tem-se um novo valor cognitivo. Assim, muitas formas de apresentação podem ser feitas a respeito de um mesmo objeto e esses são muitos sentidos e trazem diferentes significados que se tornam relativos, por mais que eles devam buscar a referência.

Já para o segundo Wittgenstein, o significado de uma frase é dado pelo seu uso em um contexto e uma mesma palavra ou frase pode ter um uso diferente em determinados contextos ou por grupos de pessoas diferentes, o que também acarreta diferentes significados. A proposta de Wittgenstein parece ser mais intersubjetiva, pois parece implicar um acordo entre os grupos de falantes sobre os significados que eles darão para as frases em seus usos, gestos, tons de voz. A linguagem passa a ser mais um meio, um aparato para a comunicação que precisa ser eficiente para se alcançar um fim.

Mas essa caracterização pode ser ineficiente para um terceiro que desconhece as regras que foram se impondo para que aquele modelo de comunicação fosse criado e se efetivasse. O terceiro pouco entenderia do que ocorre em contextos particulares, de domínios específicos e com regras frouxas. Assim, muitos jogos de linguagem poderiam eventualmente utilizar as mesmas palavras ou frases, mas em usos distintos e trazendo significados diferentes, que também se relativizariam.

Se estamos certos no que foi dito até agora, ficamos a mercê da relatividade do significado. Mas, isso é um problema? Pode não ser em muitos casos e até, nesses casos, trazerem vantagens competitivas e de adaptação, mas de Frege** se poderia ter como consequência que dois interlocutores concordam sobre o sentido de determinada expressão ou objeto que não é um sentido convencional e que pode deturpar o seu significado, podendo levar ao terraplanismo. A respeito de Wittgenstein, certas expressões tiradas de seu contexto poderiam ser catastróficas.

De todo modo, ambas as teorias podem ser aceitas se devidamente introduzidas e respeitadas dentro de suas próprias condições, mas elas não garantem que a linguagem pode ser utilizada de maneira objetiva e universal. Essa maleabilidade da linguagem aporta um dinamismo que é perspícuo, mas que gera dificuldades em domínios como o científico, medicinal ou jurídico. Sempre pode e deve haver um espaço de manobra, mas a busca de um significado mais rigoroso pode se fazer necessário quando até as máquinas já começam a difundi-lo.

_____________

* Filosofias referencialistas e / ou externalistas como as de Kripke, Putnam, etc. abordam o significado de maneira diversa, mas nem por isso podemos dizer que não sejam relativistas.

** Não nos esquecemos que o valor de verdade, para Frege, depende da referência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário