quarta-feira, 24 de abril de 2019

O espaço físico [i]

Os dados-dos-sentidos[ii], que para a Filosofia são mais conhecidos do que o próprio objeto em si, objeto este que teve sua própria existência e realidade colocadas em dúvida, não são alvo da ciência. Esta define o objeto em termos de posição e movimento, conforme argumentação de Russell. Isso se deve, podemos acrescentar, devido à utilidade da ciência que “despe” o objeto de características sem valor objetivo, embora nesse processo algo importante se perca: sua influência e valor social[iii].
Assim, duas luzes são refletidas pelo objeto: uma que sentimos e experienciamos e outra que a ciência descreve (espacial), essa última um cego pode compartilhar, a primeira não. A parte descrita pela ciência é o que, segundo Russell, existe no mundo independente de nós. Mesmo o espaço que a ciência utiliza não é o mesmo que aprendemos a ver e tocar já que cada um tem seu próprio espaço e cada pessoa tem uma visão diferente dele dependendo do ponto de vista e de suas faculdades, e a ciência tem o dela. O espaço da ciência, então, é o que chamamos espaço físico!
E é porque nós (nossos corpos) estamos nesse mesmo espaço físico é que somos capazes de nos relacionarmos com os objetos, somos capazes de sentir, cheirar tocar, etc. Mas os dados-dos-sentidos estão em nosso espaço privado. Embora (e a experiência o mostre) eles sejam correspondentes, esses dois espaços. A respeito de se distinguir espaço físico e dados-dos-sentidos, Russell o faz citando o exemplo do sol, que demora 8 minutos para chegar até nós, ou seja, o que vemos agora não é o que é, mas o que foi.  
Nesse sentido, a natureza dos objetos físicos (espaço, ondas) nos permanece desconhecida, já que conhecemos dados-dos-sentidos. Porém, argumenta Russell, embora os objetos físicos não sejam exatamente como os dados-dos-sentidos, eles são similares e podem realmente ter, por exemplo, cores, mesmo que mais ou menos aproximadas à sua variação e ângulo de incidência luminosa. Dito isto, Russell não chega à natureza última do objeto físico, embora não concorde que seja puramente mental, como argumentaram os idealistas.



[i] Bertrand Russell, Problems of Philosophy. THE NATURE OF MATTER. Acessado em 23/04/2019: http://www.ditext.com/russell/rus3.html.
[iii] Mais ou menos o que Marx definiu na sua teoria do valor.

terça-feira, 16 de abril de 2019

O mundo não existe[i]

Russell inicia com a questão se existe algum conhecimento que seja certo o sufiiente que não possa ser duvidado e faz uma investigação entre realidade e aparência que pode levar a crer que o mundo físico não existe, ou seja, ele questiona tal conhecimento. A cena se passa em seu escritório, ele está sentado na poltrona da escrivaninha próximo a janela de onde se vê o sol e as nuvens. A mesa que ele observa é marrom, mas será que é realmente? Há um pedaço da mesa mais escuro pela sombra, há outro pedaço branco pela luminosidade e uma parte lascada mostrando uma cor mais clara. Se alguém observa somente o pedaço iluminado pode achar que a mesa é clara, se alguém a vê de noite terá outra impressão. Mas, qual a cor da mesa? A mesa real não é a que vemos, mas uma que inferimos do nosso ponto de vista.
A mesa apresenta uma superfície sólida e maciça a olho nu, mas pelo microscópio podemos notar fissuras, porosidade. Esse microscópio está correto, há outro mais possante ou nós estamos corretos? Afinal, qual a consistência da mesa? O mesmo vale para a forma real da mesa que também varia dependendo do ângulo em que a vemos[ii]. Observamos várias propriedades que Russell denomina dados-dos-sentidos e que se apresentam à nossa sensação (cor, textura, som, etc.), mas qual mesa é a real? Há um objeto físico chamado mesa ou tudo não passa de dados-dos-sentidos? Temos conhecimento, pela sensação, de dados-dos-sentidos e, se não podemos concluir que o objeto físico não existe, ao menos sabemos que ele está muito distante de nós.
Russell data essa argumentação a Berkeley como o primeiro a dizer que os objetos dos nossos sentidos não existem independentes de nós, porém ele não concorda com a conclusão: que só existem ideias ou que os objetos só existem por causa de uma ideia, seja a de Deus ou a de uma mente universal[iii]. Berkeley e os demais idealistas, Leibniz, etc., não negam a existência do objeto físico, mas afirmam que ele é uma ideia de uma mente ou conjunto delas. Russell, então, nos mostra que o que vemos e sentimos do objeto não é o objeto físico em si, mas o que nos relaciona a ele, ou seja, sua aparência, o que nos leva a dúvida sobre como seria a realidade e se há meios de conhecê-la. Uma simples mesa torna-se uma questão cheia de possibilidades e, se existe dúvida, embora a Filosofia não possa responder a todas as questões, pelo menos ela aumenta o nosso interesse pelo mundo.



[i] Bertrand Russell, Problems of Philosophy. APPEARANCE AND REALITY. Acessado em 15/04/2019: http://www.ditext.com/russell/rus1.html.
[ii] Nas palavas de Russell: “But the 'real' shape is not what we see; it is something inferred from what we see.”
[iii] O que ele considera falácia: “Whatever can be thought of is an idea in the mind of the person thinking of it; therefore nothing can be thought of except ideas in minds; therefore anything else is inconceivable, and what is inconceivable cannot exist.”

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Abrangência


A respeito do exercício mental, há sem dúvida um aprendizado. Na realidade, o exercício mental envolve, de fato, habilidades corporais a ele associadas. Por mais que a atividade seja teórica, ainda assim estamos movimentando algo em nosso organismo. É plausível admitir que, ao estudar determinado assunto, passamos a ter maior conhecimento sobre ele e isso propicia domínio e familiaridade. Por exemplo, estudar Filosofia faz com que o sujeito conheça mais sobre Filosofia e as atividades corporais podem variar entre movimento dos braços e mãos para folear páginas, atenção dedicada ou mesmo ter que ir até a biblioteca buscar um livro. Tudo isso fisicamente muito básico.
Então, se estudamos a Ética não aprendemos a Lógica, ou aprendemos? O conhecimento se move por domínios e é sempre dispendioso e regular, insistente. Mas, se quanto mais eu estudo Ética, isso pode influenciar na minha capacidade de aprender Lógica?  O que pode importar nesse caso é o método, já que é necessário conhecer o conteúdo. Segue-se que muito estudar Ética pode e não pode impulsionar minha capacidade de aprender Lógica.
Por outro lado, há atividades físicas que dependem do mental, mas são mais físicas do que mentais. Por exemplo, o trabalho liberal, em grande medida, é um fazer e refazer diário, porém sobre conteúdos variantes. No final da estória, vale otimizar a conjunção do físico com o mental: se a execução [física] é dispendiosa, ela com certeza pode ser feita da melhor maneira e se tornar mais abrangente, ou seja, capaz de endereçar um número maior de casos e se aperfeiçoar.