quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Duas acepções de identidade[i]

Pessoa trata da “identidade” a partir de uma distinção entre identidade quantitativa e identidade qualitativa. Segunda a Wikipédia[ii]:
A noção de identidade faz surgir um número de problemas filosóficos, incluindo a identidade dos indiscerníveis (se x e y gozam do mesmo conjunto de propriedades, trata-se então de coisa única e mesma?) e questões sobre mudança e identidade pessoal através do tempo (quais as condições para que a pessoa x e a pessoa y, esta de um tempo posterior, sejam a mesma pessoa?).
O que se destaca em negrito, acima, foi sucintamente abordado em texto anterior[iii]. O mote de Pessoa para esse capítulo é “Uma cópia material humana perfeita tem consciência idêntica?” e merece ser mais bem analisado, mas agora focaremos no final. De acordo com a identidade numérica 2 são 1. De acordo com a identidade qualitativa 2 são 2 (ou não...). A identidade qualitativa significa que duas coisas diferentes têm as mesmas propriedades, ou seja, são [quase] “idênticas”, embora sejam coisas diferentes. Já a identidade numérica, mais simples, diz sobre o planeta Vênus que “a estrela d’alva e a estrela Vésper são idênticas”. Trata-se do mesmo indivíduo. Já dois irmãos gêmeos são [quase] idênticos sendo diferentes.
Pessoa, remetendo ao debate entre nominalistas e realistas, conclui com a diferença de abordagem na identidade qualitativa. Tomando como exemplo um nariz idêntico de dois gêmeos univitelinos, ele pergunta se a forma dos narizes pode ser considerada a mesma ou não. Para um realista de universais, como Platão, é a mesma forma (somente uma, quantitativamente). Para um nominalista como Ockham são de fato duas: “essa” (nariz 1) e “aquela” (nariz 2)[iv].



[i] Capítulo II do curso de Filosofia das Ciências Neurais do professor Osvaldo Pessoa Jr, ano de 2016: http://opessoa.fflch.usp.br/.
[ii] Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Identidade_(filosofia), acessado em 13/02/2020.
[iv] Essas coisas todas, embora pareça somente filosofia, dizem muito sobre a vida e o mundo. Veja a diferença que há entre o pensamento de Platão e Ockham. O uso de um termo, de uma identidade pode significar muito em determinados contextos. Platão, quando remete a uma forma única, remete a "entidade" superior imutável. Já Ockham, que não conhecemos muito, privilegia o particular rechaçando o universal, abstrato.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Preliminares da teoria da identidade

A teoria de identidade lida com um ponto importante, a saber, se a identidade se refere a um objeto ou dois, embora no mundo da vida (mundo sensível, etc.) essa identidade não exista. E é exatamente nesse ponto que a identidade se reduz, já que é uma identidade conceitual e, como tal, transforma dois objetos em um terceiro, inexistente, abstrato.
A filosofia é uma ciência estabelecida, ela é milenar. Conceitos não são criados ex nihilo. Só se pode discorrer sobre um assunto filosófico a partir de um embasamento teórico, senão tergiversa-se. Entretanto, a vida é feita de aventuras e também de preliminares. Preliminares são opostos de prolegômenos. Preliminares são tentativas, tateios. Se a filosofia parte do pressuposto do constructo humano histórico, isso não significa que eventualmente não se possa ousar.
Pois bem, a identidade que nos referíamos é a teoria da identidade na filosofia da mente. Obviamente, uma introdução ao assunto, investigação dos principais pontos e objeções será feita, porém depois. Agora basta dizer: se há identidade entre mente e cérebro, a relação é idêntica no cérebro, idêntica na mente ou idêntica no conceito em si?
A mim parece que a identidade mente-cérebro é um conceito abstrato, ou seja, ela é uma negação de ambos em si, separados. É claro que o cérebro existe e podemos tocá-lo, objetivamente. Não menos claro é a dificuldade em se conceituar a mente e seu caráter subjetivo. Tais características adicionam mais um ponto de obscuridade na identidade: o fato da identidade se referir a entidades tão díspares.
Dito isto, acrescentamos que o atual estágio das pesquisas em filosofia da mente deixa muito em aberto os diferentes pontos de vista e valoriza o debate, a divergência. E talvez ainda seja longo o seu caminho para trilhar a via segura da ciência e promover a sobressalência de alguma teoria que seja referência e norte.